A recente unificação
da alíquota de ICMS interestadual em 4%, por meio da Resolução 13,
regulamentada em 7 de novembro pelo Conselho Nacional de Política Fazendária
(Confaz) e que entrará em vigor em 1º de janeiro de 2013, pode até soar
positiva, mas, a rigor, sua intenção de acabar com a guerra dos portos travada
entre os Estados, não passa de conto de fadas.
A decisão de
padronizar alíquotas do ICMS para Estados — hoje variando entre 7% e 12% — com
características tão diferentes, inclusive em níveis econômicos e industriais,
não resolve o tão propalado “problema” da guerra fiscal, mas certamente
sacrificará as unidades federadas menos desenvolvidas. É evidente que o Brasil
necessita de uma política deste porte, mas ela deve ser justa para todos.
Mas como
projetar uma política deste calibre se a insegurança jurídica ronda todo o
País, com empresas sendo obrigadas a readequar, da noite para o dia, suas
estratégias? Afinal, o Supremo Tribunal Federal vem acatando Ações Diretas de
Inconstitucionalidade (Adin) contra benefícios fiscais concedidos
unilateralmente pelos Estados, sem a anuência do Confaz.
Emblemática, a
última delas foi concedida no final de outubro pelo ministro Celso de Mello. A
Adin 4635 suspendeu os efeitos de dispositivos, lei e decretos editados pelo Estado
de São Paulo que estabelecem incentivos fiscais à produção de tablets em seu
território, por meio de tratamento tributário diferenciado quanto ao ICMS.
A Adin foi a
arma encontrada pelo governador do Amazonas, Omar Abdel Aziz, ao argumentar que
as benesses concedidas pelo governo paulista a este segmento prejudicaria a
Zona Franca de Manaus. Em sua decisão, o ministro afirmou que a Lei
Complementar 24/75, que regulou a celebração de convênios para a concessão de
isenções e outros benefícios pertinentes ao ICMS, encontra-se em plena
vigência. Com isso, anulou os efeitos benéficos previstos no artigo 26, inciso
I, do Anexo II, do Regulamento do ICMS-SP.
Pela legislação,
São Paulo permite a redução de base de cálculo do imposto incidente nas saídas
internas de produtos da indústria de processamento eletrônico de dados,
realizadas pelo estabelecimento fabricante que estivesse abrangido pelas
disposições do art. 4º da Lei Federal 8.248/91, na redação vigente em 13 de
dezembro de 2000, e pela redação dada a esse artigo pela Lei 10.176/2001, de
forma que a carga tributária resulte no percentual de 7%.
Sob este prisma,
como pode um empreendedor acreditar em decisões tomadas por um governo estadual
se este mesmo não tem condições legais de garantir a continuidade do benefício?
Simplesmente não pode, pois o STF só reconhece benefícios fiscais concedidos
segundo acerto realizado entre as secretarias de Fazenda no âmbito do Confaz.
Ora, como o STF
pode reconhecer uma decisão do Confaz se este nem mesmo existe formalmente? A
revelação é do ex-secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, após
consultar diversos colegas para tentar encontrar a “certidão de nascimento” do
colegiado.
O fato é tão
anedótico que Maciel até brincou com a situação, propondo a convalidação do
Conselho. Em outras palavras, o órgão que na prática discute incentivos fiscais
e determina regras do ICMS, é apenas um Confaz de conta.
Embora poucos
tenham esta visão, a guerra fiscal é benéfica, pois ela abre a possibilidade de
Estados menos desenvolvidos e sem parques industriais competir em pé de
igualdade com unidades federadas mais ricas e superindustrializadas. Não
adianta unificar alíquotas sem levar em conta as características de cada local.
Para atrair
empresas, geralmente o Estado e o município exigem que algumas contrapartidas
sejam cumpridas, como formação de capital – com parte dos lucros, com o
objetivo de aplicá-lo no desenvolvimento de todo o entorno – e a garantia de
geração de empregos para mão de obra local.
Um exemplo desta
competição ocorreu com a Chocolates Kopenhagen, que trocou a cidade de Barueri
(SP) por Extrema, no sul de Minas Gerais. Lá, obteve uma cesta de
benefícios incluindo a aquisição de uma
área de 121 mil metros quadrados por apenas R$ 300 mil, ou R$ 2,47 por metro
quadrado, um valor simbólico, visto que não seria possível haver doação de
terrenos naquela cidade.
Ao acirrar a
competição entre os Estados e utilizar dois pesos e duas medidas, a guerra
fiscal, em verdade, traduz a essência do capitalismo, do livre mercado. É certo
que alguém pagará a conta causada pela insegurança jurídica trazida pelas
atuais decisões do Confaz e do STF, ou seja, as empresas, o setor produtivo,
todos nós.
Marcelo Rayes -
advogado tributarista, sócio-cofundador do escritório Rayes Advogados.
Fonte: Revista
Consultor Jurídico, 26 de novembro de 2012.
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