Segue uma notícia sobre direito de família, uma decisão que terá que ser dada pela justiça americana sobre herança em caso de bebê de proveta, sendo que as crianças nasceram após a morte do pai. Não é o foco do blog, mas o assunto é muito interessante, do mesmo jeito que é interessante vermos que estas questões também são discutidas no resto do mundo.
Quando o
americano Jeffrey Mattison soube que tinha pouco tempo de vida, sua primeira
providência foi congelar seu próprio esperma. Quis satisfazer o desejo de sua
mulher de ter mais um filho, assim que terminasse o tratamento para engravidar.
E foi necessário fazê-lo antes de se submeter à quimioterapia, que iria
danificar o esperma. Dez meses depois da morte de Mattison, em 2001, nasceram
os filhos gêmeos de Jeffrey e Pamela Mattison, Mallory e Michael, concebidos
através da fertilização in vitro. Filhos de Jeffrey Mattison depois da
morte? Não para o estado de Michigan. Para a legislação desse estado americano,
mortos não reproduzem, dizem os jornais Detroit Free Press e San
Francisco Chronicle.
Antigamente. Há
tempos que os milagres da tecnologia mudaram esse desígnio da lei de Michigan.
Espermas podem ser congelados por anos, até que sejam usados em processos de
fertilização in vitro e inseminação artificial. Mas o texto da lei estadual
ainda não digeriu inteiramente essas modernidades. Assim, para os efeitos da
lei, o estado de Michigan não reconhece os gêmeos como herdeiros de Jeffrey
Mattison, apesar de um simples exame de DNA comprovar a paternidade. Nesta
quinta-feira (15/11), a Suprema Corte do estado vai examinar se é possível
modernizar Michigan, incluindo o condado de Kalamazoo, onde se situa o caso.
No passado, a
legislação de Michigan estabelecia que só era herdeiro o filho que estava vivo
na ocasião da morte do pai. Em 1998,
a Assembleia Legislativa do estado emendou a lei, para
abrir uma exceção. Agora, se o pai morre quando a mãe está grávida, o filho
pode ser considerado herdeiro. Isto é, o estado só pode reconhecer a
paternidade post mortem se ficar comprovado que o bebê foi concebido a
menos de nove meses, a contar da morte do pai.
O que está em
jogo nessa disputa judicial é um pequeno benefício social para os gêmeos, que
vem junto com a definição da paternidade post mortem. O Social
Security Administration (SSA – o órgão de assistência social dos EUA) se recusa
a admitir que os gêmeos, agora com 11 anos, são herdeiros de Mattison.
Portanto, eles não teriam direito a receber, mensalmente, algumas centenas de
dólares (de US$ 200 a
US$ 500), um benefício que é pago a crianças que "sobrevivem à morte do
pai" — isto é, crianças que estão vivas e permanecem vivas após a morte do
pai. Para o SSA, como eles foram concebidos após a morte do pai, eles não são
"sobreviventes à morte do pai" — e portanto não têm direito ao benefício.
Na verdade, a
lei estadual não é mais totalmente avessa à tecnologia de reprodução. Depois da
emenda à lei, ela passou a ser aceitável quando o pai e a mãe estão vivos.
Segundo os advogados do SSA, a lei estadual permite que crianças concebidas por
meio de tecnologia reprodutiva sejam herdeiras. Mas esclarece que essa provisão
é limitada a crianças concebidas ou nascidas "durante um casamento".
E aí, entre as aspas, reside o problema, dizem os advogados da SSA: no caso dos
Mattisons, o casamento terminou com a morte de Jeffrey Mattison. Portanto, eles
não foram concebidos "durante um casamento" e, por isso, não têm a
proteção da lei.
O SSA paga esse
benefício à irmã de 14 anos dos gêmeos, que também foi concebida através de
fertilização in vitro inter vivos, em vista de diversos problemas da
mãe e do pai.
Poucos estados
americanos admitem, através de sua legislação, a paternidade post mortem
de crianças concebidas através de inseminação artificial, reconhecendo,
portanto, a condição de herdeiras dos filhos — entre eles, Massachusetts, Nova
Jersey, Delaware e Iowa. Outros estados aceitam essa possibilidade, mediante
certas condições. Por exemplo, os pais devem, ainda em vida, assinar um
documento consentindo com a fertilização in vitro após a morte do
marido.
O advogado
Victor Bland, que representa a família, tem um documento de consentimento.
Jeffrey Mattison deixou uma procuração, autorizando a mulher a proceder nos
seguintes termos: "tomar toda e qualquer medida necessária, relativa a
qualquer esperma ou embrião que eu possa ter armazenado, incluindo sua
implantação ou eliminação". Essa era a vontade dele, diz o advogado. Na
véspera de sua morte, ele injetou nela os hormônios que a preparavam para a
gravidez. Mas nada disso está previsto na legislação de Michigan e o advogado
prevê que terá de nadar contra a corrente, se espera chegar a algum lugar.
Ele pode, na
verdade, chegar a algum lugar. Pode pelo menos dar expressão nacional ao caso,
porque correm processos semelhantes em tribunais de vários estados — e todos
estão de olho em
Michigan. Aliás , esse é o primeiro caso do gênero que chega à
Suprema Corte do estado. O processo foi movido em 2005, como uma ação federal.
Porém, foi transferido para a Suprema Corte de Michigan porque questões de
herança são tipicamente regidas por leis estaduais, em vez de leis federais.
"Muitas
situações são tão novas que a lei tem dificuldades de acompanhar a
ciência", afirma a advogada de família Joan Coulter, que cuida de casos
semelhantes em Missouri.
No caso da fertilização in vitro, especificamente,
há uma grande variedade de questões jurídicas sem solução. Por exemplo, não se
sabe ainda o que fazer, juridicamente, se um casal com embriões congelados ser
divorciar. Quem fica com eles?
João
Ozorio de Melo - correspondente da revista Consultor Jurídico
nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 14 de novembro de 2012.
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