Corretoras de valores e bancos estão conseguindo
cancelar no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) autuações por
não recolhimento de PIS e Cofins sobre a venda de ações da BM&FBovespa,
recebidas após a transformação das instituições sem fins lucrativos em uma
companhia aberta, processo conhecido como “desmutualização”. Decisões recentes
beneficiam a Santander Corretora e a Amaril Franklin Corretora de Títulos e
Valores.
O recurso do Santander foi julgado pela 3ª Seção do
Carf. O da corretora Amaril Franklin, pela 1ª Seção. Em ambos os casos, as
decisões foram unânimes. Os precedentes são importantes para os contribuintes.
Praticamente todas as corretoras de valores e bancos do país foram autuados
pela Receita Federal e discutem a questão na esfera administrativa.
Segundo a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
(PGFN), já estão na pauta para serem julgados pelo conselho os recursos da
Merrill Lynch Corretora de Valores Mobiliários, da ING Corretora de Câmbio e
Títulos, do Citigroup Global Markets Brasil, do ING Bank, do JP Morgan
Corretora de Câmbio e Valores Mobiliários, da Magliano – Corretora de Câmbio e
Valores Mobiliários e do Banco Itaú BBA, entre outros.
Os bancos e as corretoras receberam as ações em
2007, fruto da conversão dos títulos patrimoniais da Bolsa de Mercadorias e
Futuros (BM&F) e da Bovespa. Para participar das bolsas, as instituições
financeiras eram obrigadas a adquirir esses papéis.
Essa, no entanto, não é a única discussão entre a
Fazenda Nacional e os bancos e corretoras. Quando as ações foram entregues às
instituições financeiras, a Receita Federal entendeu que houve uma dissolução
seguida de compra de papéis. Assim, passou a cobrar Imposto de Renda (IR) e
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre a valorização das
participações na BM&FBovespa, o que seria considerado um ganho de capital.
Nessa disputa, no entanto, o Fisco tem colecionado vitórias nas esferas
administrativa e judicial (ver matéria ao lado).
A cobrança de PIS e Cofins ainda é discutida na
esfera administrativa. O cerne da questão é o objetivo da participação
acionária. Investimentos com o intuito de liquidação no curto prazo são
contabilizados no ativo circulante, linha do balanço onde entram os ativos
considerados mais líquidos, isto é, de mais fácil realização ou venda. Já os
investimentos de longo prazo, em que, a princípio, não há intenção preliminar
de liquidação, entram no ativo permanente.
Para a PGFN, essas ações não poderiam ser
escrituradas no ativo permanente porque as corretoras e bancos já sabiam que,
parcialmente ou integralmente, elas seriam vendidas num momento seguinte.
“Contratos de adesão firmados entre as corretoras ou bancos e a bolsa paulista
continham essa informação”, afirma o procurador da Fazenda Miquerlam Chaves
Cavalcante. “Se eles já sabiam que as ações seriam vendidas, teriam que
escriturá-las no ativo circulante, sobre o qual incide o PIS e a Cofins.”
Pela Lei das Sociedades Anônimas (nº 9.404, de
1976), se as empresas têm conhecimento prévio de que as ações serão negociadas
até o fim do exercício seguinte, a contabilização deve ser feita no ativo
circulante. Para Cavalcante, o problema está na comprovação do que foi acertado
entre a BM&FBovespa e as corretoras e bancos. “O Carf entendeu que não
estava demonstrado nos autos que o contribuinte havia se comprometido a vender
as ações no IPO [oferta inicial de ações]“, diz. “Vamos recorrer à Câmara
Superior.”
Segundo Daniel Guazelli, advogado que representa a
Amaril Franklin no processo, a Fazenda Nacional alegou que a BM&FBovespa
teria instruído as corretoras associadas a colocar as ações no ativo
circulante, caso houvesse a intenção de venda durante a oferta inicial de
ações. Porém, esse documento nunca foi apresentado. O Carf, de acordo com ele,
aceitou o argumento de que a orientação da bolsa estava equivocada. “Os títulos
patrimoniais eram contabilizados no ativo permanente e, portanto, as ações que
foram recebidas em troca também ficaram lá. A mudança na intenção de venda não
justifica a reclassificação, senão nunca haveria venda de ativo permanente”,
afirma.
Procurada pelo Valor, a Santander Corretora
preferiu não se manifestar sobre o assunto. Mas fontes ligadas à discussão
afirmaram que a alegação da defesa da companhia foi que a desmutualização e a
venda dos papéis ocorreram em momentos distintos. A tese defendida é de que
primeiro houve o recebimento das ações em troca dos títulos e somente depois
apareceu a oportunidade de venda por meio da oferta inicial de ações.
Tribunal é favorável à incidência de IR
O Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região (São
Paulo e Mato Grosso do Sul) proferiu as primeiras decisões de mérito que
determinam o pagamento de Imposto de Renda (IR) e CSLL sobre o suposto ganho de
capital que corretoras de valores e bancos tiveram com a conversão de títulos
patrimoniais da Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F) e da Bovespa em
ações.
Depois de obterem precedentes desfavoráveis na
esfera administrativa, as instituições financeiras esperavam reverter a disputa
no Judiciário. O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) manteve
autuações ao julgar recursos da Credit Suisse Corretora, Itaú Corretora, BES
Securities e do BTG Pactual.
No TRF, a 3ª Turma analisou o caso do Banco
Cruzeiro do Sul. Por unanimidade, os desembargadores reconheceram que a
instituição financeira vendeu os títulos que detinha para comprar ações da
Bovespa. A operação, segundo eles, gerou ganho financeiro, sobre o qual incide
IR e CSLL.
De acordo com o juiz convocado Rubens Calixto, “a
conversão dos títulos em ações importa em reversão jurídica dos valores a que
correspondiam os citados títulos, ainda que tais valores tenham sido
integralmente convertidos em ações da entidade que resultou da transformação”.
Para o procurador Leonardo Curty, da Divisão de
Acompanhamento Especial da Procuradoria da Fazenda em São Paulo, na chamada
troca de títulos por ações houve, na verdade, uma dissolução das associações e
venda de cotas dos bancos e corretoras na BM&F na Bovespa para a aquisição
de ações. “Os valores foram atualizados e houve ganho de capital”, afirma.
O Banco Cruzeiro do Sul já recorreu da decisão.
Segundo nota da instituição financeira, a operação de desmutualização consistiu
em mera transformação da associação em sociedade anônima, o que não acarretou a
extinção da associação. “Isso significa que não houve a devolução do patrimônio
aos associados, mas mera transformação dos títulos em ações, sem
disponibilidade de renda”, diz a nota. “A tributação em foco deveria incidir
apenas no momento em que as ações fossem vendidas.”
O TRF também julgou de forma contrária às
corretoras Walpires e Renascença. Até então, só havia liminares sobre o tema,
tanto a favor como contra a tese dos contribuintes. Segundo o advogado Leandro
Augusto Andrade, do escritório Velloza & Girotto Advogados Associados, que
defende a Walpires, já foi apresentado recurso contra o entendimento da Corte.
“Entramos com embargos de declaração para abrir caminho para recursos no
Superior Tribunal de Justiça e no Supremo”, diz. O advogado defende que a
operação foi apenas uma troca de ativos. “Obviamente que o valor foi
atualizado, mas não incide IR nem CSLL porque, no momento da troca, não houve
alienação.”
As decisões favoráveis aos contribuintes em relação
à cobrança de PIS e Cofins na venda dessas ações podem servir de precedentes
para os recursos contra a incidência de Imposto de Renda e CSLL. É o que
defende a advogada Silvânia Tognetti, do XBA Advogados. “As decisões sobre PIS
e Cofins podem mostrar que não houve alienação. A aquisição e venda de ações na
abertura de capital aconteceram naturalmente”, afirma. (LI e NV).
Natalia Viri
Laura Ignacio
Fonte: Valor Econômico
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