A ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti,
não terá um fim de ano fácil. A articuladora política do governo Dilma Rousseff
tem a missão de mobilizar a base aliada para aprovar no Congresso Nacional a
grande maioria das dez medidas provisórias (MPs) que tramitam no Legislativo e
expiram até o fim de fevereiro. Em paralelo, precisará negociar propostas de
interesse do governo e que terão impacto direto nas contas públicas e nos
esforços do governo para elevar a competitividade do país.
Dilma quer que uma série de reformas avancem no
Parlamento. Ideli assegura que ainda não foi acionada para negociar mudanças
nas leis trabalhistas, na Previdência ou na regulamentação do direito a greve
no serviço público. Por outro lado, a ministra só aguarda a conclusão dos
estudos feitos pela equipe econômica para dar início às articulações para
aprovar medidas que simplifiquem o sistema tributário nacional e mudem a atual
forma de cobrança de PIS/Cofins. "Até o fim do ano com certeza nós teremos
novidades", afirmou a ministra ao Valor.
Ideli esquiva-se quando perguntada sobre as mudanças que
a presidente Dilma deve fazer no primeiro escalão do governo para promover uma
reacomodação dos partidos aliados. Entretanto, ela destaca que a aliança
PT-PMDB sai fortalecida das urnas. E acrescenta que o PSD, sigla que ensaia uma
aproximação ao Palácio do Planalto e consolidou-se nas eleições municipais como
uma força entre os partidos de médio porte, tem potencial para passar a ocupar
espaços no governo federal.
Ex-líder do governo e do PT durante a administração Luiz
Inácio Lula da Silva, a ministra acompanha à distância o julgamento do
mensalão. Mas arrisca fazer um prognóstico sobre as consequências das decisões
tomadas no Supremo Tribunal Federal (STF): as atuais práticas políticas
permanecerão inalteradas, caso o Congresso não aprove uma reforma eleitoral.
A seguir, os principais trechos da entrevista da
ministra:
Valor: A presidente Dilma tem sinalizado que pretende
reunir forças políticas para simplificar o sistema tributário, um dos tópicos
da sua agenda legislativa para depois das eleições. Como isso se dará?
Ideli Salvatti: Na parte da reforma tributária, vamos ver
se a gente consegue fazer a Câmara aprovar aquela história do comércio
eletrônico. Ali, são 26 a 1 [São Paulo]. No Senado, foi mais fácil aprovar
porque todos têm três senadores. Na Câmara, já é um pouco mais complexo porque
exatamente esse um tem uma bancadinha maior.
Valor: Quando serão enviadas ao Congresso as mudanças na
cobrança de PIS/Cofins?
Ideli: Nós vamos ter novidades, porque o Ministério da
Fazenda está mexendo no PIS/Cofins e na questão da cumulatividade. Eles estão
com várias propostas em andamento. Sei que até o fim do ano com certeza nós
teremos novidades. A reforma tributária até agora veio fatiada e continuará
fatiada. Não há a menor condição de você fazer um conjunto de medidas porque,
quando se coloca uma gama muito grande de assuntos, se perde toda a capacidade
de construir maioria.
Valor: Outra indicação da presidente é a realização de
mudanças nas leis trabalhistas e na Previdência. Como andam os preparativos
para a retomada das negociações dessas propostas?
Ideli: Não tenho nenhum sinal disso, nenhuma luz.
Valor: E em relação à regulamentação do direito a greve
no serviço público?
Ideli: Esse foi um tema que foi tratado e também houve
uma movimentação [no Congresso], porque já tem projetos tramitando. Se vai sair
um projeto daqui [Executivo], a gente tem que ver no retorno [dos trabalhos do
Congresso] como é que fica.
Valor: O Supremo deu ao Congresso um prazo até o fim do
ano para a aprovação de novas regras de rateio do Fundo de Participação dos
Estados (FPE). O governo entrará nessa discussão?
Ideli: Essa história do FPE é deles [Congresso]. Nós não
vamos interceder, até porque não tem muito o que falar. A fórmula eles têm que
ajustar entre os Estados. É uma pauta que nos preocupa bastante, apesar de não
ser do governo. Ela tem uma implicação nas questões federativas. Se não
conseguirem ter uma solução de mais prazo, eles não votam no Congresso. É lei
complementar, uma tramitação complexa. É uma briga de foice no escuro. Não tem
acordo e não vai ter votação simbólica.
Valor: Outra prioridade do governo no Congresso que
esbarra num impasse entre os Estados é a aprovação da proposta de distribuição
dos royalties do petróleo da camada pré-sal. Como a senhora trabalhará esse
assunto?
Ideli: A presidenta Dilma tem um posicionamento muito
claro, público, notório e sonoro: o que está em vigor não se mexe. O
"daqui para frente" aí sim é possível fazer uma distribuição. Mas,
por conta do debate do Plano Nacional da Educação (PNE), a posição também que
ela tornou pública é no sentido de ter um vínculo deste recurso na sua
totalidade ou em parte significativa para poder garantir a ampliação do
investimento na educação.
Valor: Essas duas votações serão vinculadas ou há o risco
de o PNE, que obriga a aplicação de 10% do PIB na educação, ser aprovado e
depois as regras dos royalties não? Ou seja, criar-se a despesa sem a fonte de
recursos...
Ideli: Por isso que a gente fez todo aquele movimento
para que o plenário da Câmara se pronunciasse sobre o PNE. Sob o aspecto do
debate e da consolidação desse vínculo, era muito importante que o plenário da
Câmara tivesse apreciado o PNE.
Valor: Mas, agora teremos o debate dos royalties na
Câmara e o do PNE, no Senado. Como vinculá-los?
Ideli: Como o debate do PNE deve levar um tempo e os
royalties vão para o plenário da Câmara, acho que é possível os royalties
encontrarem o PNE no Senado. O problema é saber se, sem ter debatido antes o
PNE na Câmara com a totalidade dos parlamentares, a gente consegue aprovar o
vínculo, porque isso vai ter que estar aprovado nas duas matérias.
Valor: Com que prazo a senhora trabalha para a aprovação
das novas regras dos royalties, o que é essencial para que o governo possa
realizar os leilões de exploração da camada pré-sal?
Ideli: Se tiver condição de aprovar no fim do ano, é bom.
Se não puder, não há prejuízo maior, se for aprovado no primeiro semestre do
ano que vem. Também não é aquela sangria.
Valor: E há ainda uma série de medidas provisórias em
pauta, não?
Ideli: O problema é que a maior parte dessas MPs vence
até o dia 28 de fevereiro, sendo que no mês de fevereiro eles [parlamentares]
retomam o trabalho no dia primeiro com eleição de Mesa, presidências das duas
Casas e das comissões. Lá pelo meio do mês, tem uma coisa chamada Carnaval.
Para não correr riscos, tenho que votar dez MPs em menos de dois meses. Temos
uns 40 dias.
Valor: Fora a aprovação do Orçamento, que sempre fica
para a última hora...
Ideli: E mais o Orçamento, que precisa ter sessão do
Congresso e reunião da Comissão Mista de Orçamento. E eles estão cada vez encurtando
mais [o número de sessões deliberativas]. Antes, eram às terças e
quartas-feiras. Agora, a gente já começa a perceber que terça[-feira] não
adianta. É de arrancar os cabelos.
Valor: Os parlamentares podem aproveitar esse curto prazo
que o governo tem para forçar a aprovação de emendas e contrabandos nessas MPs?
Ou o fato de já virar logo o ano pode facilitar a edição de novas MPs sobre os
mesmos assuntos das medidas que caducarem?
Ideli: Com a virada do ano, facilita nossa vida se
[alguma MP] cair. Mas essa nova metodologia de tramitação das MPs permite que
aquelas que têm uma negociação mais fácil passem na frente de outras. MP só
tranca a pauta depois que sai da comissão. Vamos ter que fazer esse calendário
assim.
Valor: Passadas as eleições municipais, como se dará o
rearranjo da base aliada?
Ideli: Vamos ter que aguardar o segundo turno. Tivemos
muitas manifestações ao longo do processo eleitoral, e é claro que é preciso se
fazer os descontos dos arroubos eleitorais.
Valor: Mas já não dá para concluir que alguns partidos se
consolidaram e outros perderam força?
Ideli: Do primeiro turno, tivemos resultados e gestos da
consolidação do eixo PT-PMDB. Consolida o processo de reeleição da presidenta
com esse eixo, mas este é um assunto para rodar mais nos próximos meses.
Valor: O PSD se consolidou como um partido de médio
porte?
Ideli: O partido se consolidou. Todo mundo faz uma
avaliação do seu crescimento, mas você tem que sempre lembrar que o PSD não
surgiu do nada. É boa parte do DEM, e só teve dois partidos que cresceram em
termos de prefeituras: PT e PSB. A quantidade de prefeituras que ele conquistou
está muito vinculada às que os demais partidos perderam. O PSD se consolida
como uma força significativa dos médios partidos.
Valor: A aproximação entre PSD e governo se
intensificará?
Ideli: A tendência é que deve ter continuidade das
conversas já iniciadas de vinda para a base. Sobre esse aspecto, teve gestos. O
PSD fez gestos inclusive de proximidade, tanto que teve gravação da presidenta
para [a campanha da] Dárcy Vera em Ribeirão Preto (SP).
Valor: Isso refletirá na inclusão do PSD no ministério?
Já é possível fazer alguma previsão sobre reforma ministerial?
Ideli: Se o PSD, com esse peso, confirmar a sua vinda
[para a base aliada], acho que é um partido que se coloca na possibilidade e na
potencialidade de ocupar espaços de governo. Mas, obviamente, tudo isso depende
da presidenta.
Valor: Falando sobre articulações para a constituição de
uma coalizão de governo, a senhora acha que o julgamento do mensalão pelo STF
pode levar a alguma mudança nas atuais práticas políticas e na forma como são
feitas as alianças entre partidos?
Ideli: O que tem potencial e condição de efetivamente
mudar isso são as regras do sistema político brasileiro. Não sei se o
Congresso, no seu retorno, terá condição ou tomará alguma iniciativa. Agora,
sem modificar as regras do sistema partidário, do processo eleitoral e
organização não tem mudança. As regras que estão estabelecidas propiciam
determinadas situações. Não considero que seja um julgamento que tenha
potencial de modificar. O que tende a mudar isso é fazer modificações, por
exemplo, no financiamento de campanhas e regras de composição.
Valor: E como levar isso adiante?
Ideli: Acho que teria uma possibilidade de fazê-lo, se
adotasse a mesma lógica da reforma tributária. É fatiar e ver: aquilo que tem
condição e maioria vai mudando. É algo que o Congresso tem que tomar a
iniciativa. Uma votação difícil, mas absolutamente necessária.
Valor: A senhora arriscaria um prognóstico de como ficará
o PT e a correlação de forças dentro do partido depois das eleições e do
julgamento do mensalão?
Ideli: O PT saiu muito bem. Foi o partido que mais
cresceu e teve o maior número de votos. Ampliamos e capilarizamos. Não se
confirmou nenhum dos prognósticos [de perdas devido ao mensalão]. Aqui [na
Secretaria de Relações Institucionais] não posso jamais olhar o PT. A minha
questão sempre é a governabilidade. Mas, mesmo tendo aumentado o número de
prefeituras só o PT e o PSB e em número de vereadores o PT, o PSB e o PDT, se
você pegar os partidos que já estão [na base] e os que estão próximos, a
oposição ficou absolutamente reduzida. Acho que não chega a um quinto dos
prefeitos do país. Tivemos uma votação expressiva e significativa, que
consolida a perspectiva da reeleição da presidenta.
Fernando Exman
Bruno Peres
Fonte: Valor Econômico
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