Tudo indica que o esforço dos contribuintes para
conseguir manter o benefício fiscal da amortização de ágio gerado em aquisição
surtiu resultado. O texto de uma minuta da medida provisória que determinaria o
fim do Regime Tributário de Transição (RTT), a qual o Valor teve acesso, traz
novas regras, restringindo o uso do benefício, que reduz o Imposto de Renda
(IR) e a CSLL a pagar.
A Receita Federal queria simplesmente acabar com o ágio,
que tem gerado inúmeros casos de autuações bilionárias. Mas após negociações
entre empresários e governo, essa solução intermediária é a que tem mais
chances de prosperar.
De acordo com o Subsecretário de Tributação e Contencioso
da Receita, Sandro de Vargas Serpa, a proposta de MP seria encaminhada à
presidente Dilma Rousseff até sexta-feira. Serpa admite, entretanto, que o
prazo poderá ser estendido, já que depende da agenda da Fazenda.
Antes da publicação, detalhes finais ainda seriam
debatidos. "Esse projeto foi feito no âmbito da Receita Federal, e
logicamente colhemos impressões, tivemos contato com alguns tributaristas de
forma informal. Agora que a minuta está pronta, o Ministério da Fazenda chamará
alguns institutos e federações para conversar em cima de algo mais
concreto", disse Serpa, em um evento na semana passada.
Há certa urgência para a publicação da MP, já que alguns
prazos devem ser cumpridos para que as normas entrem em vigor a partir do
início de 2013. Com base na Constituição, a medida provisória deve ser
publicada até o fim deste ano para ter efeitos em relação às mudanças no IR. Já
em relação às contribuições, as alterações passam a ter efeitos práticos após
90 dias a contar da sua edição. Porém, a Constituição também estabelece que a
MP deverá ser convertida em lei ainda neste ano para valer em 2013, caso majore
o IR a pagar.
Com eleições e o julgamento do mensalão, especialistas
acreditam que é improvável que isso seja possível. "O que pode acontecer é
que o governo diga que não se trata de uma majoração, como aumento de alíquota
ou da base de cálculo", diz o advogado Luiz Rogério Sawaya Batista, do
escritório Nunes e Sawaya Advogados.
Conforme o texto, a dedutibilidade fiscal do ágio será
proibida em operações dentro do mesmo grupo econômico. Outra mudança tem
relação com o cálculo do ágio em si. Até 2007, ele era obtido pela diferença
entre o preço pago e o patrimônio líquido contábil da empresa adquirida. Agora,
fica claro que ele será composto pela diferença entre o preço de aquisição e o
valor justo dos ativos líquidos comprados. "Com isso, o valor do ágio vai
diminuir", afirma Sawaya. Quanto menor o ágio, menor o benefício fiscal.
Outra mudança, que ainda não estaria totalmente definida,
tem relação com o prazo. Hoje o ágio é amortizado num intervalo de cinco a dez
anos, a partir do momento da incorporação da empresa adquirida. Mas, na
prática, quase todas as empresas usam o prazo mais curto.
Pelo texto da minuta, a amortização só começaria a
ocorrer a partir do quarto ano da aquisição, também por um mínimo de cinco anos
dali em diante. Com a dilatação do prazo para nove anos, o valor presente do
benefício fiscal será menor.
Esse prazo de quatro anos para início da dedução foi
considerado muito longo por Pedro Cesar da Silva, da ASPR Auditoria e
Consultoria. "Evidentemente que o setor empresarial deverá tentar reduzir
isso no Congresso", diz. Por outro lado, Silva diz que a solução "foi
um alento para o setor empresarial", se for levado em conta que o Fisco
queria acabar totalmente com o benefício.
O presidente da Associação Brasileira das Companhias
Abertas (Abrasca), Antonio Castro, diz que o órgão não foi procurado formalmente
pela Fazenda para discutir a minuta. Mas adianta que vê com preocupação a
mudança no prazo para amortização do ágio. "Nesse momento, vemos com
preocupação medidas que possam ser inibidoras de aquisições, porque o
benefício, nesse caso, estaria sendo mandado para o futuro", afirma.
O rigor na fiscalização de operações que gerem ágio
também deve ficar maior caso essa minuta seja aprovada, segundo Silva. Isso
porque o texto prevê que os laudos usados na incorporação deverão ser
registrados em cartório, o que não era exigido até então. Além disso, deve
haver uma aceleração nos processos de incorporação que estão em curso. Isso
porque o texto prevê que as incorporações feitas até 31 de dezembro de 2012
seguirão as regras já existentes.
Para Eduardo Kiralyhegy, do Negreiro, Medeiros &
Kiralyhegy Advogados, a mudança no ágio deve dar fôlego à arrecadação e ao
mesmo tempo inibir as operações de incorporações. "Virou uma febre fazer
operação societária como forma de planejamento fiscal e ter um ganho
imediato", diz. Por essa nova maneira proposta na minuta, essas
incorporações terão que ser consideradas na sua essência e pensando na sua
continuidade, de acordo com Kiralyhegy.
Além da questão do ágio, a MP traz todas as regras que
deverão ser seguidas para apuração do lucro real, com o fim do RTT. Segundo
Kiralyhegy, a minuta preserva a neutralidade fiscal. Mas em vez de se fazer os
ajustes em uma declaração separada (Fcont), como ocorreu entre 2008 e 2012,
passa-se a fazer agora no e-Lalur. "É uma saída razoável porque não se
criou uma nova regra. Não deve elevar a carga tributária."
Além do fim do RTT, a MP traz uma definição de
"receita bruta", que é base para incidência de tributos como PIS,
Cofins e contribuição previdenciária. Além da receita de venda de bens e
serviços, o texto considera como faturamento "as receitas da atividade ou
objetivo principal da pessoa jurídica", que não sejam de vendas de bens e
serviços.
Para Sawaya, o novo texto não afeta a discussão, em
andamento no Judiciário, sobre o que entra na base de cálculo do PIS e da
Cofins para as instituições financeiras. "Mas o novo conceito aumenta a
base de cálculo das empresas que recolhem o PIS e a Cofins cumulativos pelo
regime do lucro presumido", afirma.
A Receita tentou incluir um conceito de receita bruta
mais amplo na Lei 12.715, mas a definição foi vetada pela presidente Dilma após
reclamação de empresários, para que houvesse uma discussão mais profunda sobre
o tema. Na versão vetada, seria considerado receita bruta "o ingresso de
qualquer outra natureza auferido pela pessoa jurídica, independentemente de sua
denominação ou de sua classificação contábil, sendo também irrelevante o tipo
de atividade exercida pela pessoa jurídica".
Um assunto da minuta que ainda gera mais controvérsia entre
o Fisco e as empresas é a tributação de aquisições com deságio, ou seja, quando
ocorre o que os técnicos chamam de compra vantajosa. Nesse tipo de transação, o
preço pago pelo comprador é inferior ao valor atualizado dos ativos líquidos
recebidos.
Pela contabilidade societária, quando isso ocorre a
empresa compradora deve registrar um lucro, correspondente a essa diferença, de
uma única vez. A Receita entende que se aquele lucro servirá como base de
pagamento de dividendos, a tributação de todo esse ganho deve ocorrer também de
uma única vez.
Mas como esse é um lucro não realizado do ponto de vista
de caixa, as empresas tentam convencer o Fisco de que a tributação desse ganho
na compra vantajosa ocorra conforme os ativos adquiridos sejam vendidos ou
baixados. "Apesar dessas operações serem mais difíceis de ocorrer, deve
trazer um impacto financeiro grande para as companhias que fizerem essa
operação", diz Silva, da ASPR.
Bárbara Mengardo, Adriana Aguiar, Laura Ignacio e
Fernando Torres - De São Paulo
Fonte: Valor- 03.10.2012
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