Já é motivo de polêmica a decisão do juiz Mauro Pereira
Martins, titular da 4ª Vara Empresarial da cidade do Rio de Janeiro, que, na
última segunda-feira (8/10), deferiu o pedido de recuperação judicial da marca
Maria Bonita, desconsiderando o mecanismo conhecido por trava bancária, adotado
pelas instituições financeiras credoras das empresas detentoras da grife.
Trava bancária é uma cessão fiduciária na qual o
comerciante entrega os recebíveis de cartão de crédito como garantia ao banco
para receber recursos. Assim, o empresário transfere a propriedade do crédito
para o banco, que bloqueia estes recebíveis até que o valor dos recursos
recebidos pelo comerciante sejam quitados.
Em sua decisão, o juiz destacou que o mecanismo vem
inviabilizando por completo a continuidade da atividade empresarial
desenvolvida e deferiu medida liminar para que as instituições financeiras
detentoras da denominada trava bancária se abstenham de praticar qualquer ato
destinado ao bloqueio ou apropriação de qualquer valor depositado em conta
corrente.
No caso, as autoras da ação, empresas controladas pelos
mesmos sócios e que atuam de maneira conjunta no mercado, alegam que a adoção
pelas instituições financeiras do mecanismo denominado trava bancária constitui
o maior óbice para o soerguimento delas, noticiando que cerca de 85% do
faturamento fica retido para pagamento de juros e amortizações.
Ao analisar o caso, o juiz observou que o histórico das
empresas evidencia o potencial econômico das mesmas. “Verificando o juízo
efetiva possibilidade de soerguimento, deve adotar todas as medidas que lhe são
municiadas pelo sistema jurídico, evitando-se, de tal modo, a falência da
empresa”, afirmou.
Segundo o juiz Mauro Pereira Martins, “afigura-se
inequívoco que, para se propiciar reais e efetivas condições de superação da
crise econômico-financeira experimentada pelas requerentes, deve ser vedada a
prática da trava bancária. O princípio jurídico a ser observado, na presente
circunstância, é o da preservação da empresa, restando patente que a manutenção
do mecanismo citado tornará esvaziado de interesse o prosseguimento do presente
processo de recuperação judicial”, concluiu.
O advogado Sergio Tostes, sócio do Tostes e Associados
Advogados, avalia que o juiz Mauro Martins reconheceu uma situação, de fato,
existente há muito tempo e que é um dos principais fatores de dificuldade para
a operação das empresas. Ele observa que a trava bancária dá um privilégio aos
créditos bancários em relação à própria empresa em recuperação e aos seus
demais credores. “Isso faz com que o capital de giro necessário para a
continuidade das atividades operacionais fique congelado nas instituições
financeiras. O crescimento do país depende de que as atividades comerciais
tenham prevalência sobre as atividades financeiras. Nesse aspecto, a decisão do
juiz Martins é de grande relevância por demonstrar essa circunstância”,
destaca.
Com trava,
juro mais baixo
Já o advogado Bruno Boris, especialista em Direito
Empresarial e sócio do Fragata e Antunes Advogados, afirma que o debate
referente à trava bancária ainda não está pacificado nos tribunais e o Superior
Tribunal de Justiça ainda não analisou o tema. Ele destaca, contudo, que “o
parágrafo 3º do artigo 49 da Lei de Recuperação de Empresas e Falências é claro
ao excluir do plano de recuperação judicial os créditos dos proprietários
fiduciários de bens móveis (como os direitos de crédito) ou imóveis, de
arrendador mercantil, dentre outros especificados no texto legal”.
Para Bruno Boris, embora seja relevante a intenção da
decisão da Justiça fluminense em dar condições efetivas de superação à empresa
em crise econômico-financeira, “o objetivo da Lei de Recuperação de Empresas e
Falências é proteger os bens dos credores fiduciários e, por consequência, o
crédito das instituições financeiras, com reflexo numa eventual redução do
spread bancário. Só assim, respeitando-se essa garantia legal, será possível
aos bancos praticarem taxas de juros mais baixas e concederem maior volume de
crédito, estimulando assim o desenvolvimento econômico”.
Para o advogado Ernesto Antunes de Carvalho, a decisão
não parece justa. No entendimento dele, não é justo o banco deixar de receber
um dinheiro que é de sua propriedade, uma vez que a negociação foi feita com
base legal. “O comerciante já recebeu esse dinheiro antecipadamente, agora
apenas está devolvendo”, esclarece. Para ele “o princípio da preservação da empresa,
deve ser norteado por motivos justos. Decisões como esta, se desviam da própria
lei e do conceito de segurança e certeza que a justiça tem que propiciar”,
conclui.
Processo 0380326-46.2012.8.19.0001
Por Tadeu Rover
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