RE 562351/RS*
RELATOR: Min. Ricardo Lewandowski
Relatório: Trata-se de recurso extraordinário interposto
contra acórdão que não reconheceu ao recorrente, Grande Oriente do Rio Grande
do Sul, a imunidade prevista no art. 150, VI, b e c, da Constituição Federal.
Na origem, o ora recorrente ajuizou embargos à execução
fiscal buscando afastar a cobrança do IPTU pelo município de Porto Alegre.
O pedido foi julgado improcedente.
Irresignado, interpôs recurso de apelação que restou
desprovido em acórdão assim ementado:
“APELAÇÃO CÍVEL EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS. IPTU. MAÇONARIA.
IMUNIDADE TRIBUTÁRIA E ISENÇÃO NÃO CARACTERIZADAS.
Descabe o reconhecimento da imunidade tributária à
Maçonaria, na medida em que esse tipo de associação não se enquadra em nenhuma
das hipóteses previstas no art. 150, VI, alíneas ‘b’ e ‘c’, da Constituição
Federal. Descabe enquadrá-la como instituição de educação ou assistência
social, na medida em que estas desenvolvem uma atividade básica que, a
princípio, deveria ser cumprida pelo Estado, o que não é o caso da Maçonaria.
Da mesma forma, não se pode admitir seja a Maçonaria um culto na acepção
técnica do termo. Trata-se de uma associação fechada, não aberta ao público em
geral e que não tem e nem professa qualquer religião, não se podendo afirmar
que seus prédios sejam templos para o exercício de qualquer culto. Trata-se de
uma confraria que, antes de mais nada, professa uma filosofia de vida, na busca
do que ela mesmo denomina de aperfeiçoamento moral, intelectual e social do
Homem e da Humanidade. Daí porque, não incidentes, à espécie, as hipóteses
previstas no art. 150, VI, ‘b’ e ‘c’, da CF.
Incabível, ainda, o pedido de isenção, não tendo a
embargante atendido aos requisitos contidos na Lei que concedeu a benesse.
APELAÇÃO NÃO PROVIDA” (fl. 108).
Quanto à imunidade prevista no art. 150, VI, c, concluiu o
aresto impugnado que:
“De entidade assistencial ou educacional não há falar.
A Maçonaria (...) é uma associação fechada, não aberta a
qualquer um que dela queira participar, a não ser submetido a um procedimento
prévio de apresentação do ‘profano’ por um maçom, cuja admissão e iniciação
depende da verificação de condições e requisitos essenciais estabelecidos pelo
denominado Regulamento Geral. Só podem ser admitidas pessoas do sexo masculino,
maiores de 21 anos, e através de escrutínio secreto por parte de todos os
maçons presentes, forma unânime. Em termos de assistência, esta fica restrita
às viúvas, irmãs solteiras, ascendentes e descendentes necessitadas de ‘justo’
auxílio dos irmãos. O que é ‘justo auxílio’, só os maçons podem deliberar.
Com efeito, não há como considerar tal associação dentre
aquelas referidas na alínea ‘c’, do inciso VI, do artigo 150 da Constituição
Federal. Embora sem fins lucrativos, por certo não se trata de instituição de
assistência social ou educacional”.
No que diz respeito ao art. 150, VI, b, assentou:
“Ora, não há falar em culto na acepção técnica do termo,
como quis a Carta Política. A prática Maçom é uma ideologia de vida. Não é uma
religião. Não tem dogmas. Não é um credo. É uma grande família apenas.
Ajudam-se mutuamente, aceitando e pregando a ideia de que o Homem e a
Humanidade são passíveis de melhoria e aperfeiçoamento. Como se vê, uma grande
confraria que, antes de mais nada, prega e professa uma filosofia de vida.
Apenas isto. De certa forma, paradoxal, pois ao mesmo tempo em que prega esta
melhoria e aperfeiçoamento do Homem e da Humanidade, só admite em seu seio
homens livres (não mulheres) e que exerçam profissão (afirma que deve ser uma
“profissão honesta”) que lhes assegure meio de subsistência. Os analfabetos não
são admitidos, por não possuírem instrução necessária à compreensão dos fins da
Ordem”.
Contra essa decisão foi interposto este RE, fundado no art.
102, III, a, da Constituição Federal, no qual o recorrente alega violação do
art. 150, VI, b e c, da mesma Carta.
E sustenta, ainda, que
“não se pode instituir tributo sobre imóveis que abrigam
templos de qualquer culto e/ou sobre o patrimônio de entidades que pratiquem a
assistência social, observados os requisitos da lei, no caso aqueles indicados
no artigo 14, incisos, I a II e § 2º, do Código Tributário Nacional.
Entende o recorrente que esses requisitos foram
integralmente comprovados nos termos da petição de fls. 61/62; primeiro, porque
não foram impugnados pelo Embargado; segundo, porque o Embargante se propôs a
fazer a prova; terceiro, porque o Juízo aceitou, nos termos do disposto no
artigo 302, segunda parte, do CPC, a veracidade do alegado” (fl. 176).
Asseverou, também, que
“a maçonaria é, sim, uma instituição filantrópica. Está
assim no preâmbulo do Ato Constitutivo do GORGS (fls. 15, dos autos em execução
em apenso), e, pode-se afirmar, de quase todas, se não as Potências maçônicas
do Mundo” (fl. 185).
Sustentou, ademais, que
“há dentro da própria maçonaria controvérsia quanto o ser ou
não ela religião. Tem-se por majoritária, quase unânime o de não sê-lo na
acepção mais conhecida. Como concluiu o eminente relator de modo simples. Seria
de dizer que a maçonaria é a religião das religiões, pois vai além de exigir de
quem nela é admitida a crença em Deus, O Grande Arquiteto do Universo (GADU),
expressão hoje também já do domínio público, pois estimula no maçom o
desenvolvimento da religiosidade. Cada maçom deve ter as suas próprias
convicções religiosas.
(...)
A bibliografia maçônica é vasta em todo o mundo. Seu estudo
mostrará que a maçonaria, na noite dos tempos mais remotos ou mais próximos,
sempre esteve atrelada às religiões, desde a Mesopotâmia, às religiões
egípcias, aos Templários, aos Mosteiros que abrigavam os monges construtores,
às associações de construtores de catedrais (guildas)” (fls. 188-189).
Concluiu, assim, que os templos maçônicos e/ou lojas
maçônicas se incluem no conceito de “templos de qualquer culto” para fins do
art. 150, VI, b, da Constituição Federal.
O recorrido, em contrarrazões, manifestou-se pelo não
conhecimento do recurso e, caso conhecido, por seu desprovimento, sob o
argumento de que o pedido
“não se enquadra em nenhuma das hipóteses do art. 150,
inciso VI, da Constituição da República Federativa do Brasil. Maçonaria não é
religião, não é culto, não é instituição de educação ou de assistência social.
(...)
Ademais, a parte embargante-recorrente não atende aos
comandos editados pelos arts. 9º e 14 do CTN, combinados com o art. 146, II, da
CRFB”.
A Procuradoria-Geral da República opinou pelo conhecimento
parcial do recurso e, nessa parte, por seu provimento (fls. 258-263), lavrando
a seguinte ementa:
“RE. MAÇONARIA. IMUNIDADE DE IPTU. TEMPLO E CULTO.
IMPLICAÇÕES.
1. Mesmo que não se reconheça à Maçonaria (Grande Oriente do
Rio Grande do Sul) como religião, não é menos verdade que seus prédios são
verdadeiros Templos, onde se realizam rituais e cultos, sobre a proteção de
Deus, o Grande Arquiteto do Universo, objetivando elevar a espiritualidade do
homem, a ética, a justiça, a fraternidade e a paz universal.
2. Seus Templos têm direito à imunidade de tributos,
consoante o art. 150, inc. VI, letra ‘b’, da Constituição Federal” (fl. 258).
É o relatório.
Voto: Inicialmente assento que o apelo extraordinário não
merece conhecimento quanto ao art. 150, VI, c, da Constituição Federal, que
assim dispõe:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao
contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios:
(...)
VI - instituir impostos sobre:
(...)
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos,
inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das
instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos,
atendidos os requisitos da lei” (grifei).
Vale recordar, a propósito, que o Min. Maurício Corrêa, em
voto proferido no RE 202.700/DF, julgado pelo Plenário deste Tribunal, em
8/11/2001, ao interpretar o aludido dispositivo em relação às entidades de
assistência social sem fins lucrativos, consignou que
“(...) o reconhecimento desse direito está condicionado à
observância dos preceitos contidos nos incisos I a III do artigo 14 do Código
Tributário Nacional. Resulta desse modo que o favor constitucional não é
absoluto e o seu deferimento, mesmo em face dos objetivos institucionais da
entidade, previstos em seus atos constitutivos (CTN, artigo 14, § 2º), poderá
ser suspenso quando não cumpridas as disposições legais (CTN, artigo 14, §
1º)”.
Diante do entendimento acima adotado, segue-se que a
exigência do cumprimento dos requisitos do art. 14 do CTN constitui conditio
sine qua non para o gozo da imunidade tributária outorgada pela Constituição.
Assim, para se chegar à conclusão de o recorrente atende aos
requisitos da lei para fazer jus à imunidade prevista neste dispositivo,
necessário seria o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos.
Incide, nesse aspecto, a Súmula 279 do STF, segundo a qual,
“para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”.
Nesse sentido, menciono os seguintes precedentes, entre
outros: AI 673.173-AgR/MG, Rel. Min. Eros Grau; AI 461.817-AgR/MG, Rel. Min.
Joaquim Barbosa; RE 423.464-AgR/DF; Rel. Min. Cezar Peluso; AI 559.488-AgR/DF,
Rel. Min. Cármen Lúcia.
Remanesce o extraordinário, contudo, quanto ao art. 150, VI,
b, da Carta Federativa, verbis:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao
contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios:
(...)
VI - instituir impostos sobre:
(...)
b) templos de qualquer culto” (grifos nossos).
A questão central está, então, em saber se a referência a
“templos de qualquer culto” alcança a maçonaria.
Segundo ensina Sacha Calmon Navarro Coelho
“Templo, do latim templum, é o lugar destinado ao culto. Em
Roma era lugar aberto, descoberto e elevado, consagrado pelos augures,
sacerdotes da adivinhação, a perscrutar a vontade dos deuses, nessa tentativa
de todas as religiões de religar o homem e sua finitude ao absoluto, a Deus.
Hoje, os templos de todas as religiões são comumente edifícios. (...)
Onde quer que se oficie um culto, aí é o templo. No Brasil,
o Estado é laico. Não tem religião oficial. A todas respeita e protege, não
indo contra as instituições religiosas com o poder de polícia ou o poder de
tributar (...).
O templo, dada a isonomia de todas as religiões, não é só a
catedral católica, mas a sinagoga, a casa espírita kardecista, o terreiro de
candomblé ou de umbanda, a igreja protestante, shintoísta ou budista e a
mesquita maometana. Pouco importa tenha a seita poucos adeptos. Desde que uns
na sociedade possuam fé comum e se reúnam em lugar dedicado exclusivamente ao
culto da sua predileção, este lugar há de ser um templo e gozará de imunidade
tributária” (grifei).
Já Roque Antonio Carraza afirma que
“Esta imunidade, em rigor, não alcança o templo propriamente
dito, isto é, o local destinado a cerimônias religiosas, mas, sim, a entidade
mantenedora do templo, a igreja.
(...)
É fácil percebermos que esta alínea ‘b’ visa a assegurar a
livre manifestação da religiosidade das pessoas, isto é, a fé que elas têm em
certos valores transcendentais. As entidades tributantes não podem, nem mesmo
por meio de impostos, embaraçar o exercício de cultos religiosos” (grifos
nossos).
No julgamento do RE 578.562/BA, o Min. Eros Grau assentou
que
“O Supremo Tribunal Federal tem entendido que a limitação ao
poder de tributar, que a imunidade do artigo 150, VI, ‘b’, contempla, há de ser
amplamente considerada, de sorte a ter-se como cultos distintas expressões de
crença espiritual”.
Vale destacar também o quanto concluiu o Min. Ayres Britto
naquele julgamento:
“tendo a interpretar a regra constitucional da imunidade
sobre os templos de qualquer culto como uma espécie de densificação ou de
concreção do inciso VI do art. 5º da mesma Constituição, cuja dicção é esta:
‘ART. 5º.
(...)
VI- é inviolável a liberdade de consciência e de crença,
sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma
da lei, a proteção aos locais de cultos e as suas liturgias;(...)’
Uma coisa, portanto, puxando a outra”.
Verifico, assim, que referido dispositivo (art. 5º, VI, da
Constituição Federal) é expresso em assegurar o livre exercício dos cultos
religiosos. E uma das formas que o Estado estabeleceu para não criar embaraços
à prática religiosa foi outorgar imunidade aos templos onde se realizem os
respectivos cultos.
Nesse sentido, estamos a falar em imunidade tributária com o
intuito de não criar embaraços à liberdade de crença religiosa.
Por isso mesmo, grifei, nas citações doutrinárias e na
jurisprudência mencionadas, a referência a que sempre se faz à religião, quando
se aborda a imunidade estabelecida no art. 150, VI, b, do Texto Constitucional.
E qual a razão de a liberdade de consciência não ter sido
“beneficiada” por tal imunidade tributária?
Nas lições do já citado professor Carrazza, citado inclusive
pelo recorrente para fundamentar sua pretensão:
“A imunidade em tela decorre, naturalmente, da separação
entre Igreja e o Estado, decretada com a Proclamação da República.
Sabemos que, durante o Império, tínhamos uma religião
oficial: a religião católica apostólica romana. As outras religiões eram
toleradas, mas apenas a católica recebia especial proteção do Estado.
(...)
Muito bem, com a proclamação da República, que se inspirava
no positivismo de Augusto Comte, foi imediatamente decretada a separação entre
a Igreja e o Estado. O Estado tornou-se laico. Deixou de dispensar maior
proteção a uma religião em particular (ainda que majoritária), para tolerar
todas elas.
Evidentemente, o Estado tolera todas as religiões que não
ofendem a moral, nem os bons costumes, nem, tampouco, fazem perigar a segurança
nacional. Há, no entanto, uma presunção no sentido de que a religião é
legítima, presunção, esta, que só cederá passo diante de prova em contrário, a
ser produzida pelo Poder Público.
Graças a esta inteligência, tem-se aceito que também são
templos a loja maçônica, o templo positivista e o centro espírita” (grifei).
Ora, em que pese o brilhantismo do raciocínio desenvolvido
pelo eminente tributarista, entendo que a conclusão a que ele chega não pode
prevalecer.
Isso porque, assim como o fazem muitos outros doutrinadores,
entendo que a interpretação do referido dispositivo deve ser restritiva,
atendendo às razões de sua cogitação original.
As liberdades, como é sabido, devem ser interpretadas de
forma extensiva, para que o Estado não crie qualquer óbice à manifestação de
consciência, como é o caso sob exame, porém, às imunidades deve ser dado
tratamento diametralmente oposto, ou seja, restritivo.
Nessa linha, penso que, quando a Constituição conferiu
imunidade tributária aos “templos de qualquer culto”, este benefício fiscal
está circunscrito aos cultos religiosos.
Corroborando, ainda, tal raciocínio, trago à colação o
esclarecimento, colhido do sítio eletrônico da Grande Loja Maçônica do Estado
do Rio Grande do Sul, quanto à natureza das atividades que ela desenvolve:
“A Maçonaria é uma Ordem Iniciática mundial. É apresentada
como uma comunidade fraternal hierarquizada, constituída de homens que se
consideram e se tratam como irmãos, livremente aceitos pelo voto e unidos em
pequenos grupos, denominados Lojas ou Oficinas, para cumprirem missão a serviço
de um ideal. Não é religião com teologia, mas adota templos onde desenvolve
conjunto variável de cerimônias, que se assemelha a um culto, dando feições a
diferentes ritos. Esses visam despertar no Maçom o desejo de penetrar no
significado profundo dos símbolos e das alegorias, de modo que os pensamentos
velados neles contidos, sejam decifrados e elaborados. Fomenta sentimentos de
tolerância, de caridade e de amor fraterno. Como associação privada e discreta
ensina a busca da Verdade e da Justiça” (grifos meus).
Verifico, então, que a própria entidade declara
enfaticamente não ser uma religião e, por tal razão, parece-me irretocável a
decisão a quo, a qual, quanto ao tema consignou:
“A prática Maçom é uma ideologia de vida. Não é uma
religião. Não tem dogmas. Não é um credo. É uma grande família apenas.
Ajudam-se mutuamente, aceitando e pregando a idéia de que o Homem e a
Humanidade são passíveis de melhoria e aperfeiçoamento. Como se vê, uma grande
confraria que, antes de mais nada, prega e professa uma filosofia de vida.
Apenas isto. De certa forma, paradoxal, pois ao mesmo tempo em que prega esta
melhoria e aperfeiçoamento do Homem e da Humanidade, só admite em seu seio
homens livres (não mulheres) e que exerçam profissão (afirma que deve ser uma
‘profissão honesta’) que lhes assegure meio de subsistência. Os analfabetos não
são admitidos, por não possuírem instrução necessária à compreensão dos fins da
Ordem”.
Por essas razões, conheço parcialmente do recurso
extraordinário e, nessa parte, nego-lhe provimento.
É como voto.
* acórdão pendente de publicação
Fonte: Informativo STF 687.
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