Não poderia deixar
de trazer para vocês o texto do Prof. Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa, o qual
eu admiro imensamente, que trata da recente decisão do STJ a respeito da
responsabilidade do gestor de fundos investimentos. O texto foi publicado hoje no site Migalhas.
As aplicações no
mercado de capitais são feitas em um ambiente de risco, a ele inerente, cuja
intensidade será maior ou menor na dependência do tipo de investimento
escolhido pelo aplicador. Este tem à sua disposição desde as ações e debêntures
de companhias de grande porte e tradicionais como na outra ponta, por exemplo,
os derivativos do tipo tarja preta. No primeiro caso o risco é baixo como
também, naturalmente, a remuneração correspondente. Na segunda hipótese o
investidor pode ganhar muito ou perder tudo.
Há certa semelhança
entre aplicações de altíssimo risco e as apostas em corridas de cavalo. Em
ambas existe certo nível de informação objetiva disponível aos interessados.
Quanto aos hipódromos, é relativamente fácil que o apostador conheça em dada corrida
o histórico e o perfil dos cavalos (e dos jockeys) para escolher um deles com
esperada maior chance de vitória. Por isto que alguns pagam mais, outros pagam
menos. Mas nada impede, como tem acontecido muitas vezes, que venha a cruzar a
linha de chegada em primeiro lugar o famoso azarão. No caso dos derivativos
também é possível aferir-se um determinado risco de perda, ainda que
extremamente elevado, a par da possibilidade de ganhos extraordinários. Entre
tais riscos está o de acontecer ou não um evento e qual a sua intensidade.
Já na roleta vigora
a teoria das probabilidades. Esta é a única informação disponível para os dois
lados. Sob este ponto de vista, a ideia intuitiva de que o mesmo número não
pode se repetir na jogada seguinte não corresponde à realidade estatística.
Cada jogada é nova, não se ligando à anterior. E a banca sempre vence no
resultado final porque enfrenta sozinha uma legião de apostadores. Estes ou
acertam o número escolhido dentro muitos outros, ou perdem. A banca, portanto,
é privilegiada. Só conheço uma pessoa que sempre ganha contra a banca, o James
Bond.
As considerações
acima vêm a propósito de recente decisão recente da 4ª turma do STJ sobre a
discussão da responsabilidade de gestor de um fundo de investimento diante de
perdas experimentadas pelo seu cliente, o que se coloca no plano de um risco
conscientemente assumido. No caso aquele tribunal decidiu acertadamente pela
não responsabilidade do gestor diante das perdas decorrentes da desvalorização
da moeda brasileira em janeiro de 1999, como efeito da mudança da política
cambial, então determinada pelo governo.
Em segunda
instância o TJ/RJ havia determinado a responsabilidade do gestor, tendo em
conta que este seria detentor exclusivo da escolha do objeto do investimento, sem
a necessidade da manifestação prévia do cliente. Deste fato decorreria a
responsabilidade do gestor pelas perdas. Aquele Tribunal não entendeu bem a
mecânica dos investimentos no caso sob julgamento. Nenhum gestor é doido para
assumir uma responsabilidade dessa espécie, arcando com os prejuízos e tendo
parte nos ganhos. A mecânica é diversa. O cliente assina um termo junto ao
gestor indicando o perfil do seu investimento e é com base nessas instruções
que as aplicações são feitas. É claro que a responsabilidade do gestor surge a
partir do momento em que ele ultrapassa as instruções recebidas. Na falta de
uma instrução específica, diante do simples fato de ter o aplicador contratado
investimento em carteira de derivativos, já se presume a assunção de riscos
extraordinários. Especialmente quando se trata de investidor qualificado
(segundo os autos, analista financeiro do Banco Bozano Simonsen), caso em que
pode ser considerada inexistente a assimetria de informações entre ele e o
gestor do fundo. Os dois se encontram no mesmo patamar.
Assim, segundo uma
velha doutrina, a obrigação do banco é de meio e não de fim. Se o banco cumpriu
o seu dever de aplicar os recursos do cliente, segundo as instruções recebidas,
não os deixando parados em uma conta corrente ou até de poupança, ganhar não
era resultado obrigatório, mas eventual, dentro de um mercado de alto risco.
Alvíssaras para tal
entendimento.
* Haroldo Malheiros
Duclerc Verçosa é professor de Direito Comercial na Faculdade de Direito da
USP. Consultor do escritório Mattos Muriel Kestener Advogados.
0 comentários:
Postar um comentário