As empresas que praticarem crimes contra a administração
pública poderão ser punidas judicialmente com penalidades mais severas a partir
de 1º de fevereiro. A chamada lei anticorrupção, sancionada pela presidente
Dilma Rousseff em agosto do ano passado, promete caçar o bolso das pessoas
jurídicas que fraudarem uma licitação, por exemplo, ou que oferecerem vantagem
indevida a agentes públicos. As multas poderão chegar a 20% do faturamento das
instituições. Caso não seja possível utilizar o critério do lucro, o valor pode
chegar a R$ 60 milhões. De acordo com a Controladoria-Geral da União (CGU), a
regulamentação da lei deverá ser concluída até o fim deste mês.
O texto da lei trata especificamente da responsabilização
administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a
administração pública. É a primeira lei do país que aborda o tema de maneira
ampla. Agora, em vez de se punir somente o agente público, também estão na mira
as entidades que se envolverem em atividades fraudulentas. O Estado se
limitava, muitas vezes, a declarar a inidoneidade da empresa para que ela
deixasse de receber recursos públicos. A partir do mês que vem, as punições
serão maiores.
A legislação prevê um capítulo sobre acordo de leniência que
pode beneficiar ambas as partes. Quanto mais a empresa acusada cooperar com as
investigações, mais ela terá redução de pena. É uma espécie de delação premiada
que pode auxiliar os trabalhos de apuração policial e impedir que o processo se
arraste por muito tempo na Justiça.
"Essa lei é um grande avanço, porque o principal é que
as empresas serão punidas. Antes, agentes públicos eram penalizados e as
empresas, não. Isso deve mudar o comportamento delas, que deverão fazer códigos
de conduta internos, por exemplo", avalia a coordenadora de Projetos do
Transparência Brasil, Natália Paiva. Ela ressalta que a demora da Justiça
brasileira e a ampla possibilidade de recursos por parte dos acusados pode
reduzir a eficácia da lei. "É um problema de fundo que existe. Com
dinheiro, as empresas contratam grandes advogados para recursos
infinitos", afirma.
Fraudes
A responsabilização da pessoa jurídica não excluirá a
responsabilidade individual dos dirigentes ou administradores, que serão
punidos pelos atos ilícitos eventualmente cometidos na medida da sua
culpabilidade. Empresas que manipularem ou fraudarem o equilíbrio
econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública ou
que dificultarem atividade de investigação ou fiscalização de órgãos ou agentes
públicos estão na mira da lei. Além disso, atos lesivos praticados por qualquer
empresa brasileira contra a administração pública estrangeira, ainda que
cometidos no exterior, também estarão sujeitos às penalidades da lei.
Pelo texto, no âmbito judicial, as instituições poderão ser
punidas com a perda dos bens, suspensão ou interdição parcial das atividades,
dissolução compulsória e proibição de receber incentivos e empréstimos de
instituições financeiras públicas por até cinco anos. Caberá aos órgãos de
representação judicial do Estado e ao Ministério Público ajuizarem a ação.
"Essa lei é um grande avanço, porque o principal é que
as empresas serão punidas. Antes, agentes públicos eram penalizados e as
empresas, não. Isso deve mudar o comportamento delas, que deverão fazer códigos
de conduta internos, por exemplo" Natália Paiva, coordenadora de Projetos
do Transparência Brasil
O que diz a lei
De acordo com a Lei n° 12.846/2013, as empresas passarão,
legalmente, a serem punidas judicialmente por crimes que praticarem contra a
administração pública. A norma passa a vigorar a partir de 1º de fevereiro. A
lei, que foi encaminhada pelo Executivo e aprovada no Congresso Nacional antes
da sanção presidencial em agosto do ano passado, determina a responsabilização
administrativa e civil de empresas pela prática de atos contra a administração
pública. Chamada de lei anticorrupção, determina multas que podem chegar a R$
60 milhões ou mais (a depender do faturamento da entidade) e sanções contra as
empresas que forem denunciadas por fraudes em licitações, por exemplo. Elas
podem ficar dissolvidas compulsoriamente, terem as atividades suspensas e ainda
ficarem cinco anos sem receber incentivos e empréstimos de instituições
financeiras públicas. Os dirigentes e empregados das empresas flagrados cometendo
crimes contra a administração pública ainda respondem judicialmente, de forma
individual.
Três perguntas para Carlos Higino, ministro interino da
Controladoria-Geral da União (CGU)
A lei, de fato, pode minimizar o sentimento de impunidade
por parte das empresas?
Acreditamos que sim, principalmente porque as penalidades
vão ficar pesadas contra empresas que praticarem atos corruptos. Há um rol de
condutas muito maior. Hoje, o instrumento possibilita pegar empresas com
contratos com a administração pública e as deixarem proibidas de serem
contratadas. Só tinha isso. Agora, além de impedir de contratar, há ainda, na
via administrativa, a aplicação de multas que podem chegar a 20% do faturamento
da empresa. Na via judicial, as empresas poderão ficar impedidas de obterem
créditos financeiros e ainda serem extintas. Antes da lei, a administração
pública podia impedir de contratar apenas quem tinha contrato. Com a nova lei,
várias outras situações passam a ser passíveis de aplicação.
A lentidão da Justiça e as várias possibilidades de recurso
por parte dos acusados não prejudicam a eficácia da lei?
A nova lei traz uma
filosofia de reduzir as punições se houver colaboração de empresas e
aumentá-las se não houver cooperação. É semelhante ao conceito de delação
premiada, que é muito do direito americano. Digamos que a empresa tenha
praticado ato de corrupção. Se ela colaborar com as investigações, as
penalidades terão grande redução. Se não colaborar, paga integralmente uma
multa, por exemplo. Há na lei o acordo de leniência, que ajuda a trazer provas
e fatos para esclarecer as questões. É uma das poucas leis que trabalham com a
colaboração. Acredito que conseguimos resolver vários problemas via acordo de
leniência e evitar um conflito. Hoje, adiar uma decisão é vantagem para as
empresas. Agora, haverá a possibilidade de colaborar mais.
Quando o governo pretende regulamentar a lei?
A ideia é regulamentar a lei até o fim de janeiro por meio
de um decreto regimental. Existiam leis muito menos fortes que essa (em que
empresas podem ser punidas), como a de improbidade administrativa, mas não têm
o alcance que essa tem. Nenhuma delas tinha essa sanção de impedir
financiamentos de bancos públicos, por exemplo. A multa contra a corrupção é
muito pesada. A lei ainda pune o suborno transnacional: uma empresa brasileira
que pagar propina lá fora pode ser punida aqui. A lei coloca o Brasil no
patamar de países desenvolvidos no combate à corrupção. O foco é no corruptor.
Já trabalhamos muito tempo com foco no corrupto, avançamos nisso. Mas temos de
avançar na outra ponta também.
Fonte: Correio Braziliense
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