Têm sido comuns
as declarações da presidente Dilma Rousseff e de outros membros do governo no sentido
de que o spread bancário brasileiro é injustificadamente alto e prejudica a
expansão do crédito no país. De fato, o spread dos bancos que operam no Brasil
é um dos mais altos do mundo e não se discute que isso denota desvios que devem
ser corrigidos. Igualmente unânime, com a provável exceção dos banqueiros, é a
opinião de que esse spread deve ser diminuído. Antes de qualquer conclusão
definitiva sobre o assunto, no entanto, é necessário entender o que é o spread
bancário e o que ele nos diz sobre a atividade bancária no Brasil.
É comum a
definição do termo spread bancário como o lucro dos bancos pela sua atividade,
o que não é inteiramente verdade. Também é corriqueiro nos depararmos com o
enunciado de que o spread bancário é calculado através da diferença entre o que
bancos ganham e o que os bancos pagam pelo dinheiro captado no mercado. Esse
enunciado, embora verdadeiro, não é de fácil entendimento e pode induzir a
erro.
Genericamente, o
termo inglês spread pode ser traduzido como “margem” e designa a diferença
entre o preço de venda e o preço de compra de um título, de uma ação ou de uma
transação monetária. O spread bancário, assim, é a diferença entre a taxa de
juros cobrada pelo banco aos seus tomadores de crédito e a taxa de juros paga
pelo banco aos seus depositantes. Obviamente, a primeira, a taxa de empréstimo,
é superior à segunda, a taxa de captação, de modo que o spread apresenta-se
sempre como um valor positivo, representando uma receita do banco.
Ocorre que nem
todo o spread bancário é, de fato, lucro da atividade do banco. Ao contrário, o
spread é tradicionalmente decomposto em cinco fatores diversos, que traduzem
cinco possíveis destinações dos recursos obtidos com a diferença entre as taxas
de juros praticadas. Parte do spread é utilizada para custear despesas
administrativas do banco, como salários de funcionários, manutenção de agências
e caixas eletrônicos, publicidade, etc.; outra parte dessa margem é usada pelo
banco para provisionar empréstimos não pagos; uma terceira parte é usada para
os depósitos compulsórios exigidos pelo Banco Central, subsídios a créditos e
pagamentos ao Fundo Garantidor de Créditos; uma quarta parcela do spread
presta-se ao pagamento de impostos; e somente o último fator, o resíduo, pode
ser considerado como lucro efetivo dos bancos.
Tem-se,
portanto, que um spread bancário alto não necessariamente significa um lucro
alto dos bancos, uma vez que, das cinco possíveis destinações do spread, apenas
uma pode ser considerada como margem líquida das instituições financeiras.
Isso, contudo, não quer dizer que os lucros dos bancos que operam no Brasil não
sejam realmente injustificadamente altos. A decomposição do spread bancário no
Brasil de 2000 a
2010 demonstra que a parcela dirigida ao pagamento de impostos tem se mantido
relativamente constante, enquanto a parcela relativa ao custo administrativo
dos bancos vem sofrendo sensível redução. Cresceram nesses dez anos,
entretanto, as parcelas relativas ao depósito compulsório e ao provisionamento
da inadimplência, muito em virtude das crises de 2008 e 2009, bem como, e aqui
sim cabe a crítica do governo, a margem líquida dos bancos. A comparação do
spread bancário brasileiro e do lucro da atividade bancária no Brasil com
outros países confirma que o Brasil pode ser considerado o paraíso de qualquer
banqueiro.
É certo que,
historicamente, o governo tem tomado inúmeras medidas com intuito de reduzir os
diversos impactos sobre o spread bancário, mas o fato é que nenhuma dessas
medidas alcançou com êxito o objetivo final de fazer com que os bancos
reduzissem a taxa de juros cobrada pelas instituições financeiras ao tomador de
crédito. As reiteradas reduções da taxa Selic promovidas pelo Banco Central
também não têm tido o resultado esperado nesse particular. Isso significa que o
suposto relaxamento das pressões sobre o spread provavelmente vem se
transformando em lucros maiores dos bancos.
As
justificativas para essa manutenção das taxas de juros ao consumidor, e
consequentemente para a não redução do spread, são as mais diversas e vão desde
a alegação de falhas na legislação, que protegeria excessivamente o
inadimplente, até expressões de significado vago como “incertezas no ambiente
macroeconômico”. Os críticos já identificam na não redução do spread um sintoma
típico de um mercado bancário concentrado e oligopolizado que, naturalmente,
favoreceria a fixação artificial de lucros altos para as instituições
financeiras.
Seja qual for a
explicação adotada por cada um para explicar o alto spread bancário, o fato é
que não se pode negar que bancos, como qualquer empresa, visam à maximização
dos seus lucros e se de fato eles estão transformando relaxamentos na pressão
sobre o spread em lucros maiores é porque há espaço para isso no mercado. Tanto
isso é verdade que, quando o governo forçou a diminuição dos juros praticados
pelo Banco do Brasil e pela Caixa Econômica Federal, esse movimento foi quase
imediatamente seguido pelos bancos privados, receosos da perda de mercado entre
os consumidores, que dariam preferência aos bancos com taxas de juros mais
baixas.
A lição para o
governo, que parece estar começando a ser aprendida, é clara. Não basta apostar
na diminuição das pressões sobre o spread, como melhor gestão e redução dos
gastos administrativos dos bancos, leis mais duras contra a inadimplência ou
redução de impostos ou do depósito compulsório. Os bancos só diminuirão seus
lucros quando, além da diminuição da pressão sobre o spread, não encontrarem
espaço no mercado para traduzir esse relaxamento em margens líquidas maiores.
Adriano Ribeiro
Lyra Bezerra é advogado, no escritório Abe Advogados.
Revista
Consultor Jurídico, 21 de novembro de 2012.
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