Está no Conjur a notícia sobre a decisão proferida pelo Juiz
Federal Gabriel José Queiroz Neto do Distrito Federal, na qual o magistrado
concede em caráter liminar a entrada de um veículo importado duas vezes
(primeiro para os EUA e depois para o Brasil). A União já havia aplicado pena
de perdimento, pois entende que o veículo não era mais novo, por já ter tido
outro proprietário, e a legislação brasileira veda a importação de veículo
usado, com menos de 30 anos.
Além dos pontos já trazidos pela reportagem, a qual segue
abaixo, vale a leitura de alguns pontos
da sentença:
“Na minha vida de juiz, tenho mais me atentado à substância
das coisas dos que às formas. Não que estas não tenham valor! Pelo contrário,
são importantíssimas, porque vão uniformizar e tornar mais transparentes as
atividades contratuais e do próprio estado. Não obstante isso, não podemos dar
prevalência às questões formais sobre as materiais, porque, em última análise,
é o direito material que é fim buscado pelo cidadão”.
[...]
“Não é por outra razão que princípios como formalismo
moderado e instrumentalidade das formas têm ganhado cada vez mais corpo. O
intérprete deve, no caso concreto, verificar até que ponto a forma engessa o
exercício do direito material, de forma a ponderar se aí não há excesso a ser
combatido”.
[...]
“Como já dito acima, a substância deve prevalecer sobre a
forma. Ora, ainda que o veículo tenha -
documentalmente - sido alvo de uma
transferência no exterior (isso documentalmente falando),
se não rodou (ou
seja, se não foi utilizado
para o fim a que se destina), ainda deve
ser considerado novo. Ao que
penso, meras questões
documentais relativas a ordenamentos
internos de outros
países não devem afastar a conclusão inexorável de que o veículo é novo,
porque jamais fora utilizado”.
Talvez sequer seja este o desfecho do processo, mas
certamente vale as considerações do juiz sobre os formalismos enfrentados
diariamente pelos contribuintes, e, que muitas vezes, por causa deste rigor ao
texto legal cobrando pelo Fisco em suas três esferas, acaba sendo onerado com
multas altíssimas, enquanto a realidade mostra outra coisa.
Segue a reportagem:
O fato de um veículo ter sido importado por outro país
antes de ser importado para o Brasil, por si só, não o torna usado e, por isso,
não o enquadra na proibição, prevista na legislação brasileira, que veda a
importação de automóveis não novos. O entendimento, da 1ª Vara Federal do
Distrito Federal, permitiu a entrada, pelo Porto de Santos, de um automóvel
Porshe Cayenne cujo perdimento já havia sido determinado pela alfândega.
A decisão, de caráter liminar, foi expedida no dia 24 de
setembro pelo juiz federal substituto Gabriel José Queiroz Neto. Ele não
aceitou argumento da União de que o fato de o veículo ter o chamado certificate
of title, ou certificado de propriedade, o caracteriza como usado, uma vez que
fora importado uma vez para os Estados Unidos e outra para o Brasil. Para o
fisco, se houve um primeiro proprietário, o carro é usado. Segundo o juiz, se o
veículo jamais rodou, não foi usado para o fim a que se destina.
Segundo explica Augusto Fauvel de Moraes, presidente da
Comissão de Direito Aduaneiro da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo e
advogado do caso, oertificado de propriedade é emitido nos Estados Unidos em
nome das exportadoras por opção de algumas fabricantes, como Porsche, BMW,
Mercedez Benz, Ferrari e Maseratti. A ideia é proteger agentes autorizados que
vendem produtos dessas marcas na região, a chamada proteção de território de
venda. Para o fisco, porém, a relação é direta: se o veículo tem um certificado
de propriedade, qualquer transação caracteriza revenda.
No Brasil, a Portaria 235/2006 do Ministério do
Planejamento, em seu artigo 1º, lista os bens usados que podem ser importados.
A única menção a automóveis é quanto a veículos antigos, com mais de 30 anos de
fabricação, para colecionadores. A entrada de outros itens sujeita o bem ao
perdimento.
“Ainda que o veículo tenha — documentalmente — sido alvo
de uma transferência no exterior, se não rodou (ou seja, se não foi utilizado
para o fim a que se destina), ainda deve ser considerado novo”, afirmou o juiz.
Ele protestou contra o excesso de formalidades que, no caso, distorceram os
fatos. “Não podemos dar prevalência às questões formais sobre as matérias,
porque, em última análise, é o direito material que é fim buscado pelo cidadão.
Meras questões documentais relativas a ordenamentos internos de outros países
não devem afastar a conclusão inexorável de que o veículo é novo, porque jamais
fora utilizado.”
O despacho autorizou o autor da ação a retirar o carro da
aduana, mas não a vendê-lo. Como observou o juiz, a antecipação da tutela não
extingue a ação, que ainda terá de ser julgada no mérito, pelo que o importador
exercerá o papel de depositário do bem até decisão definitiva no processo.
Ação Ordinária 23.907-04.2012.401.3400
Alessandro Cristo - editor da revista Consultor Jurídico
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 20 de outubro de 2012.
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