Um dos temas tributários que
mais tem gerado discussão nos últimos anos diz respeito ao conceito de insumos
para fins de geração de crédito de Cofins e da contribuição para o PIS, dentro
da sistemática de não cumulatividade.
A Constituição Federal foi lacônica
sobre o tema, limitando-se a prever que a lei definiria os setores da atividade
econômica para os quais as contribuições seriam não cumulativas (artigo 195, §
12).
Por sua vez, as Leis 10.637/02
e 10.833/03 estabeleceram: “Do valor apurado na forma do artigo 2º a pessoa
jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a: (...) II - bens e serviços, utilizados como insumo
na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos
destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes, (...)” (incio II do
artigo 3º das referidas Leis – destacamos).
Com tal regra, surgiu dúvida
quanto ao conceito e à abrangência da palavra “insumo” e à extensão do direito
de crédito. Basicamente, três posições surgiram:
a) O conceito de “insumo” seria
o mesmo daquele adotado pela legislação do IPI.
b) “Insumo”, para fins de
crédito de PIS/Cofins, teria o mesmo conteúdo que custo e despesa necessária
para fins de IRPJ.
c) A legislação de PIS/Cofins
carregaria consigo um conceito de insumo próprio, independente de outras
figuras previstas nos demais tributos, como IRPJ e IPI.
A Receita Federal adotou o
primeiro entendimento (Instrução Normativa 404/04, artigo 8º[1]). Um fundamento
básico para tanto não deixa de ter relevância: se o legislador adotou o
vocábulo “insumo”, sem precisá-lo, é porque desejava acolher o mesmo conceito
já constante na própria seara tributária, ainda que envolvendo outro tributo.
Os contribuintes, inconformados
com esse entendimento, têm levado o tema à discussão nos tribunais
administrativos e judiciais.
Sustenta-se que a não
cumulatividade é uma técnica, com o objetivo de dimensionar o montante da
exigência e de evitar a incidência em cascata. Ela deve estar atrelada à
materialidade do tributo, pois os mencionados objetivos serão ou não alcançados
a depender da realidade onerada pelo tributo. Logo, o pressuposto de fato da
tributação (hipótese de incidência e seu aspecto material) condicionaria outros
aspectos do tributo, inclusive a técnica de não cumulatividade.
Como decorrência, o conceito de
insumo para fins de PIS/Cofins não poderia ser o mesmo conceito utilizado para
fins do IPI. Se as materialidades da tributação são distintas – produto e
receita –, os conceitos de insumos também deveriam ser distintos. Assim, o que
é insumo para geração de receita não seria exatamente a mesma coisa do que é
insumo para a industrialização de um produto.
Várias decisões já foram
proferidas, seja pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), seja
pelo Poder Judiciário. Pode-se afirmar que a jurisprudência caminha em sentido
contrário ao da Receita Federal. Todavia, ainda não há definição quanto a
adotar o entendimento constante do item “b” ou daquele do item “c”.
Por exemplo, no CARF foi
proferida decisão no sentido do item “b”, afirmando-se que não deve “(...) ser
utilizado o conceito trazido pela legislação do IPI, uma vez que a
materialidade de tal tributo é distinta da materialidade das contribuições em
apreço” (ac. 3202-00.226, sessão de 08/12/2010, 2ª Câm., 2ª Turma Ord., 3ª
Seção).
O Judiciário também já proferiu
decisão nesse sentido. Segundo acórdão do TRF da 4ª Região, insumos seriam
gastos ligados inseparavalmente aos elementos produtivos, proporcionando a
existência, funcionamento, manutenção ou aprimoramento do produto ou serviço.
Daí que, nos termos da decisão, o critério mais adequado seria seguir o
tratamento da legislação do imposto sobre a renda[2].
De outro lado, há decisões,
também proferidas pelo CARF e pelo Judiciário acolhendo o entendimento contido
no item “c”.
Nesse sentido, uma decisão do
CARF afirma que o termo “insumo” tem abrangência maior do que o contido nos
termos “matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem”,
relacionados ao IPI. No entanto, tal abrangência não seria tão elástica como no
caso do IRPJ, a ponto de abarcar todos os custos de produção e despesas
necessárias à atividade da empresa. A justa medida do conceito, disse a Turma
do CARF, seria alcançar elementos diretamente responsáveis pela produção dos
bens ou serviços, ainda que eles não entrem em contato direto com tais bens ou
serviços (ac. 3301-000.954, sessão de 02/06/11, 3ª Câm., 1ª Turma Ordinária, 3ª
Seção).
O TRF da 3ª Região, em
precedente relatado pela Des. Consuelo Yoshida, adotou a mesma compreensão do
tema (AC 0005469-26.2009.4.03.6100/SP). Para tanto, chamou-se a atenção ao fato
de a legislação ter utilizado a expressão “insumo” e não “despesa” ou “custo”
dedutível, como consta da legislação do IR[3].
Frente a essa situação geral,
já é viável concluir alguns pontos.
Em primeiro lugar, nos termos
da jurisprudência atual, pode-se afirmar que a posição adotada pela Receita
Federal, em suas Instruções Normativas, não foi acolhida pela jurisprudência do
CARF e do Judiciário. Já há até mesmo decisão, unânime, da Câmara Superior de
Recursos Fiscais (ac. 9303-01.035, sessão de 23/08/10[4]). E no Judiciário o
STJ já teve oportunidade de analisar o tema e reconheceu o direito de
concessionárias de automóveis apurar crédito de PIS/COFINS com despesas de
frete (acórdão ainda não disponível). Caso o entendimento do STJ fosse
restritivo, como foi entendido pela Receita, não haveria direito de crédito.
De outro lado, porém, ainda não
há uma posição clara quanto a seguir o entendimento do item “b” ou aquele do
item “c”. Contra aquele, há o argumento relevante indicado pelo TRF da 3ª
Região: se a legislação tivesse pretendido adotar a compreensão ampla própria
do IRPJ, teria utilizado os termos “custos e despesas” e não “insumos”. Além
disso, se esse fosse o entendimento de CSRF e do STJ, bastaria tê-lo declarado,
sem necessitar explorar o caso concreto com maiores detalhes.
Nesse cenário, parece existir
uma tendência dos tribunais (administrativo e judiciais) em seguir o caminho de
compreender “insumo”, gerador de crédito de PIS/COFINS, como algo intermediário
entre o IPI e o IRPJ. No entanto, ainda é cedo para descartar a possibilidade
de vir a ser seguida a sistemática do IRPJ.
Caso confirmado o conceito
intermediário de “insumos”, prevê-se um período considerável de certa
insegurança. Não só o conceito de “insumo” não seria algo exato, como os
critérios para melhor precisar seu alcance são imprecisos. Com efeito, fala-se
em essencialidade, inerência, imprescindibilidade, causalidade entre gasto e
receita, necessidade para a continuidade, manutenção ou melhoramento do fator
de produção.
Inevitavelmente, a existência
ou não do direito de crédito será vista setor a setor e até caso a caso. Uma
mesma despesa ou custo poderá ser visto como insumo para um setor ou empresa e
não para outro[5]. Haverá também uma dose relevante de subjetivismo.
Frente a tudo isso, adotar uma
postura muito restritiva do conceito de “insumos” para fins de PIS/Cofins pode
representar a submissão das empresas a uma carga tributária mais onerosa do que
a correta e do que a eventualmente utilizada por suas competidoras. Já o outro
extremo – creditar-se de todas despesas e custos – leva à submissão a um risco
de autuação (multa e juros), com perspectivas de êxito incertas.
O melhor caminho é fazer
verificação caso a caso, com apoio de diversas áreas da empresa (produção,
contábil e jurídica), eventualmente utilizando laudos técnicos. Desse modo,
poderá ser bem avaliado o nível de risco que será assumido. Se a conclusão for
no sentido de terem sido apropriados menos créditos de PIS/Cofins do que o
correto e de ter se submetido a uma carga fiscal maior, será viável requerer
restituição e/ou compensação. Para evitar o risco de multa, pode ser pedida a
restituição e, tendo decisão final favorável, convertê-la para compensação.
Outro caminho a ser considerado é o de optar pela via judicial. Cada
alternativa tem suas vantagens e desvantagens (por exemplo, socorrer-se do
Poder Judiciário pode gerar mais certeza do tratamento, mas significa dispensar
a possibilidade de discussão no CARF).
A análise do caso concreto a
ser feita não se encerra aqui. Outros pontos relevantes merecem atenção, como a
situação específica de cada empresa (p. ex., ter sido apurado excesso de
créditos de PIS/Cofins mesmo tendo sido adotado um conceito restrito para
“insumos”) e também eventuais reflexos na apropriação de maior valor de crédito
(como eventual acréscimo de IRPJ/CSL, derivado da diminuição do PIS/Cofins a
recolher).
[1] “§ 4º Para os efeitos da
alínea ‘b’ do inciso I do ‘caput’, entende-se como insumos:
I - utilizados na fabricação ou
produção de bens destinados à venda:
a) a matéria-prima, o produto
intermediário, o material de embalagem e quaisquer outros bens que sofram
alterações, tais como o desgaste, o dano ou a perda de propriedades físicas ou
químicas, em função da ação diretamente exercida sobre o produto em fabricação,
desde que não estejam incluídas no ativo imobilizado;
b) os serviços prestados por
pessoa jurídica domiciliada no País, aplicados ou consumidos na produção ou
fabricação do produto;
II - utilizados na prestação de
serviços:
a) os bens aplicados ou
consumidos na prestação de serviços, desde que não estejam incluídos no ativo
imobilizado; e
b) os serviços prestados por
pessoa jurídica domiciliada no País, aplicados ou consumidos na prestação do
serviço.”
[2] “(...)
4. Conquanto o legislador ordinário
não tenha definido o que são insumos, os critérios utilizados para pautar o
creditamento, no que se refere ao IPI, não são aplicáveis ao PIS e à COFINS. É
necessário abstrair a concepção de materialidade inerente ao processo
industrial, porque a legislação também considera como insumo os serviços
contratados que se destinam à produção, à fabricação de bens ou produtos ou à
execução de serviços. Serviços, nesse contexto, são o resultado de qualquer
atividade humana, quer seja tangível ou intangível, inclusive os que são
utilizados para a prestação de outro servíço.
(...)
6 – O critério que se mostra
consentâneo com a noção de receita é o adotado pela legislação do imposto de
renda. Insumos, então, são os gastos que, ligados inseparavelmente aos elementos
produtivos, proporcionam a existência do produto ou serviço, o seu
funcionamento, a sua manutenção ou o seu aprimoramento. Sob essa ótica, o
insumo pode integrar as etapas que resultam no produto ou serviço ou até mesmo
as posteriores, desde que seja imprescindível para o funcionamento do fator de
produção.” (AC 0029040-40.2008.404.7100/RS).
[3] “13. É certo, por um lado,
que não se pode adotar, como fazem as Instruções Normativas n. 247/2002 (PIS) e
n. 404/2004 (COFINS), o conceito restritivo da legislação do IPI. O conceito de
insumo para efeito de crédito de PIS/COFINS é distinto daquele contido no IPI,
como tem reiteradamente decidido a Câmara Superior de Recursos Fiscais (CARF),
de que é exemplo o Processo 11065.191271/2006-47 – 3ª Turma – 23 a 25 de
agosto/2010). Por outro lado, também não é o caso de elastecer o conceito de
insumo a ponto de entendê-lo como todo e qualquer custo ou despesa necessária à
atividade da empresa, nos termos da legislação do IRPJ, como já decidiu a 2ª
Câmara da 2ª Turma do CARF no Processo n. 11020.001952/2006-22. Ressalte-se que
a legislação do PIS e da COFINS usou a expressão ‘insumo’, e não ‘despesa’ ou
‘custo’ dedutível, como se refere a legislação do Imposto de Renda, não se
podendo aplicar, por analogia, os conceitos desta última (CTN, art. 108).”
[4] Confira-se: “(...) o
legislador não quis restringir o creditamento do PIS/Pasep às aquisições de
matérias-primas, produtos intermediários e ou material de embalagens (alcance
de insumos na legislação do IPI) utilizados, diretamente, na produção
industrial, ao contrário, ampliou de modo a considerar insumos como sendo os
gastos gerais que a pessoa jurídica precisa incorrer na produção de bens ou
serviços por ela realizados”
[5] Exemplo de análise
particular consta do ac. 2102-00.107, do CARF, no qual foi discutido se a
indumentária utilizada na indústria de processamento de carne poderia ser
entendida como insumo para fins de PIS/COFINS. Obviamente ela não é inserida no
produto final, razão pela qual não é insumo para fins de IPI. Contudo, a Turma
observou que a indumentária em questão era imposta pela legislação e não uma
mera escolha da empresa. Daí concluiu que ela seria insumo gerador de crédito
de PIS/COFINS, pois sem ela a empresa não poderia produzir carne de frango
industrializadora e não poderia ter receitas. Bem se vê que, nos termos dessa
decisão, não é qualquer uniforme que caracterizaria insumo gerador de crédito
(ainda que possa ser considerado despesa dedutível para fins de IRPJ/CSL), mas
apenas aquele imposto pela legislação como obrigatório.
Jimir Doniak Jr. - advogado em
São Paulo e Brasília, sócio do escritório Dias de Souza Advogados Associados.
Fonte: Revista Consultor
Jurídico, 24 de outubro de 2012
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