Segue o texto publicado na Revista Conjur de ontem, no
qual Raul Haidar critica o sistema tributário brasileiro, enfatizando as
injustiças e incoerência que ocorrem desde sempre, as quais nós já estamos
cansados de saber, porém, infelizmente, não mudam!
“A história da
civilização cabe dentro da história do fisco. Grandes convulsões sociais, como
a revolução francesa, tiveram como verdadeira causa as iniqüidades do fisco.”
(Monteiro Lobato – Mundo da Lua.)
Na próxima quarta-feira, a Câmara deve votar o projeto
que reajusta o limite de receita bruta para fins de tributação da pessoa
jurídica pelo lucro presumido. Esse limite está sem correção há dez anos, com o
que as empresas são prejudicadas pela óbvia atuação da inflação sobre a base de
cálculo do tributo.
Pretende o PL que o limite de receita seja de R$ 78
milhões por ano ou R$ 6,5 (seis milhões e quinhentos mil reais) por mês. Consta
que o ministro da Fazenda teria manifestado ser contrário ao projeto. Mas, como
é óbvio, o órgão encarregado de decidir o projeto é o Congresso, cabendo ao
servidor público obedecer ao que o Legislativo decidiu. Quem manda é o povo,
representado pelo Congresso. Ministro obedece ou vai embora.
A correção de todos os valores existentes na legislação
do imposto de renda é uma questão de justiça tributária que não pode ser
ignorada. Sempre que um valor qualquer não é corrigido, poderá dar ensejo a
tributação injusta. Tal é o caso, por exemplo, da tabela de retenção na fonte
sobre os rendimentos da pessoa física, bem como dos valores de abatimento das
despesas de educação e dependentes.
Embora à primeira vista pareçam elevados aqueles valores,
deve-se levar em conta que a tributação pelo lucro presumido não considera os
custos e despesas que são suportados pela empresa. Assim, acontece com certa
freqüência que se o contribuinte fizesse opção pelo sistema do lucro real seu
desembolso com o imposto de renda seria bem menor do que aquele que foi pago no
regime do presumido.
Como a legislação não permite que se altere a opção no
decorrer do exercício (RIR, art. 516), pode o contribuinte ser prejudicado se
houver uma redução drástica de seu faturamento e a partir de certo mês ele
venha a ter prejuízo. Poderá ter prejuízo mediante a apuração contábil regular,
mas terá que pagar o imposto, no caso sobre lucro inexistente. O lucro
presumido poderá ser uma armadilha nesse caso.
Não há a menor dúvida de que o imposto de renda é o
tributo mais justo que pagamos. Todavia, a legislação tributária brasileira vem
sendo distorcida ou mesmo apenas ignorada, de tal forma que não se paga imposto
sobre renda e proventos, mas sofre o contribuinte diversos tipos de CONFISCO,
travestidos de imposto, em despudorada contrariedade ao art. 150, inciso IV da
CF.
Diversos impostos que hoje pagamos apresentam efeitos
confiscatórios. Um exemplo é essa aberração jurídica chamada IPVA, que confisca
um veículo em tempo relativamente curto. Trata-se de confisco, não de imposto,
uma vez que o veículo é bem de consumo, pois seu uso implica em acelerada
depreciação e também em elevadas despesas de manutenção que vão desde o
licenciamento anual até o seguro geral, passando por revisões, multas (existe
uma indústria disso, podem crer) e provisões para troca periódica. O IPVA, ao
tratar o veículo como propriedade, engana a todos nós, pois quando adquirimos o
carro pagamos o ICMS, o IPI, o Finsocial, o PIS, etc., tributos que incidem
sobre bens de consumo, não sobre patrimônio ou propriedade.
Quando a legislação do imposto de renda fixa limites
irreais, ridículos e desonestos para os abatimentos ou deduções que podemos
fazer, também está a nos confiscar, furtar, extorquir, enfim, a nos roubar
descaradamente! Os valores admitidos para dedução com “despesas escolares”, por
exemplo, não são suficientes para pagar a mais modesta escola da mais longínqua
periferia.
Por outro lado, ao não permitir deduções com escolas de
idiomas e informática, o Fisco revela sua enorme ignorância, agindo na
contra-mão da história, pois todo e qualquer conhecimento, especialmente de
informática e línguas, é indispensável para obter trabalho no mundo atual. Ou
as nossas autoridades são totalmente ignorantes, ou estão se comportando de
forma desonesta, tolhendo a dedução de abatimentos necessários.
Também a dedução dos dependentes é outra sacanagem fazendária.
Com o valor atual, de cerca de duzentos reais, não é possível alimentar, vestir
e cuidar de um dependente, qualquer que seja sua idade. Trata-se de uma mentira
deslavada, que impede o cidadão de respeitar a autoridade fiscal.
Não há a menor dúvida de que o PL a ser examinado pela
Câmara merece ser transformado em lei. O lucro presumido, aliás, muitas vezes é
melhor para a arrecadação do que para o contribuinte. Mas é indispensável que a
pessoa física também veja afastadas as injustiças de que é vítima. Afinal, não
precisamos mais fazer convulsão social para termos uma tributação adequada.
Raul Haidar é advogado tributarista, ex-presidente do
Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da
revista ConJur.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 8 de outubro de 2012
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