sábado, 20 de outubro de 2012

TRIANGULAÇÃO ADUANEIRA-CARRO IMPORTADO DUAS VEZES CONTINUA NOVO.


Está no Conjur a notícia sobre a decisão proferida pelo Juiz Federal Gabriel José Queiroz Neto do Distrito Federal, na qual o magistrado concede em caráter liminar a entrada de um veículo importado duas vezes (primeiro para os EUA e depois para o Brasil). A União já havia aplicado pena de perdimento, pois entende que o veículo não era mais novo, por já ter tido outro proprietário, e a legislação brasileira veda a importação de veículo usado, com menos de 30 anos.
Além dos pontos já trazidos pela reportagem, a qual segue abaixo,  vale a leitura de alguns pontos da sentença:

“Na minha vida de juiz, tenho mais me atentado à substância das coisas dos que às formas. Não que estas não tenham valor! Pelo contrário, são importantíssimas, porque vão uniformizar e tornar mais transparentes as atividades contratuais e do próprio estado. Não obstante isso, não podemos dar prevalência às questões formais sobre as materiais, porque, em última análise, é o direito material que é fim buscado pelo cidadão”.
[...]
“Não é por outra razão que princípios como formalismo moderado e instrumentalidade das formas têm ganhado cada vez mais corpo. O intérprete deve, no caso concreto, verificar até que ponto a forma engessa o exercício do direito material, de forma a ponderar se aí não há excesso a ser combatido”.
[...]
“Como já dito acima, a substância deve prevalecer sobre a forma. Ora, ainda que o veículo tenha  - documentalmente  - sido  alvo de uma  transferência no exterior (isso documentalmente  falando),  se não  rodou  (ou  seja,  se não  foi  utilizado para o fim a que se destina),  ainda  deve  ser considerado  novo.  Ao  que penso,  meras  questões  documentais relativas a ordenamentos  internos  de  outros  países não devem afastar a conclusão inexorável de que o veículo é novo, porque jamais fora utilizado”.

Talvez sequer seja este o desfecho do processo, mas certamente vale as considerações do juiz sobre os formalismos enfrentados diariamente pelos  contribuintes, e,  que muitas vezes, por causa deste rigor ao texto legal cobrando pelo Fisco em suas três esferas, acaba sendo onerado com multas altíssimas, enquanto a realidade mostra outra coisa.


Segue a reportagem:

O fato de um veículo ter sido importado por outro país antes de ser importado para o Brasil, por si só, não o torna usado e, por isso, não o enquadra na proibição, prevista na legislação brasileira, que veda a importação de automóveis não novos. O entendimento, da 1ª Vara Federal do Distrito Federal, permitiu a entrada, pelo Porto de Santos, de um automóvel Porshe Cayenne cujo perdimento já havia sido determinado pela alfândega.

A decisão, de caráter liminar, foi expedida no dia 24 de setembro pelo juiz federal substituto Gabriel José Queiroz Neto. Ele não aceitou argumento da União de que o fato de o veículo ter o chamado certificate of title, ou certificado de propriedade, o caracteriza como usado, uma vez que fora importado uma vez para os Estados Unidos e outra para o Brasil. Para o fisco, se houve um primeiro proprietário, o carro é usado. Segundo o juiz, se o veículo jamais rodou, não foi usado para o fim a que se destina.

Segundo explica Augusto Fauvel de Moraes, presidente da Comissão de Direito Aduaneiro da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo e advogado do caso, oertificado de propriedade é emitido nos Estados Unidos em nome das exportadoras por opção de algumas fabricantes, como Porsche, BMW, Mercedez Benz, Ferrari e Maseratti. A ideia é proteger agentes autorizados que vendem produtos dessas marcas na região, a chamada proteção de território de venda. Para o fisco, porém, a relação é direta: se o veículo tem um certificado de propriedade, qualquer transação caracteriza revenda.

No Brasil, a Portaria 235/2006 do Ministério do Planejamento, em seu artigo 1º, lista os bens usados que podem ser importados. A única menção a automóveis é quanto a veículos antigos, com mais de 30 anos de fabricação, para colecionadores. A entrada de outros itens sujeita o bem ao perdimento.

“Ainda que o veículo tenha — documentalmente — sido alvo de uma transferência no exterior, se não rodou (ou seja, se não foi utilizado para o fim a que se destina), ainda deve ser considerado novo”, afirmou o juiz. Ele protestou contra o excesso de formalidades que, no caso, distorceram os fatos. “Não podemos dar prevalência às questões formais sobre as matérias, porque, em última análise, é o direito material que é fim buscado pelo cidadão. Meras questões documentais relativas a ordenamentos internos de outros países não devem afastar a conclusão inexorável de que o veículo é novo, porque jamais fora utilizado.”

O despacho autorizou o autor da ação a retirar o carro da aduana, mas não a vendê-lo. Como observou o juiz, a antecipação da tutela não extingue a ação, que ainda terá de ser julgada no mérito, pelo que o importador exercerá o papel de depositário do bem até decisão definitiva no processo.
Ação Ordinária 23.907-04.2012.401.3400

Alessandro Cristo - editor da revista Consultor Jurídico

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 20 de outubro de 2012.

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