Enquanto o Poder Legislativo discute as modificações no
Código de Processo Civil (CPC), o Poder Judiciário avança na aplicação de uma
lei que ficou ultrapassada. A Lei 5.869, que é o atual CPC, também chamado de
Código Buzaid, foi promulgada em 1973, em uma época que nem sequer se pensava
em processo eletrônico.
Desde a Constituição de 1988, o cidadão passou a buscar cada
vez mais os seus direitos e o Judiciário registrou grandes evoluções. O próprio
presidente da comissão encarregada de propor soluções para um novo Código,
ministro Luís Fux, apontou em relatório apresentado ao Congresso que as
mudanças ao longo dos anos fragmentaram a coesão das normas processuais.
Um código coeso é necessário, mas enquanto a alteração legal
não chega, a jurisprudência do STJ norteia a evolução processual.
Entre os temas em discussão no Congresso, alguns ainda
pendentes de votação, estão aqueles que determinam que os honorários
advocatícios possuam natureza alimentar, o tratamento igualitário com a Fazenda
Pública, o fim da compensação de honorários e sua percepção pela pessoa
jurídica e modificações no regime de pensão alimentícia. O STJ enfrenta com
frequência todos esses temas.
Advogado público
Diversos pontos polêmicos já vêm sendo tratados pelo STJ em
sua jurisprudência. Quanto à discussão de honorários, o STJ tem entendimento de
que tanto os honorários contratuais como os sucumbenciais (AgRg no AResp
38.7601) têm natureza alimentar. O novo CPC deve seguir nesse rumo. A
jurisprudência aponta também no sentido de que eles são impenhoráveis (REsp
1.336.036).
Outro ponto polêmico que ainda não está definido pelos
parlamentares é a possibilidade de advogados públicos receberem honorários por
sua participação no processo, uma reivindicação da Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB). Conforme o STJ, em um dos inúmeros recursos julgados sobre a
matéria, não é possível o recebimento de honorários por advogados públicos.
O assunto está em discussão na Câmara. Na análise de um
recurso de São Paulo, a Segunda Turma decidiu que a Defensoria Pública é órgão
do Estado e, por isso, é incabível recolher honorários sucumbenciais
decorrentes de condenação contra a Fazenda Pública em causa patrocinada pelo
defensor (REsp 1.395.322).
Em outro caso, o STJ firmou o mesmo posicionamento. No
julgamento de recurso do Rio Grande do Sul, de relatoria do ministro Mauro
Campbell Marques, os ministros concluíram que honorários advocatícios de
sucumbência não constituem direito autônomo do procurador judicial quando
vencedora a administração pública.
Isso vale para a administração direta da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios, ou as autarquias, as fundações
instituídas pelo Poder Público, as empresas públicas, ou as sociedades de
economia mista, visto que integram o patrimônio público da entidade (REsp
1.213.051).
Para o STJ, quando a administração pública direta ou
indireta for vencedora em uma demanda judicial, os honorários advocatícios
sucumbenciais a serem pagos pela parte vencida pertencem ao poder público e não
ao advogado público que atuou na causa (AgRg no REsp 1.172.069).
Ações coletivas
Os objetivos do novo CPC são estar em sintonia com a
Constituição, criar condições para que o juiz possa julgar conforme a realidade
da causa, simplificar o sistema atual, dar o rendimento possível a cada
processo e garantir maior coesão das normas.
O presidente da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, afirmou
em palestra proferida no STJ sobre o tema “Por um novo Código de Processo
Civil”, no X Seminário Ítalo-Ibero-Brasileiro de Estudos Jurídicos, que a
tutela coletiva foi um grande avanço nos termos de resolução de conflitos. E o
novo código deve avançar ainda mais nesse sentido.
A Segunda Seção tem algumas decisões que asseguram
prioridade ao processo coletivo. Em um recurso julgado, os ministros decidiram
que, ajuizada a ação coletiva atinente à lide geradora de recursos múltiplos,
suspendem-se as ações individuais, até que as coletivas sejam julgadas.
Foi o que ocorreu, por exemplo, no julgamento de um recurso
em que se discutia o piso salarial nacional para os professores da educação
básica. Tramitavam, no caso, ações individuais concomitantes a ação civil
pública proposta elo Ministério Público do Rio Grande do Sul. A prioridade de
julgamento foi para a ação civil pública (REsp 1.110.549).
Uma proposta para o novo CPC prevê que pedidos que tratem de
interesse de um grupo poderão ser convertidos em ação coletiva, sendo que a
decisão será aplicada a todos.
Matérias de ordem pública
As matérias de ordem pública no projeto do CPC ganham
especial relevo. Marcus Vinicius aponta que, atualmente, um magistrado pode
conhecer uma matéria ex-officio como de ordem pública, sem intimar as partes,
fazendo com que essas se surpreendam com uma causa não discutida no processo. O
projeto do novo código estabelece que, mesmo em matéria de ordem pública, o
juiz deve primeiro intimar as partes para, depois, proferir sua decisão.
O STJ vem entendendo em matéria de ordem pública que,
ausente o prequestionamento, é inviável o exame do tema trazido a julgamento se
não foi alvo de debate nas instâncias ordinárias (AgRg no AResp 275.845). Em um
recurso no qual se discutia direitos de uma cooperativa e a ocorrência de
prescrição intercorrente, a Turma não analisou questões por não terem sido
discutidas no Tribunal de origem.
O ministro Napoleão Nunes Maia Filho lembrou que as questões
de ordem pública, apreciáveis de ofício nas instâncias ordinárias, devem ser
prequestionadas, a fim de se viabilizar sua apreciação na instância superior.
Desconsideração da pessoa jurídica
Questões debatidas no projeto de reforma do CPC e
frequentemente suscitadas no STJ são as que discutem a teoria dinâmica da
prova, a modulação de efeitos das decisões do STJ e a relativa ao incidente de
desconsideração da pessoa jurídica.
A desconsideração da pessoa jurídica é uma prática em que o
magistrado determina a separação patrimonial existente entre o capital de uma
empresa e o patrimônio de seus sócios para efeitos de determinada obrigação.
Marcus Vinicius aponta que, atualmente no direito
brasileiro, o julgador muitas vezes avança nos bens do sócio de uma pessoa,
desconsiderando que esses tenham direito de defesa. No novo código, há previsão
de que eles venham aos autos e demonstrem que não efetuaram gestão temerária.
Quanto a esse tema, o STJ tem o posicionamento de que a
aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica dispensa ação
autônoma. Verificados os pressupostos de sua incidência, o juiz pode,
incidentalmente, no próprio processo de execução – singular ou coletivo –,
levantar o “véu” da personalidade jurídica para que o ato de expropriação
atinja os bens particulares dos sócios.
O sócio alcançado pela desconsideração da personalidade
torna-se, então, parte do processo, e assim está legitimado a interpor, perante
o juízo de origem, os recursos tidos por cabíveis, visando à defesa de seus
direitos (RMS 16.274).
Teoria dinâmica do ônus da prova
A teoria dinâmica do ônus da prova que foi apreciada no
âmbito do STJ existe em alguns países do mundo e está relacionada à ideia de
que o responsável para produzir a prova é aquele que está mais em condições de
fazê-lo.
No Brasil, a teoria está prevista no artigo sexto, inciso
VIII, do Código de Defesa do Consumidor (CDC). A ideia inserida na proposta do
novo CPC é torná-la uma regra processual corrente. O STJ já tem o entendimento
de que essa teoria se aplica ao processo de execução da dívida ativa
tributária.
A ementa de um julgado diz que “não viola a presunção legal
de certeza da dívida inscrita, podendo o juiz impor o ônus sobre quem esteja em
condições de produzi-la com menos inconveniente, dispêndio ou demora” (REsp
95.865).
Pensão alimentícia
Uma questão polêmica que traz apreensão entre os
parlamentares na votação do novo CPC diz respeito ao regime para cumprimento da
pena relativa à pensão alimentícia.
Ainda sem consenso, a proposta aumenta de três para dez
meses o prazo para pagamento da dívida e alivia o regime fechado para o
semiaberto.
O STJ, em 2004, assegurou, pela primeira vez, prisão
domiciliar a um devedor de pensão alimentícia. Levando em consideração as
circunstâncias do caso concreto, a Terceira Turma, em decisão unânime, concedeu
habeas corpus a um aposentado de Capão da Canoa, no Rio Grande do Sul, para lhe
garantir o direito de cumprir no próprio domicílio a pena de prisão civil que
lhe foi imposta por inadimplemento de pensão alimentícia.
A jurisprudência do STJ em matéria de prisão civil foi
sempre orientada no sentido da manutenção do regime prisional fechado. Pesou na
decisão da Terceira Turma o fato de o aposentado ter 73 anos de idade e vários
problemas de saúde, como hipertensão e diabetes, além de, em consequência
desta, haverem surgido outras complicações como cegueira e surdez, tendo
necessidade de aplicação diária de insulina (HC 35.171).
A proposta do novo CPC é que o regime inicial em casos de
inadimplência seja o semiaberto, para permitir o trabalho externo e o
consequente pagamento da dívida. A bancada feminina no Congresso, no entanto,
acredita que essa flexibilização estimularia a inadimplência.
Modulação de efeitos
A proposta de um novo CPC prevê ainda que os tribunais
superiores terão obrigação de modular efeitos quando emitirem uma decisão que
venha contrariar suas jurisprudências. Em determinadas decisões, que podem vir
a causar insegurança jurídica, o colegiado deve dizer a partir de quando a
decisão vigorará, assim como ocorre com o Supremo Tribunal Federal (STF).
O Tribunal da Cidadania já vem proferindo algumas decisões
em que admite a modulação de efeitos. O mecanismo da modulação, segundo
especialistas, visa evitar efeitos indesejáveis de uma decisão judicial, como a
anulação de situações jurídicas consolidadas, com prejuízos econômicos ou
sociais.
No STJ, a matéria foi analisada para limitar o impacto de
uma mudança de jurisprudência da Corte, no caso da disputa do crédito-prêmio de
Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
Nesse julgamento, a Primeira Seção entendeu que o
crédito-prêmio do IPI, instituído pelo Decreto-Lei 491/1969, está extinto desde
1990, conforme dispõe o parágrafo 1º do artigo 41 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias (ADCT). O entendimento foi firmado em 27 de junho
de 2007, quando os ministros encerraram o julgamento sobre o tema.
A decisão, por maioria de votos, seguiu o entendimento do
relator, ministro Teori Albino Zavascki. A questão central da disputa já havia
sido encerrada em 14 de junho daquele ano. O resultado ainda não havia sido
proclamado porque o relator decidiu reapreciar o caso diante da proposta de
modulação apresentada em voto-vista pelo ministro Herman Benjamim (EREsp
771.184; EREsp 738.689).
Ação rescisória
Uma mudança que pode ocorrer no atual CPC é quanto ao prazo
para a interposição da ação rescisória e suas hipóteses. O artigo 485 do código
em vigor prevê nove hipóteses para rescindir uma sentença transitada em
julgado, entre elas, quando se verificar que a sentença foi dada por
prevaricação, concussão ou corrupção do juiz.
Atualmente é de dois anos o prazo para ajuizar ação
rescisória. A proposta pretende reduzir o prazo para um ano e reconhecer mais
uma hipótese, que, inclusive, é proposição já decidida em recurso pelo STJ.
A Quarta Turma entendeu no julgamento de um recurso que a
sentença rebelde – que desconsidera jurisprudência sumulada do STJ – pode ser
desconstituída em rescisória. Para a Turma, a recalcitrância judiciária não
pode ser referendada em detrimento da segurança jurídica, da isonomia e da
efetividade da jurisdição (REsp 1.163.267).
O novo texto deve considerar a Súmula 401 do Tribunal, que
dispõe que o prazo decadencial só se inicia quando não for cabível qualquer
recurso do último pronunciamento judicial (REsp 1.110.924).
A comissão responsável pelo novo CPC propõe que o termo
inicial para rescisória, no caso de obtenção de prova nova, não pode coincidir
com o trânsito da decisão rescindenda, devendo ser contado a partir da
descoberta desta prova.
Tramitação
A proposta do novo código está dividida em cinco partes: uma
parte geral, em que se trata dos princípios; uma segunda parte, relativa ao
cumprimento e conhecimento da sentença; uma terceira parte, que traz procedimentos
especiais como a tramitação de ações como divórcio e guarda de filhos; uma
quarta, referente à execução; e a quinta parte, que trata dos recursos.
O PLS 166/10 foi votado no Senado e encaminhado à Câmara dos
Deputados, com o número de PL 8.046/10. Até o final do ano passado, ainda
estavam pendentes destaques de pontos polêmicos, como a mudança de regime no
cumprimento da pena por inadimplemento de pensão alimentícia.
Tão logo a Câmara finalize a apreciação do texto, o projeto
volta para o Senado, para que os senadores analisem as alterações feitas.
Confira algumas modificações sugeridas para o CPC:
• Ordem cronológica de julgamentos;
• Incidência de resolução de demandas repetitivas com prazo
para serem julgadas;
• Implantação de centros de conciliação nos diversos
tribunais;
• Férias de advogados;
• Direito de defesa do sócio na desconsideração da pessoa
jurídica;
• Intimação necessária quando a matéria é conhecida
ex-officio como de ordem pública;
• Modulação de efeitos para o STJ;
• Prazos contados em dias úteis;
• Custo do processo para quem provocou a demanda e não para
quem perdeu a causa;
• Igualdade entre Fazenda e particular;
• Simplificação de procedimentos. Em vez da dicotomia entre
procedimento sumário e ordinário, o rito comum para todos os processos;
• Suficiência dos embargos de declaração para prequestionar
matéria recorrida;
• Testemunhas arroladas na inicial e na contestação e não
nos dez dias anteriores à audiência;
• Aplicação da teoria dinâmica do ônus da prova;
• Flexibilização das regras relativas ao inadimplemento de
pensão alimentícia;
• Honorários de sucumbência para advogados públicos;
• Impedimento para juízes, quando parentes até terceiro
grau, atuar no processo;
• Flexibilidade para que juízes e partes fixem calendário
para determinadas práticas processuais;
• SPC para devedor judicial.
Fonte: STJ.
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