No
âmbito de reformas vindouras ou na aplicação do modelo atual, a
não-cumulatividade das contribuições ao PIS e a Cofins não se pode empregar a
todos os segmentos econômicos ou profissionais de modo equivalente, quando a
cadeia não gera créditos suficientes para justificar um equilíbrio de carga
tributária coerente com os demais contribuintes. Por isso, tem-se a
possibilidade de adoção de “regime especial”, suficiente para afastar a quebra
de isonomia quanto à cumulatividade. E essas demandas, expressamente
autorizadas na Constituição, no artigo 195, parágrafo 9º, não indicam qualquer
privilégio nas concessões dos regimes especiais, quando demonstrada a
incapacidade de apuração de créditos na cadeia de cada setor.
Examinaremos
aqui se se justifica a distinção de tratamento fiscal das sociedades de
serviços advocatícios, entre regimes “cumulativo” e “não cumulativo”,
unicamente com base nos critérios de apuração do “lucro presumido” ou do “lucro
real”, com aplicação restrita a pouco mais de uma dezena de escritórios.
Não se
põe em discussão o caso de incidência tributária das contribuições ao PIS e a
Cofins às sociedades de advogados. O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ser
legítima a cobrança da Cofins de sociedades civis de prestadores de serviço
profissionais, incluídos os escritórios de advocacia. Logo, afastada a Súmula
276 do STJ (As sociedades civis de prestação de serviços profissionais são
isentas da Cofins, irrelevante o regime tributário adotado), pendente apenas a
modulação dos efeitos da decisão, na linha do parecer do professor Luís Roberto
Barroso, para que a cobrança se perfaça unicamente a partir da decisão (vide os
Recursos Extraordinários 563.671, 377.457 e 381.964). Assim, excluída a
demarcação temporal da cobrança da Cofins em relação ao passado, o certo é que
o STF já consolidou entendimento quanto à incidência das contribuições. A
questão gira em torno unicamente do regime.
O
modelo não cumulativo das contribuições ao PIS/Pasep e Cofins foi definido pelas
Leis 10.684/03 e 10.833/03, com as alterações da Lei 10.865/04 e outras, a
partir da Emenda Constitucional 42, de 19 de dezembro de 2003, que passaram a
ter alíquotas das Contribuições ao PIS/Pasep, de 1,65% (no lugar daquela de
0,65% do cumulativo), e, quanto à Cofins, de 7,6% (sobre os 3% cumulativos).
Quanto
ao método de apuração da não cumulatividade, o legislador ficou livre para
empregar a melhor técnica que lhe pareceu para eliminar a superposição de
créditos tributários na cadeia plurifásica, garantindo-se, assim, a carga
tributária não cumulativa (art. 195, § 12, da CF). Mas não só. Constituição
deixou à disposição do legislador autorizar o regime de “cumulatividade”, a
depender da situação de cada pessoa jurídica, segundo os critérios entabulados
no artigo 195, parágrafo 9º da CF.
Numa
síntese, ao exame do artigo 195, I, e parágrafos 9º e 12, a Constituição deixou
ao legislador liberdade para ordenar a base de cálculo e os regimes das
contribuições sobre o faturamento. Com isso, vedam-se tratamentos gravosos
sobre atividades econômicas ou profissionais “equivalentes” (art. 150, II, da
CF), porquanto o critério de diferenciação não tem qualquer licença para ser
discriminatório, ainda que possa variar “em razão da atividade econômica, da
utilização intensiva de mão-de-obra, do porte da empresa ou da condição
estrutural do mercado de trabalho.”
Afastados
na hipótese os casos de utilização intensiva de mão-de-obra e porte da empresa,
o parágrafo 12 do artigo 195 da CF autoriza à “lei” o papel de distinguir a
atividade econômica ou acondição estrutural do mercado de trabalho para
determinar quando as contribuições serão não-cumulativas, sempre mantida a
generalidade em cada uma, para distinguir validamente contribuintes. Assim,
numa interpretação rigorosamente conforme a Constituição, a seleção dos setores
deve acompanhar os critérios constitucionais da atividade econômica ou da
condição estrutural do mercado de trabalho (art. 195, § 9º, CF), que não
poderiam ser afastados na separação dos regimes aplicáveis às pessoas
jurídicas.
E
coloca-se, então, o desafio de saber se regimes especiais fundados na ausência
ou dificuldade de apuração de créditos podem excluir atividades que sabidamente
têm dificuldades equivalentes e, tanto mais, se profissões regulamentadas para
as quais seja vedada a mercancia, como médicos e advogados, que sabidamente não
apropriam créditos em relevância, podem receber da lei tratamentos diferentes.
Em ambos os casos, a resposta será negativa.
A
pessoalidade da tributação é uma das principais justificativas para a
diferenciação de regimes tributários, como prescrito no artigo 145, parágrafo
1º, da CF, autorizada, porém, a discriminaçãoentre os contribuintes que “não”
se encontram em situação equivalente, desde que seja esta uma diferenciação
coerente com a pessoalidade. Portanto, a pessoalidade na demarcação dos regimes
tributários é fundamental para definir tanto a apuração da capacidade
contributiva (individual) quanto os limites da discriminação tributária.
Regime
especial é termo geralmente usado para designar tratamentos específicos e que
refogem ao regime geral do tributo, na formação ou apuração do crédito
tributário, no emprego de obrigações acessórias ou nos controles da
fiscalização.
É pelo
recurso aos chamados regimes especiais que a técnica tributária acomoda o
regime geral do tributo à realidade econômica ou procedimental do tributo os
das práticas administrativas, com vistas à obtenção de maior eficiência na
fiscalização, na arrecadação ou em favor do melhor equilíbrio da distribuição
da carga tributária entre contribuintes, mas sem qualquer efeito de vantagem
competitiva, recomposição de desigualdade ou estímulo, mediante gasto público,
como ocorre com os chamados benefícios ou incentivos fiscais.
Atualmente,
os regimes de tributação do PIS e da Cofins podem ser resumidos nas seguintes
modalidades:
1.
Regime
não cumulativo de apuração — aplicação da técnica da não cumulatividade fundada
nos descontos permitidos (salvo as exceções previstas, repartidas por setores
de atividade);
2.
Regime
especial de apuração — não cumulatividade acompanhada de descontos fixos
definidos por lei, apurados entre incidências e deduções ao longo de uma
cadeia-tipo;
3.
Regime
especial cumulativo de apuração — reserva da manutenção da cumulatividade,
excluído o direito aos descontos, segundo pessoas, setores ou atividades, por
expressa disposição de lei (art. 195, § 9º da CF).
Justamente
para assegurar tratamento conforme à atividade econômica, temos o exemplo do
exercício da profissão médica, na forma de pessoa jurídica. O artigo 21 da Lei
10.865, de 2004, introduziu no artigo 10 da Lei 10.833, de 29 de dezembro de
2003 o seguinte inciso, sob o regime cumulativo: “XIII — as receitas
decorrentes de serviços: a) prestados por hospital, pronto-socorro, clínica
médica, odontológica, de fisioterapia e de fonoaudiologia, e laboratório de
anatomia patológica, citológica ou de análises clínicas; e b) de diálise, raios
X, radiodiagnóstico e radioterapia, quimioterapia e de banco de sangue.” Esta
inclusão vê-se coerente com o que dispõe o parágrafo 9º do artigo 195 da
Constituição e com a forma de atuação dos médicos, haja vista a reduzida
capacidade de absorver créditos dos respectivos custos ou mesmo de gera-los na
cadeia.
Deveras,
não há qualquer diferença com aquilo que se verifica com as sociedades de
advogados, ressalvado que a maioria destas já se encontra sob o regime
cumulativo das contribuições ao PIS e a Cofins, porquanto submetidas ao regime
de “lucro presumido”, à semelhança da maioria das clínicas médicas. O problema,
portanto, é residual e concentra-se naqueles casos que se reservam ao regime de
“lucro real”, numa evidente discriminação e prejuízo à capacidade de
crescimento das demais sociedades, tolhidas que estão na sua capacidade de
expansão.
Para
solucionar este prejuízo à isonomia entre profissões regulamentadas e às quais
é defeso a mercantilidade, de fato, a lei pode perfeitamente distinguir do
“regime geral” de não cumulatividade a inclusão das sociedades de advocacia em
“regime especial” de cumulatividade, como autoriza o artigo 195, parágrafo 9º,
CF.
E foi
assim que a Medida Provisória 575, de 7 de agosto de 2012, na sua redação
aprovada no Congresso, autorizou o regime cumulativo de PIS/Pasep e Cofins às
receitas decorrentes da prestação dos serviços de advocacia, independentemente
do porte do escritório (com ou sem lucro presumido).
Nesta
linha de tratamento, os artigos 2º e 3º da Medida Provisória 575, de 2012,
incluem no artigo 8º da Lei 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e artigo 10 da
Lei 10.833, de 29 de dezembro de 2003, respectivamente, “as receitas
decorrentes dos serviços prestados pelas sociedades de advogados regulamentadas
pela Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994.” Como consta da sua justificativa,
corretamente: “Impõe-se notar que, ao contrário dos setores de indústria e
comércio, as sociedades de advogados prestam serviços exclusivamente com a mão
de obra de seus profissionais, a qual não dá direito a crédito.” Como dito, o
texto foi aprovado pelo Congresso e aguarda a sanção presidencial.
Os
motivos de isonomia são os de maior evidência neste caso. Distribuir,
equitativamente, o custo com a despesa pública é uma virtude dos governantes,
mas, seja qual for o regime adotado, a preservação da pessoalidade e da isonomia
perante a lei, e na lei, é dever incontornável.
A
legitimidade da tributação, com base na justiça tributária, não se perfaz sem
fiel observância do princípio da igualdade. O artigo 150, II, da CF, é uma
garantia expressa para assegurar os sujeitos passivos contra qualquer tipo de
discriminação, como tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em
situação equivalente. Para confirmar se persiste alguma divergência de
tratamento deve-se adotar critério de comparação, pois toda “igualdade” é relativa,
demanda uma comparação para bem determinar o que quer significar “situação
equivalente” em cada caso.
Por
tudo isso, já se percebe a insuficiência do paradoxo da capacidade
contributiva, pois, ao mesmo tempo em que se presta como fundamento para autorizar
o exercício da competência tributária (i), contempla em si mesma o gérmen da
sua proibição, vedado seu exercício em prejuízo da pessoalidade ou da
quantificação segundo a capacidade econômica do sujeito passivo (ii). E isso
vale tanto para a criação do tributo quanto para sua cobrança, quando
verificada a ocorrência do fato tributário previsto em lei, ou seja,
manifestações de capacidade contributiva in abstracto (competência tributária)
e in concreto (capacidade tributária ativa).
Ora,
situação nada “equivalente” é a que se verifica no âmbito das sociedades de
advogados em relação às demais formas de atividades econômicas. Segundo o
Estatuto da OAB, a Lei 8.906/1994, está vedada aos advogados a prática de atos
de comércio. Logo, uma legislação de PIS/Cofins nitidamente direcionada aos
setores de varejo e indústria (quanto à sistemática de aproveitamento de
créditos) não se pode aplicar, de forma idêntica, às sociedades de advogados.
Neste
sentido, não há diferença alguma entre a motivação para autorizar o direito ao
regime especial cumulativo às sociedades de advogados ou clínicas médicas e a
motivação que justifica o regime especial de “crédito presumido” para as
indústrias de produtos alimentícios de origem vegetal e animal, por meio do
artigo 8º, da Lei 10.925/2004, dentre outros. Nestes, mantida a não
cumulatividade, a concessão de crédito presumido restaura o equilíbrio, pois
permite que pessoa jurídica que não teria direito aos créditos ordinários,
possa aproveitar o crédito presumido do PIS/Cofins. Em ambos os casos está a
ausência (cumulativo) ou a dificuldade (presumido) de apuração de créditos nas
etapas anteriores da cadeia.
As
contribuições assinaladas, sabe-se, afetam gravemente a economia e com maior
força os setores produtivos e de prestação de serviços. Daí, por dever de
justiça fiscal, cumpre subordiná-las ao exame do legislador sobre a adoção da
sua forma cumulativa, visando a reduzir o impacto negativo contra as atividades
econômicas, mormente aquelas desprovidas da capacidade de absorção de créditos
na cadeia ou da transferência dos seus custos de forma efetiva, como é o caso
das sociedades de advogados, o que poderá vir a ser corrigido, caso aprovada a
MP 575, de 2012.
Por
tudo isso, a cumulatividade das contribuições ao PIS e a Cofins aplicada às
sociedades de advogados encontra-se em plena conformidade com o texto
constitucional do artigo 195, parágrafo 9º, em razão da atividade econômica dos
contribuintes, pois não se geram créditos relevantes nos custos das atividades
e estas sociedades não transferem a terceiros o ônus tributário na cadeia. E
motivos de isonomia o recomendam, pela adoção do regime especial de
cumulatividade, na equivalência exigida pelo artigo 150, II, da CF, como outras
profissões, como a dos médicos, para as quais a lei veda igualmente a
mercantilidade. Portanto, chega-nos em boa hora a medida adotada, inclusive
como estímulo ao setor dos serviços jurídicos no mercado nacional.
Heleno
Taveira Torres é advogado, professor e livre-docente de Direito Tributário da
Faculdade de Direito da USP, e membro do Comitê Executivo da International
Fiscal Association.
Fonte Revista
Consultor Jurídico, 26 de dezembro de 2012
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