O aproveitamento do ágio interno, gerado em operações
societárias dentro do mesmo grupo empresarial como forma de burlar a cobrança
de Imposto de Renda e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, é hoje o
principal alvo da Receita Federal. Com autuações que somam anualmente R$ 100
bilhões, esse tipo de planejamento tributário, já tido pelo fisco como uma nova
“tese tributária”, é o inimigo público número 1, ao lado do abatimento de
insumos indevidos no cálculo do PIS e da Cofins não cumulativos e do envio não
tributado de lucros a coligadas e subsidiárias no exterior. A afirmação é do
procurador-chefe da Fazenda Nacional no Conselho Administrativo de Recursos
Fiscais, Paulo Roberto Riscado Júnior.
Em palestra feita em São Paulo nesta quinta-feira (1º/11),
oprocurador falou sobre a proliferação de planejamentos tributários com
operações societárias fictícias para gerar ágio e abater tributos. “É uma
decisão perigosa. A chance de se ganhar um auto de infração é de 99% e o
lançamento tributário é ótimo: glosa-se o ágio usado, tributa-se o ganho de
capital da operação e aplica-se multa agravada”, alertou.
O assunto foi discutido no III Seminário do Instituto
Cidadania Tributária, organizado em São Paulo para debater questões
controvertidas no Carf. Além de Riscado, estiveram presentes nomes de peso no
ramo tributário como o professor Eliseu Martins, da Faculdade de Economia e
Administração da USP; Heleno Taveira Torres, professor de Direito Tributário da
USP; Roberto Quiroga Mosquera, professor da FGV e CEO do escritório Mattos
Filho Advogados; Eurico Marcos Diniz de Santi; também professor da FGV; e o
presidente do Carf, Otácílio Cartaxo, entre outros.
A discussão gira em torno do ágio absorvido nas operações de
aquisição de empresas. A Lei 9.532/1997 permite que o valor a mais pago pela
compradora por conta da rentabilidade futura do negócio, estimada por quem vende,
possa ser deduzido, como despesa, da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Na
época em que foi editada, a norma tinha como objetivo incentivar as
privatizações.
O uso do ágio era tabu até 2010, quando o dilema foi julgado
pelo Carf. A decisão, que beneficiou o laboratório Diagnósticos da América S/A
(Dasa) em operação que envolveu a compra da concorrente Delboni, declarou
perfeitamente possível deduzir da base de cálculo dos tributos valores pagos a
mais na aquisição de companhias. De acordo com a Lei 9.532, o contribuinte pode
parcelar a amortização, a cada mês, à fração de 1/60 do valor do ágio, quando
tiver lucro tributável. A Receita pode, no entanto, considerar o aproveitamento
ilegítimo.
Gerdau, Vivo e Santander também conseguiram decisões
paradigmáticas no Conselho. No caso do banco espanhol, a cobrança por
aproveitamento indevido de ágio pela compra do Banespa chegava a R$ 4 bilhões.
No entanto, o assunto ainda não está pacificado. O fisco,
que acumula acórdãos favoráveis, permanece dizendo que é preciso comprovar,
nessas operações, o propósito negocial da mudança societária. Ou seja,
economizar em tributos deve ser uma consequência, não um objetivo. É a chamada
“substância econômica” que importa, não a formalidade jurídica. Já para os
contribuintes, a lei protege a liberdade de autoorganização e não diferencia as
operações em “genuínas” e “fictícias”. Não pode haver interpretação econômica
de operações societárias. No bordão doutrinário, a tipicidade é “cerrada”.
Para Riscado, o entendimento dos contribuintes pela
interpretação literal da lei coloca o fisco contra a parede, o que pode se
voltar contra as próprias empresas. “Isso leva a uma produção exagerada de leis
e à redação de hipóteses abertas de incidência tributária, que delegam ao fisco
a interpretação do que deve ou não ser cobrado”, afirma. Como exemplo, ele
citou as leis 10.637/2002 e 10.833/2003, que criaram o regime não-cumulativo
para o recolhimento do PIS e da Cofins, mas deixaram em aberto o que são
insumos dedutíveis da base de cálculo dos tributos. Há intenso debate
questionando se a lista de insumos mencionada nas leis é exaustiva ou
exemplificativa.
Segundo o procurador, porém, nem todo ágio gerado dentro do
grupo societário é proibido. Basta que se prove que a operação não é artificial
e que a avaliação do ágio por auditoria externa seja confiável.
“Pensar o contrário é admitir que a lei positivou um ágio
claramente artificial, como se o governo tivesse dado uma subvenção ao
contribuinte, mediante o oferecimento de uma despesa fictícia dedutível, uma
espécie de renúncia fiscal”, disse. “Se a contabilidade, seguindo a ética, é
obrigada a ver a operação como artificial, o direito vai fechar os olhos e
atentar só para o formalismo?”
Alessandro Cristo - editor da revista Consultor Jurídico
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 3 de novembro de 2012
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