O julgamento da ação penal 470 (mensalão) pelo STF
protagonizou uma importante quebra de paradigma na Justiça brasileira no
julgamento dos crimes de colarinho branco.
Ele reconheceu a responsabilidade, em algumas das acusações,
de quem não executou os atos ilícitos diretamente, mas deu as diretrizes ou a
retaguarda necessária a permitir que tais atos ilícitos fossem efetivamente
praticados.
Provar não significa demonstrar se algo aconteceu ou não,
mas sim o convencimento quanto à correção do que se afirma ter acontecido.
A frequente alegação de desconhecimento de uma atividade
ilícita e criminosa ou a alegação de que não se queria prejudicar ninguém, por
parte do presidente de uma organização ou de alguém do quadro de direção,
ganhou um novo capítulo no julgamento da ação penal 470.
Menos pelo sentimento de indignação que as práticas
criminosas geraram, mas mais pela qualidade do raciocínio lógico e
argumentativo desenvolvido pelos ministros.
O dirigente de uma instituição financeira ou de uma grande
empresa, ao mesmo tempo em que não lhe é razoavelmente exigível o conhecimento
sobre absolutamente tudo que se passa internamente de forma detalhada, tem, por
sua posição e natureza da função, a possibilidade de um conhecimento
qualificado.
Isso ocorre por exigência da própria natureza do negócio e
principalmente pelas diferentes responsabilidades que tal dirigente assume
perante outros interessados, como o cliente, os seus investidores, os órgãos de
controle e regulação.
Quando tais dirigentes são investigados por atos ilícitos
cometidos por meio da empresa, bem como reconhecida a correlação entre os
procedimentos internos violados de forma sistemática e o nível de
responsabilidade dos mesmos dirigentes, tem-se aí um dado concreto a legitimar
um juízo provisório de responsabilidade.
Não se está a pregar a responsabilidade direta do dirigente
pela atividade criminosa em razão da sua posição, mas sim reconhecer que a sua
posição o coloca em situação diferenciada por força da qualidade e nível de
conhecimento que possui em relação ao seu negócio.
Assim, naquelas situações apuradas que colocam em risco o
próprio negócio, o seu agir, a sua adesão à atividade criminosa, se faz não
somente por meio de uma ação, mas também pela omissão, no sentido de não coibir
e, assim, validar o que poderia ter sido evitado.
Por um lado, é correta a afirmação de que a
responsabilização não se faz por presunção. Mas, por outro, também é correta a
afirmação de que a verdade, enquanto convencimento e juízo de probabilidade,
forma-se a partir de qualquer dado de realidade -seja a posição que se ocupa, o
nível de responsabilidade, o poder de decisão, a forma como se viabiliza um
negócio e a forma como o protege.
A condenação dos dirigentes de uma instituição financeira na
ação penal 470 pelo STF revela esse novo olhar sobre a própria prova, a
legitimar a ideia ou a verdade sobre um fato não como um mecanismo estático e
matemático, mas dinâmico e proporcional a cada realidade que se julga.
* Artigo escrito originalmente no jornal Folha de S.Paulo do
dia 25 de novembro de 2012.
Fabio Ramazzini Bechara -
promotor de Justiça e secretário-executivo do Grupo de Atuação Especial
de Combate ao Crime Organizado no Estado de São Paulo. É doutor em direito pela
USP.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 25 de novembro de 2012
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