Nós que lutamos pela justiça tributária não nos incomodamos
apenas com a carga excessiva, a burocracia tresloucada e a absurda insegurança
jurídica que tanto nos fazem sofrer.
Precisamos nos preocupar também com o uso adequado dos recursos
públicos, pois se o governo gasta sem critério, a carga só pode crescer. E um
desses gastos que precisam ser reduzidos relaciona-se com a folha de salários
dos servidores públicos.
Não vamos falar dos cabides de empregos sem concurso, pois
esses todos deveriam ser extintos e em certos casos os beneficiários deveriam
ser condenados criminalmente. Há questões a rever até mesmo nos cargos providos
através de concursos públicos. Um governo decente, que fala o tempo todo em
gestão e qualidade, só pode contratar servidores quando isso for
absolutamente necessário.
Um caso emblemático acontece em São Paulo. Anuncia-se para
este mês ou para dezembro o edital de inscrições para mais um concurso público
no Estado de São Paulo, agora para cerca de 1,3 mil vagas de Agente Fiscal de
Rendas, com salário inicial de cerca de R$ 12 mil, já incluído o adicional de
exercício.
Consta que há um total de 4,5 mil cargos na carreira, número
que não sofreu alterações expressivas nos últimos dez anos.
Acontece que sem a realização desse concurso a arrecadação
do ICMS e dos demais impostos estaduais (ITCMD e IPVA) não tem registrado
qualquer tendência de queda. Muito pelo contrário, a arrecadação vai muito bem,
obrigado.
O bom resultado da arrecadação tem muito a ver com o uso
intensivo da tecnologia, bem como várias formas de cobrança, algumas de
discutível legalidade.
Durante muito tempo os agentes fiscais do estado tinham a
desgastante tarefa de fiscalizar mercadorias em trânsito, inclusive em rodovias
e mesmo durante sábados, domingos e feriados, com chuva ou sol. Hoje isso não existe mais ou é apenas objeto
de situações excepcionais.
As notas fiscais que poderiam ser falsificadas, simuladas ou
ter valores diferentes em suas diversas vias, já foram substituídas pelas
eletrônicas, cujas informações são enviadas ao fisco imediatamente por meios
eletrônicos. Assim, o fiscal não precisa mais conferir se a nota emitida não
foi alvo de uma fraude qualquer. Quando
o servidor fazendário quer receber uma informação, usa o computador, não a sola
do sapato.
A informatização de quase todos os serviços públicos também
racionalizou a maior parte dos trabalhos fazendários. Lembro-me que certa vez
um fiscal pediu cópia do contrato social de determinada empresa, para ter
certeza de que ela tinha uma pessoa como sócio. Isso hoje se faz pela internet,
no sítio da Jucesp, em poucos minutos.
Ora, é evidente que todos os investimentos feitos pelo
Estado na área de fiscalização e arrecadação tornaram muito mais ágeis, seguros
e eficientes os serviços dos fiscais.
Qualquer pessoa sabe, por outro lado, que a tecnologia
existe para tornar mais eficientes o trabalho das pessoas. A roda foi inventada para que as pessoas se
locomovessem mais rapidamente. A máquina de escrever para acabar com a
dificuldade dos documentos escritos manualmente, quando muitas vezes a escrita
era ininteligível. O computador e tudo o que se refere à informática,
simplesmente mudaram o mundo para melhor. Esta coluna pode ser lida em qualquer
lugar do mundo, sem que ninguém tenha que enviar papel algum.
Os bancos, certamente grandes usuários da informática,
aumentaram seus lucros e reduziram o número de seus funcionários aproveitando
os recursos que a tecnologia colocou à sua disposição. O governo também. No mês
passado fiz o licenciamento de meu carro pela internet, (inclusive pagando
multa aplicada por um radar) paguei tudo pelo sistema do banco, sem sair de
minha sala e alguns dias depois recebi pelo correio o certificado. Tempos atrás
eu tinha de contratar um despachante ou perder horas nas filas do banco e do
Detran.
Recentemente fui a um posto fiscal da Fazenda do Estado em
cidade próxima da Capital para cuidar de assunto de um cliente. Fiquei surpreso com a grande quantidade de
agentes fiscais que lá encontrei. Surpreendeu-me mais ainda a impressão (espero
que seja falsa) de que boa parte deles não fazia nada.
Feitas todas essas considerações, não me parece que seja
prioritária a realização desse concurso.
Como hoje todo mundo fala em gestão, deve-se fazer um levantamento atualizado e criterioso das reais necessidades de recursos
humanos da Secretaria da Fazenda. Talvez possa faltar gente nos serviços
auxiliares (secretaria, arquivos, manutenção de equipamentos, informática,
etc.), mas não parece que precisamos de quase 5.000 agentes fiscais.
Conforme alguém já disse, governar é administrar
prioridades. Se assim é, os recursos destinados a esse concurso deveriam ser
direcionados para setores com mais necessidades e urgência: professores ou
médicos, por exemplo. Ou ainda contratar mais delegados de polícia, a quem se
deveria pagar pelo menos o mesmo nível dos fiscais, cerca de R$ 12 mil
iniciais. Isso para não falarmos na situação de psicólogos que atuam na
Secretaria da Administração Penitenciária por um salário ridículo, que não
chega a R$ 3 mil, ou seja, tão ridículo quanto o dos investigadores e
escreventes de polícia.
Os concursos são o único meio justo e democrático de acesso
ao serviço público. Quem entra sem concurso fica devendo favor que um dia tem
que pagar. Parece que é aí que nasce boa parte da corrupção, cuja origem não
está na falta de bons salários, mas apenas na falta de caráter, de boa formação
moral, de conhecimento e aplicação de princípios éticos.
Os artigos 37 e seguintes da Constituição Federal ordenam
como deve ser administrada essa questão, começando pela impessoalidade,
moralidade, eficiência, etc. Mas quando
se contrata servidor cuja necessidade pode ser adiada ou não está claramente
demonstrada, não se cumprem as normas de moralidade e eficiência, pelo menos.
Os orçamentos públicos de todos os entes federativos
acham-se comprometidos com despesas de pessoal que impedem um desenvolvimento
adequado ao país. Em muitos municípios o numero de funcionários nomeados sem
concurso chega a ser assustador. Há
muitos casos de servidores que simplesmente não comparecem ao local onde
deveriam trabalhar. Ou seja: trata-se de um roubo generalizado que se faz
contra a nação.
No caso do concurso dos fiscais, curioso é que cerca de
metade das vagas se destine a especialistas em informática, quando sempre foi
tradição (discutível, aliás) de se permitir a inscrição de pessoa formada em
qualquer faculdade. Há casos de dentistas, psicólogos, etc., aprovados nesses
concursos. Todos sem dúvida inteligentes e cultos, mas jejunos em questões de
direito tributário e contabilidade, que são os campos em que atuam.
Já está na hora de se rever não só a questão tributária
(carga, burocracia, etc) mas também o aparato de recursos humanos que tal
atividade consome, o qual mudou muito com o avanço da tecnologia. Não há a
mínima chance de acreditarmos que o avanço da tecnologia possa, no serviço
público, implicar em necessidade de aumento da mão de obra. Isso não faz
sentido.
Raul Haidar -advogado tributarista, ex-presidente do
Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da
revista ConJur.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 19 de novembro de 2012
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