segunda-feira, 19 de novembro de 2012

ONDE SOBRAM SERVIDORES, NÃO SE FAZ CONCURSO


Nós que lutamos pela justiça tributária não nos incomodamos apenas com a carga excessiva, a burocracia tresloucada e a absurda insegurança jurídica que tanto nos fazem sofrer.  Precisamos nos preocupar também com o uso adequado dos recursos públicos, pois se o governo gasta sem critério, a carga só pode crescer. E um desses gastos que precisam ser reduzidos relaciona-se com a folha de salários dos servidores públicos.

Não vamos falar dos cabides de empregos sem concurso, pois esses todos deveriam ser extintos e em certos casos os beneficiários deveriam ser condenados criminalmente. Há questões a rever até mesmo nos cargos providos através de concursos públicos. Um governo decente, que fala o tempo todo em gestão e qualidade, só pode contratar servidores quando isso for absolutamente  necessário.

Um caso emblemático acontece em São Paulo. Anuncia-se para este mês ou para dezembro o edital de inscrições para mais um concurso público no Estado de São Paulo, agora para cerca de 1,3 mil vagas de Agente Fiscal de Rendas, com salário inicial de cerca de R$ 12 mil, já incluído o adicional de exercício.
 
Consta que há um total de 4,5 mil cargos na carreira, número que não sofreu alterações expressivas nos últimos dez anos.

Acontece que sem a realização desse concurso a arrecadação do ICMS e dos demais impostos estaduais (ITCMD e IPVA) não tem registrado qualquer tendência de queda. Muito pelo contrário, a arrecadação vai muito bem, obrigado.

O bom resultado da arrecadação tem muito a ver com o uso intensivo da tecnologia, bem como várias formas de cobrança, algumas de discutível legalidade.

Durante muito tempo os agentes fiscais do estado tinham a desgastante tarefa de fiscalizar mercadorias em trânsito, inclusive em rodovias e mesmo durante sábados, domingos e feriados, com chuva ou sol.  Hoje isso não existe mais ou é apenas objeto de situações excepcionais.

As notas fiscais que poderiam ser falsificadas, simuladas ou ter valores diferentes em suas diversas vias, já foram substituídas pelas eletrônicas, cujas informações são enviadas ao fisco imediatamente por meios eletrônicos. Assim, o fiscal não precisa mais conferir se a nota emitida não foi alvo de uma fraude qualquer.  Quando o servidor fazendário quer receber uma informação, usa o computador, não a sola do sapato.

A informatização de quase todos os serviços públicos também racionalizou a maior parte dos trabalhos fazendários. Lembro-me que certa vez um fiscal pediu cópia do contrato social de determinada empresa, para ter certeza de que ela tinha uma pessoa como sócio. Isso hoje se faz pela internet, no sítio da Jucesp, em poucos minutos.

Ora, é evidente que todos os investimentos feitos pelo Estado na área de fiscalização e arrecadação tornaram muito mais ágeis, seguros e eficientes os serviços dos fiscais.

Qualquer pessoa sabe, por outro lado, que a tecnologia existe para tornar mais eficientes o trabalho das pessoas.  A roda foi inventada para que as pessoas se locomovessem mais rapidamente. A máquina de escrever para acabar com a dificuldade dos documentos escritos manualmente, quando muitas vezes a escrita era ininteligível. O computador e tudo o que se refere à informática, simplesmente mudaram o mundo para melhor. Esta coluna pode ser lida em qualquer lugar do mundo, sem que ninguém tenha que enviar papel algum.

Os bancos, certamente grandes usuários da informática, aumentaram seus lucros e reduziram o número de seus funcionários aproveitando os recursos que a tecnologia colocou à sua disposição. O governo também. No mês passado fiz o licenciamento de meu carro pela internet, (inclusive pagando multa aplicada por um radar) paguei tudo pelo sistema do banco, sem sair de minha sala e alguns dias depois recebi pelo correio o certificado. Tempos atrás eu tinha de contratar um despachante ou perder horas nas filas do banco e do Detran.

Recentemente fui a um posto fiscal da Fazenda do Estado em cidade próxima da Capital para cuidar de assunto de um cliente.  Fiquei surpreso com a grande quantidade de agentes fiscais que lá encontrei. Surpreendeu-me mais ainda a impressão (espero que seja falsa) de que boa parte deles não fazia nada.

Feitas todas essas considerações, não me parece que seja prioritária a realização desse concurso.  Como hoje todo mundo fala em gestão, deve-se  fazer um levantamento atualizado e  criterioso das reais necessidades de recursos humanos da Secretaria da Fazenda. Talvez possa faltar gente nos serviços auxiliares (secretaria, arquivos, manutenção de equipamentos, informática, etc.), mas não parece que precisamos de quase 5.000 agentes fiscais.

Conforme alguém já disse, governar é administrar prioridades. Se assim é, os recursos destinados a esse concurso deveriam ser direcionados para setores com mais necessidades e urgência: professores ou médicos, por exemplo. Ou ainda contratar mais delegados de polícia, a quem se deveria pagar pelo menos o mesmo nível dos fiscais, cerca de R$ 12 mil iniciais. Isso para não falarmos na situação de psicólogos que atuam na Secretaria da Administração Penitenciária por um salário ridículo, que não chega a R$ 3 mil, ou seja, tão ridículo quanto o dos investigadores e escreventes de polícia.

Os concursos são o único meio justo e democrático de acesso ao serviço público. Quem entra sem concurso fica devendo favor que um dia tem que pagar. Parece que é aí que nasce boa parte da corrupção, cuja origem não está na falta de bons salários, mas apenas na falta de caráter, de boa formação moral, de conhecimento e aplicação de princípios éticos.

Os artigos 37 e seguintes da Constituição Federal ordenam como deve ser administrada essa questão, começando pela impessoalidade, moralidade, eficiência, etc.  Mas quando se contrata servidor cuja necessidade pode ser adiada ou não está claramente demonstrada, não se cumprem as normas de moralidade e eficiência, pelo menos.

Os orçamentos públicos de todos os entes federativos acham-se comprometidos com despesas de pessoal que impedem um desenvolvimento adequado ao país. Em muitos municípios o numero de funcionários nomeados sem concurso chega a ser assustador.  Há muitos casos de servidores que simplesmente não comparecem ao local onde deveriam trabalhar. Ou seja: trata-se de um roubo generalizado que se faz contra a nação.

No caso do concurso dos fiscais, curioso é que cerca de metade das vagas se destine a especialistas em informática, quando sempre foi tradição (discutível, aliás) de se permitir a inscrição de pessoa formada em qualquer faculdade. Há casos de dentistas, psicólogos, etc., aprovados nesses concursos. Todos sem dúvida inteligentes e cultos, mas jejunos em questões de direito tributário e contabilidade, que são os campos em que atuam.

Já está na hora de se rever não só a questão tributária (carga, burocracia, etc) mas também o aparato de recursos humanos que tal atividade consome, o qual mudou muito com o avanço da tecnologia. Não há a mínima chance de acreditarmos que o avanço da tecnologia possa, no serviço público, implicar em necessidade de aumento da mão de obra. Isso não faz sentido.

Raul Haidar -advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 19 de novembro de 2012

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