Para a maioria das pessoas, gera desconforto prestar fiança
a amigos ou parentes. Não é pra menos. Ser a garantia da dívida de alguém é
algo que envolve riscos. Antes de afiançar uma pessoa, é preciso ficar atento
às responsabilidades assumidas e, sobretudo, à relação de confiança que se tem
com o afiançado. Afinal, não são poucas as histórias de amizades e relações
familiares rompidas que começaram com um contrato de fiança.
Prova disso são os casos envolvendo fiança que chegam ao
Superior Tribunal de Justiça (STJ). Impasses que levaram a uma expressiva
coletânea de precedentes e à edição de súmulas.
A fiança é uma garantia fidejussória, ou seja, prestada por
uma pessoa. Uma obrigação assumida por terceiro, o fiador, que, caso a
obrigação principal não seja cumprida, deverá arcar com o seu cumprimento.
Ela tem natureza jurídica de contrato acessório e
subsidiário, o que significa que depende de um contrato principal, sendo sua
execução subordinada ao não cumprimento desse contrato principal pelo devedor.
Fiança não é aval
É importante não confundir fiança e aval. Apesar de também
ser uma garantia fidejussória, o aval é específico de títulos de crédito, como
nota promissória, cheque, letra de câmbio. A fiança serve para garantir
contratos em geral, não apenas títulos de crédito.
O aval também não tem natureza jurídica subsidiária, é
obrigação principal, dotada de autonomia e literalidade. Dispensa contrato,
decorre da simples assinatura do avalista no titulo de crédito, pelo qual passa
a responder em caso de inadimplemento do devedor principal.
Entrega das chaves
Em um contrato de aluguel, portanto, o proprietário do
imóvel exigirá um fiador, não um avalista e, até a entrega das chaves, será ele
a segurança financeira da locação do imóvel.
Essa “entrega das chaves”, no entanto, tem gerado muita
discussão nos tribunais, sobretudo nas execuções contra fiadores em contratos
prorrogados, sem a anuência destes.
O enunciado da Súmula 214 do STJ diz que “o fiador na
locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não
anuiu”. Em contratos por prazo determinado, então, não poderia haver
prorrogação da fiança sem a concordância do fiador, certo? Depende.
Nessas situações, a jurisprudência do STJ disciplina que,
existindo no contrato de locação cláusula expressa prevendo que os fiadores
respondem pelos débitos locativos, até a efetiva entrega do imóvel, subsiste a
fiança no período em que o referido contrato foi prorrogado, mesmo sem a
anuência do fiador (AREsp 234.428).
No julgamento do Recurso Especial 1.326.557, entretanto, o
ministro Luis Felipe Salomão, relator, destacou que esse entendimento vale
apenas para contratos firmados antes da nova redação conferida ao artigo 39 da
Lei 8.245/91 (Lei do Inquilinato), introduzida pela Lei 12.112/ 09.
De acordo com o dispositivo, “salvo disposição contratual em
contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução
do imóvel, ainda que prorrogada a locação por prazo indeterminado, por força
desta Lei”. Ou seja, para que a fiança não seja prorrogada automaticamente, é
necessário que no contrato esteja especificado que o fiador ficará isento de
responsabilidade na hipótese de prorrogação do contrato.
“Diante do novo texto legal, fica nítido que, para contratos
de fiança firmados na vigência da Lei 12.112/09 – pois a lei não pode retroagir
para atingir pactos anteriores à sua vigência –, salvo pactuação em contrário,
o contrato de fiança, em caso de prorrogação da locação, por prazo
indeterminado, também prorroga-se automaticamente a fiança, resguardando-se,
durante essa prorrogação, evidentemente, a faculdade de o fiador exonerar-se da
obrigação, mediante notificação resilitória”, explicou Salomão.
Notificação resilitória
O Código Civil de 2002 também trouxe mudanças em relação à
exoneração do fiador. Enquanto o Código de 1916 determinava que a exoneração
somente poderia ser feita por ato amigável ou por sentença judicial, o novo código
admite que a fiança, sem prazo determinado, gera a possibilidade de exoneração
unilateral do fiador.
Para que isso aconteça, o fiador deve notificar o credor
sobre a sua intenção de exonerar-se da fiança. A exoneração, contudo, não é
imediata. De acordo com a nova redação da Lei 8.245/91, o fiador fica obrigado
por todos os efeitos da fiança durante 120 dias após a notificação do credor.
Neste caso, o locador notifica o locatário para apresentar nova garantia
locatícia no prazo de 30 dias, sob pena de desfazimento da locação.
Novo fiador
Além dos casos de exoneração, o locador também pode exigir a
troca do fiador nas seguintes situações: morte do fiador; ausência, interdição,
recuperação judicial, falência ou insolvência do fiador declarados judicialmente;
alienação ou gravação de todos os bens imóveis do fiador ou sua mudança de
residência sem comunicação do locador e também ao final de contratos por tempo
determinado.
Foi o que aconteceu no julgamento do Recurso Especial
902.796, contra uma ação de despejo. Ao término do contrato de aluguel, por
prazo determinado e sem previsão de prorrogação, o locador exigiu a
apresentação de novo fiador, mas a providência solicitada não fui cumprida.
O locatário argumentou que “não cometeu qualquer falta contratual
capaz de suscitar a rescisão e o consequente despejo. Isso porque, em sendo a
avença prorrogada por tempo indeterminado, não haveria para ele, ainda que
instado a tanto pela locadora, qualquer obrigação de apresentar novo fiador”,
que estaria responsável pela garantia do imóvel até a entrega das chaves.
A ministra Laurita Vaz, relatora, negou provimento ao
recurso sob o fundamento de que, sendo a fiança ajustada por prazo certo, “há
expressa previsão legal – artigo 40, inciso V, da Lei 8.245/91 –, a permitir ao
locador que exija a substituição da garantia fidejussória inicialmente
prestada, notificando o locatário desse propósito e indicando-lhe prazo para o
cumprimento”.
Outorga uxória
O locador também deve ficar atento às formalidades da lei no
que diz respeito à outorga uxória do fiador. A outorga uxória é utilizada como
forma de impedir a dilapidação do patrimônio do casal por um dos cônjuges. Por
isso, a fiança prestada sem a anuência do cônjuge do fiador é nula. É
exatamente daí que vem o enunciado da Súmula 332 do STJ: “Fiança prestada sem
autorização de um dos cônjuges implica a ineficácia total da garantia.”
No julgamento de Recurso Especial 1.095.441, no entanto, a
Sexta Turma relativizou o entendimento. No caso, o fiador se declarou separado,
mas vivia em união estável. Na execução da garantia do aluguel, sua companheira
alegou a nulidade da fiança porque não contava com sua anuência, mas os
ministros entenderam que permitir a anulação seria beneficiar o fiador, que
agiu de má-fé.
“Esse fato, ao que se pode depreender, inviabiliza, por si
só, a adoção do entendimento sumulado por esta Casa, pois, do contrário, seria
beneficiar o fiador quando ele agiu com a falta da verdade, ao garantir o
negócio jurídico”, disse o ministro Og Fernandes, relator.
O ministro observou também que a meação da companheira foi
garantida na decisão, o que, segundo ele, afasta qualquer hipótese de
contrariedade à lei.
Fiança e morte
A outorga uxória vincula o cônjuge até mesmo com a morte do
fiador. De acordo com a jurisprudência do STJ, a garantia, que foi prestada
pelo casal, não é extinta com o óbito, persistindo seus efeitos em relação ao
cônjuge (REsp 752.856).
O mesmo não acontece, entretanto, se o locatário morre.
Nesse caso, débitos advindos depois do falecimento, não são direcionados ao
fiador.
“É firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no
sentido de que, por ser contrato de natureza intuitu personae, porque importa a
confiança que inspire o fiador ao credor, a morte do locatário importa em
extinção da fiança e exoneração da obrigação do fiador”, explicou o ministro
Arnaldo Esteves de Lima no julgamento do Agravo de Instrumento 803.977.
No caso apreciado, depois do falecimento do locatário, a
cônjuge permaneceu no imóvel com as filhas. O locador moveu execução contra a
fiadora, mas o tribunal de origem entendeu que o falecimento pôs fim à
obrigação desta e o STJ confirmou a decisão.
Benefício de Ordem
Se, todavia, nos embargos à execução não puder ser invocada
a ausência de outorga uxória ou mesmo a morte do locatário, poderá o fiador
lançar mão do Benefício de Ordem.
O Benefício de Ordem é o direito que se garante ao fiador de
exigir que o credor acione primeiramente o devedor principal. Isto é, que os
bens do devedor sejam executados antes dos seus.
No entanto, o fiador não poderá se aproveitar deste
benefício se no contrato de fiança estiver expressamente renunciado ao
benefício; se declarar-se como pagador principal ou devedor solidário; ou se o
devedor for insolvente ou falido.
Não adianta nem mesmo alegar que a cláusula de renúncia é
abusiva, como foi feito no Recurso Especial 851.507, também de relatoria do
ministro Arnaldo Esteves de Lima.
"Enquanto disposta de forma unilateral – característica
do contrato de adesão – é abusiva e criadora de uma situação de extrema
desvantagem para o polo hipossuficiente da relação contratual firmada, qual
seja a locatária e seu fiador, impossibilitados de discutir ou de alterar
quaisquer cláusulas do contrato objeto da execução”, alegou a defesa.
A irresignação não prosperou porque, segundo o relator, a
renúncia ao Benefício de Ordem prevista é expressamente autorizada pelo artigo
828 do Código Civil.
Bem de família
É importante atentar também que, uma vez assumida a
obrigação de fiador, não será possível alegar impenhorabilidade de bens na
execução, ainda que se trate de seu único imóvel, ou seja, o bem de família.
Foi o que aconteceu no julgamento do Recurso Especial
1.088.962, de relatoria do ministro Sidnei Beneti. No caso, o tribunal de
origem considerou o imóvel como bem de família e afastou a penhora, mas o
acórdão foi reformado.
“Destaca-se que o Supremo Tribunal Federal, em votação
plenária, proferiu julgamento no Recurso Extraordinário 407688, segundo o qual
o único imóvel (bem de família) de uma pessoa que assume a condição de fiador
em contrato de aluguel pode ser penhorado, em caso de inadimplência do
locatário”, justificou o ministro.
A medida está amparada no artigo 3º da Lei 8.009/90, que
traz expresso: “A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução
civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se
movida por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.”
No julgamento do Recurso Especial 1.049.425, o ministro
Hamilton Carvalhido, relator, chegou a manifestar sua opinião sobre a
inconstitucionalidade da lei, mas, diante do entendimento do STF que considerou
constitucional a penhora e da jurisprudência do STJ, votou conforme o
entendimento firmado, mesmo sem concordar.
“A meu sentir, fere o princípio constitucional de igualdade,
não podendo prevalecer, ainda mais quando, por norma constitucional posterior à
lei, firmou-se o caráter social da moradia. Este Tribunal, entretanto,
acompanhando a decisão da Corte Suprema, tem assentado a regularidade da
aludida exceção, inclusive para os contratos de aluguel anteriores à vigência
da Lei nº 8.245/91”, apontou Carvalhido.
Fonte:STJ
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