Mais uma vez os contribuintes brasileiros, especialmente os
assalariados, são vítimas da ensandecida fúria arrecadatória do fisco federal.
Com base em acordo espúrio, feito à revelia da vontade e das necessidades do
povo — cujo único representante é o Legislativo — a tabela de retenção do
imposto de renda na fonte tem um “reajuste” de apenas 4,5%, diante de uma
inflação de 5,83% em 2013 pelo IPCA.
A tabela do IRRF é reajustada abaixo da inflação pela 18ª
vez consecutiva! Com isso, acumula-se uma defasagem de 66% , com o que o limite
de isenção, fixado para este ano de 2014 em R$ 1.787,77 deveria ser de pelo
menos R$ 2.839,90. Em 1996 o limite representava o equivalente a 6,55 salários
mínimos. Se tal proporção fosse mantida, hoje só estariam sujeitos à retenção
salários superiores a R$ 4.742,88.
O artigo 6º da CF elenca que os direitos sociais do cidadão
são: saúde, trabalho, educação, moradia, lazer, segurança, proteção à
maternidade e infância, etc. Parece que esse valor , próximo de cinco mil
reais, seja o mínimo necessário para que tais necessidades sejam adequadamente
atendidas em uma pequena família de um casal e duas crianças.
Tais direitos deveriam ser assegurados ao trabalhador
através do pagamento dos seus salários, de forma que fosse mínima ou
inexistente a necessidade de que ele se socorresse dos serviços públicos, pagos
pelos impostos. Estes só poderiam suplementar os custos daquelas necessidades
quando funcionassem como instrumentos de distribuição da riqueza, não como
mecanismos de arrecadação de esforços ou confisco de sacrifícios.
A questão dos impostos no Brasil não se limita às injustiças
do IRRF. Nesse mesmo sistema vemos outras iniquidades, como, por exemplo, a
dedução incorreta de despesas do contribuinte. As despesas com dependentes não
são admitidas corretamente, pois não é razoável supor que alguém consiga manter
um dependente com cerca de R$ 250 por mês ou ainda que a bagatela de R$ 300
possa ser suficiente para sua educação. Algumas despesas hoje não admitidas
como dedução deveriam ser consideradas, como os aluguéis, os juros bancários,
etc. Sem isso, temos uma declaração de imposto de renda fora da realidade, com
prejuízo para a pessoa física.
Também deve ser revisto o sistema tributário, através de
ampla reforma, sem que se permita sobreposição de tributos. Este é o caso do
ICMS e do IPI que, sendo ambos impostos indiretos sobre o consumo, não podem
coexistir num sistema que se pretenda moderno. Numa eventual reforma
tributária, apenas o ICMS deveria permanecer, como tributo estadual não
cumulativo. O Imposto de Renda permaneceria federal, sem, contudo, sua receita
ser repartida com estados e municípios, como hoje ocorre. Estes, com administração
própria, deveriam arrecadar e administrar seus próprios tributos.
Sem uma profunda reforma tributária, continuaremos
assistindo espetáculos grotescos de prefeitos e mesmo governadores
apresentarem-se de pires ou chapéu na mão à custa de favores que lhes são
oferecidos com os recursos de seu próprio povo. Isso não é democracia. E mais:
nega qualquer noção que se possa ter de Justiça Tributária, pois neste quadro
aquele que paga tributos não precisa pedir o que lhe pertence, pois saberá
exigi-lo.
Também fazem parte das velhas injustiças os péssimos
exemplos de mau uso do dinheiro público. Não só os desvios criminosos em
operações típicas de delinqüentes, mas também quando não são observadas as
hierarquias das necessidades sociais. Exemplos disso são os gastos exagerados
com festas públicas, pagando-se avultadas somas a artistas, enquanto o povo
sente no seu cotidiano a falta de atendimentos de suas necessidades mais
elementares. Falta dinheiro para a merenda escolar, para os medicamentos, para
o transporte, mas não falta para a festa que lota praças onde milhares de
alucinados deixam-se enganar nessa grande fantasia de pão e circo. Isso precisa
mudar!
Raul Haidar é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente
do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial
da revista ConJur.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 6 de janeiro de 2014
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