A legislação brasileira sobre a lavagem de dinheiro,
abrangendo a conceituação do delito, o seu apenamento, e o papel a ser
desempenhado por agentes privados e públicos, está compreendida pela Lei 9.613
de março de 1998 e normas complementares. Desde logo, importa notar que o
diploma central de 1998, como observa a maioria dos interpretes, adotou um
modelo de prevenção, controle e repressão à lavagem, designado como de
"segunda geração", o qual estabelece uma série de delitos antecedentes
e/ou conexos que podem dar origem ao delito consectário do "money
laudering". Logo, é possível adotar-se - em síntese - o conceito de
lavagem que resulta do Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF:
"(...) a lavagem de dinheiro constitui um conjunto de
operações comerciais e financeiras que buscam a incorporação na economia de
cada país dos recursos, bens e serviços que se originam ou estão ligados a atos
ilícitos."
Nesta oportunidade, no entanto, passaremos ao largo dos
debates jurídicos envolvendo o conceito de lavagem, os crimes antecedentes e
conexos e outras matérias desse jaez. Assim, nosso tema reportar-se-á,
principalmente, com a determinação da Lei 9.613 sobre as comunicações de
suspeita da ocorrência de lavagem, no que toca às instituições financeiras, com
foco na questão do sigilo bancário. A teor da regência normativa do controle
sobre a lavagem de dinheiro, atenção merece o aspecto do compartilhamento de
informações entre os agentes públicos e, mais especialmente, entre os agentes privados
e os agentes e instituições públicas, considerado como pedra de toque desses
procedimentos de conhecimento, prevenção e repressão aos esquemas para
"legalização" de recursos de origem ilícita. Logo, esse conceito
central, que exsurge da legislação, presume que haja colaboração entre os entes
públicos e privados na obtenção de informações que permitam ao Estado - enfim -
exercer a prevenção e a repressão aos delitos que envolvam a
"legalização" de dinheiro com origem ilícita.
O considerado Arnold Wald, contudo, observa que, na verdade,
a Lei 9.613 engendra com isso uma "transferência" da função estatal
de fiscalização, impondo dentre outras às instituições financeiras o dever de
identificar e comunicar transações ou operações suspeitas de lavagem.
Como pano de fundo dessas anotações sobre o tema da lavagem
de dinheiro, enfim vem a pelo a questão dos limites, a serem observados, nas
comunicações das instituições financeiras em torno de operações suspeitas que
sejam detectadas. Nesse sentido, trazemos decisões dos Tribunais, uma de Minas
Gerais e outra de São Paulo, que nos parecem exemplares no que toca ao
compartilhamento de informações entre as instituições e o COAF em matéria de
lavagem, em particular porque denotam, similarmente, a clara limitação e, dai,
os cuidados que devem ser observados nesses casos, ainda que na hipótese
versada pelo colegiado mineiro, o ato do banco foi o de encerrar a conta
corrente em razão de depósito suspeito (Resolução 2.025/1993).
Assim, do aresto do Tribunal de Justiça de Minas Gerais
(Apelação Civil nº 1.0145.07.428755-1/001) colhe-se a ratificação de decisão
singular que deferiu reparação por dano moral ao cliente do banco que teve sua
conta encerrada por suspeita de lavagem, declinando-se na ementa do Acórdão:
"Revela-se arbitrário o encerramento de conta do
consumidor acusado pela própria instituição financeira de lavagem de dinheiro,
em especial quando há cabal comprovação da origem dos fundos."
Com efeito, no caso antes referenciado, da narrativa do
Acórdão exsurge que a instituição financeira, eventualmente, agiu de modo
arbitrário ao afastar as alegações de defesa do cliente que, até
documentalmente, justificativa a origem licita do valor que depositara em sua
conta corrente.
Portanto, é imperioso que as instituições, como responsáveis
por fiscalizar e controlar transações e operações que sirvam para lavagem de
dinheiro, pautem suas ações por cuidados redobrados, evitando enganos e
equívocos que, à sua vez, deem causa às composições indenitárias. Em outras palavras,
ainda que a norma vigente exonere a instituição de responsabilidade civil e
penal pelas comunicações (e atos em geral) em torno da lavagem de dinheiro,
visando oferecer elementos às autoridades para prevenir e coibir essas
atividades ilícitas, relevante é notar que a falta de cautela pode ter efeitos
danosos. Assim, essas duas condições essenciais, a boa fé que revista a
comunicação aos órgãos apropriados acerca da suspeitas de lavagem e o sigilo
sobre a própria notificação impõem especial cuidado no trato desse dever
imposto, "ex vi legis" às instituições financeiras. Em relação ao
segundo Acórdão, que trazemos a colação, este originado da corte paulista
(Apelação nº 0121488 - 35.2008.8.26.0100), o aspecto fulcral diz com as
limitações impostas às ações das instituições financeiras em relação às
próprias suspeitas de lavagem de dinheiro; nesse sentido, um trecho ilustrativo
da decisão denota, amparada pelo disposto a teor do art. 4º da Lei 9.613/98:
"E (...) a instituição financeira não tem poderes por
atribuição para realizar investigações e bloquear valores sem que esteja
amparada por decisão judicial."
Adiante, ainda do "decisum", colhe-se qual deveria
ser a conduta da instituição, diante de suspeita que tivesse em face de uma
dada operação bancária:
"E, no caso de transações bancárias que possam
enquadrar-se nas situações tipificadas na referida lei, a instituição
financeira deverá comunica-la às autoridades competentes na forma discriminada
em seu artigo 11, para que sejam tomadas as providências cabíveis."
Conclui-se, então, que há similitude nas decisões
colegiadas, que citamos, pois tanto a da Corte mineira, quanto a de São Paulo,
observam que os bancos e outras instituições obrigadas ao compartilhamento de
informações, no que tange às suspeitas de lavagem, devem se limitar a
comunica-las, descabendo tomar atitudes e providências investigativas ou
punitivas, digamos, que extrapolem o comportamento determinado na norma.
Autor: Cassio M. C. Penteado Junior
Advogado e Consultor em Recife – PE
Fonte: Apet
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