Foram infrutíferas as tentativas de interpretações
legislativas para transformar a elisão fiscal, e, consequentemente, o
planejamento tributário, em prática ilegal, tais como as teses de abuso de
direito, fraude à lei, abuso da forma e falta de propósito negocial.
Sumário: INTRODUÇÃO. I – BREVE ANÁLISE DO SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL.
II -
LIMITAÇÕES AO PODER DE TRIBUTAR DO ESTADO. III -DIREITOS E DEVERES DO CONTRIBUINTE NA
RELAÇÃO TRIBUTÁRIA. 3.1 DEVERES DO CONTRIBUINTE. 3.2 DIREITOS DO CONTRIBUINTE.
IV - DA EVASÃO FISCAL. V - DA
ELISÃO FISCAL. 5.1 DAS LIMITAÇÕES À ELISÃO FISCAL. 5.1.1 DA NORMA GERAL
ANTIELISÃO. 5.1.2 DO ABUSO DE DIREITO. 5.1.3 DA FRAUDE À LEI. 5.1.4 DO ABUSO DA
FORMA. 5.1.5 DA FALTA DE PRÓPÓSITO NEGOCIAL. VI - O PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO. VII - ALGUMAS
DECISÕES DOS TRIBUNAIS REGIONAIS FEDERAIS SOBRE O PLANEJAMENTO TRIBUTARIO.
CONCLUSÃO. BIBLIOGRAFIA.
INTRODUÇÃO
Em um mundo capitalista e cada vez mais globalizado, as
empresas precisam constantemente aperfeiçoar seus meios de produção, de forma a
sempre oferecer ao consumidor um produto de melhor qualidade e por um menor
custo.
Muito mais que uma vontade, o aperfeiçoamento dos produtos é
uma necessidade vital das empresas. Por isso, é constante a busca de
alternativas para manter a competitividade.
No Brasil, o custo de produção sofre uma grande influência
da carga tributária imposta pelo Estado. Como é sabido, a carga tributária
brasileira está entre as mais pesadas do mundo.
É indiscutível que essa elevada carga tributária dificulta
nossa produção. Não é raro ver empresas com dificuldades de negociar seus
produtos em virtude da elevadíssima carga tributária.
Para as empresas exportadoras a situação é ainda mais
complicada, pois a alta carga tributária encarece nosso produto, dificultando
(ou até impossibilitando) a concorrência com produtos de países com carga
tributária menor.
Diante desse cenário, as empresas estão sempre em busca de
soluções para diminuir a incidência tributária sobre seus produtos.
Nos últimos anos, o empresariado vem lutando por uma reforma
legislativa que diminua a tributação sobre os produtos e serviços. Todavia,
nosso legislativo mantém os projetos de desoneração tributária engavetados.
Encarando a reforma tributária como uma verdadeira utopia, o
empresariado tem visto o planejamento tributário como a solução mais viável
para a desoneração de seus produtos.
Através do planejamento tributário, as empresas buscam
alternativas de produção que impliquem em menor incidência tributária.
Como essa sistemática representa queda na arrecadação, o
Fisco não vê com bons olhos o planejamento tributário e tenta impedir, de
várias formas, essa prática.
As chamadas normas antielisão fazem parte dessa tentativa do
Fisco de impedir que o contribuinte busque opções para diminuir a carga
tributária incidente sobre seus produtos.
Dentro desse cenário, que estabelece um verdadeiro confronto
entre os direitos dos contribuintes e o direito do Estado de exigir o pagamento
de tributos, foi desenvolvido o presente trabalho, através do qual se estudará
a legalidade do planejamento tributário.
Através do método bibliográfico de pesquisa, que se utiliza
da análise de Fontes de Direito mediatas e imediatas, ou seja, da legislação
pátria, doutrina e jurisprudência, fazer-se-á uma análise dos direitos e
deveres do contribuinte, com objetivo de delimitar seus limites dentro da
relação tributária.
Em seguida, fazer-se-á uma análise da chamada norma
antielisão e das teses que invalidar o planejamento tributário.
Por fim, será realizada a consolidação dos direitos do
contribuinte na relação tributária e dos limites impostos pelas chamadas normas
antielisão, com objetivo de responder as seguintes perguntas:
A chamada norma antielisão e capaz de impedir a realização
do planejamento tributário?
O planejamento tributário é uma prática legal?
O presente estudo é realizado como objetivo fornecer uma
análise mais detalhada do planejamento tributário, trazendo uma maior segurança
na utilização desse instituto.
I - BREVE ANÁLISE DO SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL
A Constituição Federal (CF) conferiu ao Estado o poder de
exigir dos seus administrados o pagamento tributos. O tributo é o meio através
do qual o Estado obtém recursos financeiros necessários para o regular
desenvolvimento de suas atividades.
O Art. 3º, do Código Tributário Nacional (CTN), define
tributo como sendo toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo
valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito,
instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente
vinculada.
Segundo Kiyoshi Harada[1]:
“O conceito de tributo não é uniforme. Contudo, a doutrina
em geral inclui em seu conceito o traço característico da coercitividade.
Assim, os tributos são prestações pecuniárias compulsórias, que o Estado exige
de seus súditos em virtude do seu poder de império”.
O art. 145, da CF, estabelece quais tributos a União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios podem instituir. Os tributos são
divididos em: a) impostos; b) taxas c) contribuições de melhorias.
A atividade do Estado também é financiada por intermédio de
empréstimos compulsórios, contribuições sociais, contribuição de intervenção no
domínio econômico e de interesse de categorias profissionais ou econômicos,
previstos nos art. 148, 149 e 195 da CF.
O art. 119, do CTN, diz que o sujeito ativo na relação
tributária é a pessoa jurídica de direito público, podendo essa delegar algumas
funções, como a de arrecadar, a pessoas de direito privado.
Já o sujeito passivo, de acordo com o artigo 121, do CTN, é
a pessoa obrigada ao pagamento do tributo, sendo que, em alguns casos, a pessoa
que deu origem ao ato no qual incide o tributo pode não ser o sujeito passivo
da obrigação tributária.
Assim, no sistema tributário brasileiro, nem sempre o
sujeito que aufere a vantagem econômica do ato é o sujeito passivo da obrigação
tributária, já que a lei pode atribuir essa responsabilidade a terceiro. Veja o
exemplo trazido por Hugo de Brito Machado[2]:
“... o contribuinte do imposto de renda, conforme o art. 45
do CTN, é o titular da disponibilidade econômica ou jurídica ou dos proventos
de qualquer natureza. É aquele que aufere renda ou os proventos. Mas a lei pode
atribuir à fonte pagadora dessa renda ou desses proventos, a condição de
responsável pelo recolhimento do imposto correspondente (CTN, art.45, parágrafo
único). A fonte, no caso, é o sujeito passivo da obrigação principal, porque
está obrigado a fazer o pagamento do tributo. Não é contribuinte, porque não
auferiu a renda ou os proventos, mas é oi responsável, porque a lei lhe
atribuiu a obrigação de efetuar o pagamento do tributo”.
A obrigação tributária nasce no momento em que o ocorre o
fato gerador, que, segundo Kiyoshi Harada, é a situação abstrata, descrita na
lei, a qual uma vez ocorrida em concreto enseja o nascimento da obrigação
tributária[3].
Ocorrido o fato gerador, ressalvadas algumas exceções que
serão vistas abaixo, nasce a obrigação de pagamento do tributo.
II - LIMITAÇÕES AO PODER DE TRIBUTAR DO ESTADO
Conforme visto no capítulo anterior, o Estado tem a
prerrogativa de exigir do cidadão o pagamento de tributos.
Esse poder, todavia, não é absoluto e deve ser exercido com
observância dos limites impostos pelo art. 150, da Constituição Federal (CF),
que tem o objetivo de impedir o cometimento de arbitrariedades no ato de exigir
tributos.
Hugo de Brito Machado
ensina que essas limitações são verdadeiros princípios[4]. Confira-se o que
ensina o professor:
“Sendo, como é, a
relação de tributação uma relação jurídica e não simplesmente de poder, tem-se
como induvidosa a existência de princípios pelos quais se rege. Dentre esses
princípio destacamos aqueles que, em virtude de sua universalidade, podem ser
considerados comuns a todos os sistemas jurídicos, ou pelo menos aos mais
importantes. São eles os princípios da legalidade, anterioridade, da igualdade,
da competência, da capacidade contributiva, da vedação do confisco e o da
liberdade de tráfego.
Tais princípios existem para proteger o cidadão contra os
abusos do Poder”.
O Princípio da Legalidade, previsto no inciso “I”, do art.
150, da CF, diz que é vedado ao Estado instituir ou aumentar tributo sem lei
que a estabeleça.
Ensina Ives Gandra Martins[5]:
“Tendo o constituinte plena consciência de que a carga
tributária é excessiva, optou, como já fizera o constituinte anterior, por um
sistema rígido, pelo qual tudo que estiver em lei é permitido ao Fisco e nada
obriga ao contribuinte se em lei não estiver”.
O referido princípio impede, por exemplo, a criação de
tributos através de uma simples portaria, ou através de outro instrumento que
não permita ampla discussão do legislativo, sendo, portanto, uma das principais
garantias do contribuinte contra arbitrariedades do Estado.
Em virtude do previsto no inciso “II”, do art. 150, da CF, o
Estado ficou proibido de instituir tratamento desigual entre contribuintes que
se encontrem em situação equivalente, vedando qualquer distinção em razão de
ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da
denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.
Esse dispositivo legal corporifica o Princípio da Igualdade
Tributária, impedindo a ocorrência de qualquer privilégio injustificado a
determinadas pessoas ou setor da economia.
Ensina Hugo de Brito Machado[6]:
“O princípio da igualdade, numa visão formalística e
dirigida apenas ao aplicador da lei, pode significar apenas o caráter
hipotético da norma, a dizer que, realizada a hipótese normativa, a
conseqüência deve ser igual, sem qualquer distinção decorrente de quem seja a
pessoa envolvida. Assim, se a norma estabelece que quem for proprietário de
imóvel deve pagar imposto, o imposto é devido, seja qual for o proprietário do
imóvel, em cada caso”.
O citado princípio não impede, todavia, a existência de
incentivos fiscais ou a progressividade do imposto.
O Princípio da Anterioridade está previsto no inciso “II”,
do art. 150, da CF. A alínea “a”, do referido dispositivo, proíbe a cobrança de
tributos relacionados a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência
da lei que os houver instituído ou aumentado, limitando, assim, a incidência da
nova norma apenas a fatos geradores futuros.
Esse princípio traz uma grande segurança os contribuintes,
pois torna imutável a incidência tributária de atos já ocorridos.
Já a aliena “b”, do citado dispositivo legal, impede a
cobrança de imposto no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada
lei que instituiu ou aumentou o tributo, evitando que os contribuintes sejam
surpreendidos com a instituição ou aumento repentino da carga tributária.
O previsto na alínea “b”, todavia, não se aplica: a) ao caso
de empréstimo compulsório para atender despesa extraordinária, decorrente de
calamidade pública, de guerra extrema ou sua iminência; b) aos impostos sobre
importação, exportação de produtos nacionais ou nacionalizados, operação
crédito, câmbio e seguro; c) impostos extraordinários criados em virtude de
iminência ou no caso de guerra.
Também para evitar surpresas ao contribuinte, a Emenda
Constitucional n. 42 de 19 de dezembro de 2003, acrescentou a alínea “b” ao
inciso III, do art. 150, da CF, criando a chamado anterioridade nonagesimal,
estabelecendo que o imposto apenas pode ser exigido ou aumentado após passados
90 dias contados da data da publicação da lei que institui ou aumentou.
Esse princípio impede que a prática, muitas vezes utilizada,
de se criar um tributo nos últimos dias do ano para que ele possa ser cobrado
quase que imediatamente.
O Princípio de Vedação do Confisco, previsto no inciso “IV”,
do art. 150, da CF, garante ao contribuinte o direito de não ter seus bens
confiscados, garantindo, também, que não sejam criados tributos que representem
um autêntico confisco.
Hugo de Brito Machado ensina que[7]:
“Porque constitui receita ordinária, o tributo deve ser um
ônus suportável, um encargo que o contribuinte pode pagar sem sacrifico do
desfrute dos bens da vida. Por isso mesmo não pode ser confiscatório”.
Também é vedado ao Estado estabelecer limitações ao tráfego
de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada
a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público.
Essa limitação corporifica o Princípio da Liberdade de
Tráfego, previsto no inciso “V”, do art. 150, da CF.
O princípio da Capacidade Contributiva, previsto no parágrafo
primeiro, do art. 145, da CF, determina que, sempre que possível, os impostos
terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do
contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir
efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais
e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do
contribuinte.
O princípio da competência, figura constante na doutrina de
Hugo de Brito Machado[8], prevê que o ente federativo deve se restringir e
regular apenas aquelas matérias que a Constituição Federal indicou como de sua
competência.
Esse princípio veda que entes federativos regulamentem ou
fiscalizem tributos de responsabilidade de outros, ressalvados os casos onde
exista acordo entre esses entes.
A Constituição Federal também indicada algumas hipóteses nas
quais, mesmo ocorrendo o fato gerador, não haverá incidência tributária. Essas
situações são classificadas pela doutrina como imunidades tributárias.
A imunidade só pode ser conferida pela Constituição Federal.
Confira-se o que ensina Edgard Neves da Silva[9]:
“A Constituição, é somente ela, pode proibir que certos
fatos, vinculados a pessoas ou a bens, possam ser acolhidos pela hipótese de
incidência dos impostos e, conseqüentemente, por essa determinação, apesar de
iguais àqueles, fiquem dela excluídos, permanecendo, então, obrigatoriamente,
dentro do campo da não-incidência”.
O art. 150, inciso “VI”, por exemplo, institui algumas
imunidades, ao estabelecer a vedação de cobrança de impostos sobre: a)
patrimônio, renda ou serviços de entes federativos (União, Estados e
Municípios); b) templos de qualquer culto; c) patrimônio, renda ou serviços dos
partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos
trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins
lucrativos, atendidos os requisitos da lei; d) livros, jornais, periódicos e o
papel destinado a sua impressão.
Pode-se classificar a isenção também como uma limitação ao
direito de tributar do Estado. Essa classificação, todavia, é feita com
ressalvas, pois é o próprio Estado que criada essa limitação.
A isenção fica configurada quando uma norma
infraconstitucional estabelece que determinadas situações não serão tributadas.
Nas palavras de Edgard Neves da Silva[10]:
“O que seria tributado deixa de sê-lo, visto que a norma
isencional, atingindo a hipótese de incidência, torna-a insuficiente para gerar
os efeitos que lhe são próprios”.
Em apertada síntese, essas são as limitações ao poder de
tributar do Estado.
III - DIREITOS E DEVERES DO CONTRIBUINTE NA RELAÇÃO
TRIBUTÁRIA
O Pacto Social exige que os administrados abdiquem de alguns
direitos em favor do Estado, em troca de uma convivência mais harmônica e
segura.
Essa abdicação gera uma série de obrigações ao administrado.
Em contrapartida, lhe garante uma séria de direitos frente ao Estado.
Raquel Cavalcanti Ramos Machado[11] ensina que:
“(...) o cidadão não pode considerar sua relação com o
Estado e com a sociedade de forma apenas passiva, vislumbrando somente seus
direitos, como se pudesse reclamar bens e serviços do Estado, sem considerar
seu dever de contribuir de maneira geral para o incremento da sociedade,
inclusive como o pagamento de tributos”.
Portanto, não é só o administrado que possui obrigações; o
Estado também possui várias obrigações.
Em matéria tributária, como o próprio nome diz, as
obrigações dos contribuintes estão relacionadas ao pagamento tributos. Por
atingem diretamente o patrimônio, as obrigações tributárias não têm uma boa
recepção por parte dos administrados.
Confira-se o ponto de vista de Ives Gandra Martins[12]:
“Tenho para mim que o tributo é uma norma de rejeição
social, porque todos os contribuintes de todos os espaços geográficos pagam
mais do que deveriam pagar para sustentar o governo naquilo que retorna a
comunidade em nível de serviços públicos, e para sustentar os desperdícios, as
mordomias, o empreguismo dos detentores do poder”.
Independente da aceitação popular, os deveres do
contribuinte na relação tributária são essenciais para o desenvolvimento das
atividades estatais, de forma que devem ser cumpridos nos exatos limites da
lei.
3.1 - DEVERES DO CONTRIBUINTE
Como já dito, o principal dever do contribuinte é o de pagar
os impostos exigidos pelo Estado.
Esse dever possibilita que o Estado desenvolva suas
atividades regulamente, de forma que possa fornecer aos contribuintes todos os
serviços indispensáveis, tais como, por exemplo, educação, saúde, moradia e
segurança.
O Contribuinte também tem o dever de fornecer, ao Fisco,
todas as informações relacionadas à ocorrência do fato gerador ou sobre o
pagamento de tributos. O dever de fornecer informações ao Estado é conhecido
como obrigação acessória.
Diante da grande dificuldade que o Estado encontra para
fiscalizar todos os fatos tributáveis que ocorrem diariamente, esse dever
representa ferramenta fundamental na relação tributária.
Ensina Alberto Nogueira Júnior[13]:
“(...) em se tratando de obrigação tributária, o Estado é
parte dessa relação jurídica e, como parte, tem o direito de exigir que a parte
co-obrigada preste contas do regular adimplemento de sua prestação”.
De forma simplificada, esses são os principais deveres do
contribuinte na relação jurídico tributária.
3.2 - DIREITOS DO CONTRIBUINTE
O principal direito dos contribuintes na relação tributária
é o de acesso a serviços público de qualidade. Ensina Raquel Cavalcanti Ramos
Machado[14]:
“Com efeito, o contribuinte ao mesmo tempo em que tem o
dever de contribuir com o pagamento de tributos, tem o direito de que tais
tributos sejam utilizados para a boa prestação de serviços públicos”.
Estão englobadas nesses serviços todas as necessidades
essências para vida em sociedade, tais como, educação, saúde, moradia e
segurança.
O contribuinte também tem direito a só ser tributado por lei
que respeite as limitações impostas ao poder de tributar do Estado, conforme
visto no título anterior.
O direito ao devido processo legal, previsto no art. 5º,
LIV, da Constituição Federal (CF), também é um direito do contribuinte. Esse
princípio garante ao contribuinte o direito a regular tramitação do processo
administrativo e, se for o caso, do processo judicial, no momento da cobrança
dos tributos.
Também é garantido ao contribuinte o direito ao
contraditório e à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, em
processo judicial ou administrativo, conforme estabelece o previsto no art. 5º,
LIV, da CF.
O sigilo bancário está entre os direitos do contribuinte,
sendo vedado ao Estado o acesso a informações do contribuinte sem a devida
autorização legal.
O contribuinte também tem direito a inviolabilidade de seu
domicílio no ato da fiscalização tributária.
É o que ensina Alberto Nogueira Júnior[15]:
“(...) a fiscalização tributária não pode invadir a casa do
contribuinte, embora a atividade de fiscalização tenha sido legitimamente
autorizada pelo superior hierárquico do auditor fiscal, e não pelo juiz”.
O contribuinte tem direito a segurança jurídica, ou seja,
tem direito a maior rigidez na interpretação e na elaboração das normas
jurídicas, garantindo, assim, que o contribuinte consiga saber, com precisão,
qual carga tributária está sujeito.
Em apertada síntese, são esses os principais direitos dos
contribuintes.
IV - DA EVASÃO FISCAL
O professor Sacha Calmon Navarro Coelho[16] assim define a
evasão fiscal:
“(...) evasão fiscal constitui a prática, concomitante ou
posterior à incidência tributária, na qual são utilizados meios ilícitos
(fraude, sonegação, simulação) para escapar ao pagamento de tributos”.
O Professor aponta como características da evasão fiscal: a)
sonegação; fraude; simulação[17].
Segundo Ives Gandra Martins[18]:
“evasão fiscal ilegítima é a fuga da obrigação tributária já
existente pela anterior ocorrência do fato gerador previsto em lei”.
Portanto, a Evasão Fiscal é o ato ilícito que afronta o
dever do contribuinte de pagar o imposto.
Para caracterização da evasão, o contribuinte deve utilizar
um comportamento proibido pelo ordenamento jurídico, visando a redução ou a
supressão do imposto devido, já que, por óbvio, o comportamento lícito não
caracterizaria crime.
Torna-se, assim, indispensável a ocorrência da ilicitude,
qual seja, a intenção de fraudar. O agente evasivo tem a intenção de, com a sua
conduta, proibida pela norma jurídica, burlar a lei e causar prejuízos aos
cofres públicos.
A evasão fiscal ocorre sempre concomitantemente ou
posteriormente a ocorrência do fato gerador, já que, no sistema tributário
brasileiro, como já visto, a obrigação de pagamento de impostos apenas nasce no
momento que ocorre o fato gerador.
A evasão tributária, em resumo, é uma atitude ilegal do
contribuinte que visa evitar o pagamento de tributos sobre fatos já devidamente
ocorridos e válidos.
V - DA ELISÃO FISCAL
A elisão fiscal está entre os direitos do contribuinte.
Esse instituto decorre da aplicação do Princípio da Legalidade,
que diz que o contribuinte só é obrigado a pagar tributo quando esse for
estabelecido por lei.
Segundo Sacha Calmon Navarro Coelho, a elisão fiscal sempre
está baseada em um ato lícito do contribuinte. Confira-se o que ensina o
Professor[19]:
“Conforme entendimento dominante, elisão fiscal corresponde
à prática de atos lícitos, anteriores à incidência tributária, de modo a
obter-se legítima economia de tributos, seja impedindo-se o acontecimento do
fato gerador, seja excluindo-se o contribuinte do âmbito de abrangência da
norma ou simplesmente reduzindo-se o montante de tributo a pagar”.
André Portella ensina que[20]:
“A elisão fiscal trata-se de exercício regular da liberdade
de caracterização do fato gerador, pelo qual o agente elege, dentre as forma
possíveis de configuração da conduta aquela sobre a qual recai um regime
tributário mais benéfico, sem que se possa falar em vulneração da normativa
jurídica”.
Existe divergência na doutrina sobre a nomenclatura
utilizada para a economia lícita de tributos. Alguns doutrinadores entendem que
o termo “elisão” poderia representar uma atitude ilícita. Todavia, para efeitos
deste trabalho, adotar-se-á o entendimento da corrente majoritária, que utiliza
a expressão “elisão fiscal” para indicar atitude lícita do contribuinte.
Na elisão fiscal, o contribuinte utiliza lacunas existentes
na lei para praticar atos que lhe propiciem menor incidência tributária.
Dessa forma, quando a lei não indica como um determinado ato
deve ser pratica, cria-se uma lacuna que o contribuinte pode utilizar para
escolher, dentre as opções possíveis, aquela que acarretará a menor incidência
tributária.
Ensina Sacha Calmon Navarro Coelho[21]:
“Como a Carta Magma prevê que ninguém é obrigado a fazer ou
deixar de fazer algo senão em virtude de lei, a existência de lacuna nesta
última possibilita ao contribuinte utilizar-se de eventuais “falhas
legislativas” para obter economia de tributos. Em regra, o faz mediante a
prática dos denominados negócios jurídicos indiretos, assim chamados por terem
finalidade atípica (redução do ônus tributário)”.
Portanto, na elisão fiscal o contribuinte não tenta burlar
uma vedação legal, ele apenas se aproveita de uma falha legislativa para
utilizar o modelo jurídico que implique na menor incidência tributária.
É uma prática absolutamente legal. Hugo de Brito Machado
ensina que[22]:
“Seja como for, não se pode negar ao contribuinte o direito
de escolher os atos ou negócios jurídicos seja prática lhe permita não pagar
menos impostos do que teria de pagar se optasse por outras formas legais de
agir. Não é razoável admitir que o contribuinte, geralmente um empresário que
sobrevive de lucratividade de suas atividades, seja obrigado a escolher
exatamente as maneiras de agir que lhe acarretam maior ônus tributário”.
Portanto, a elisão fiscal é uma atitude lícita que ocorre
sempre antes da realização do fato gerador, que visa a adoção de um modelo
jurídico que implique em não incidência ou menor incidência tributária.
5.1 - DAS LIMITAÇÕES À ELISÃO FISCAL
Como a prática de elisão fiscal representa diminuição da arrecadação,
o Fisco tende a tomar providência para evitar ou diminuir sua utilização.
Como no Estado de Direito o cidadão só é obrigado a fazer ou
deixar de fazer algo em virtude de lei, o Fisco precisa necessariamente ter um
base legal para impedir a utilização da elisão fiscal.
Devido a essa necessidade, o Fisco sempre está em busca de
uma norma que possa ser utilizada para suprir as falhas legislativas que
possibilitam a utilização da elisão fiscal.
No item seguinte, passar-se-á a analisar as principais
normas utilizadas pelo Fisco para tentar impedir a elisão fiscal.
5.1.1 - DA NORMA GERAL ANTIELISÃO
Como visto anteriormente, a Elisão Fiscal é uma prática
absolutamente legal.
Todavia, devido à perda de arrecadação que representa, o
Fisco tenta constantemente impedir essa prática.
Como não é ato ilegal, o Fisco é obrigado a criar
regulamentações para evitar a utilização da Elisão Fiscal como meio de reduzir
a incidência tributária.
Nesse contexto, foi criada a Lei Complementar nº 104, de 10
de janeiro de 2001, que introduziu um parágrafo único, ao art. 116, do Código
Tributário Nacional (CTN). Em decorrência dessa mudança, o artigo ficou com a
seguinte redação:
“Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário,
considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:
I - tratando-se de situação de fato, desde o momento em que
o se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os
efeitos que normalmente lhe são próprios;
II - tratando-se de situação jurídica, desde o momento em
que esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável.
Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá
desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de
dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos
constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem
estabelecidos em lei ordinária”.
Segundo Hugo de Brito Machado, na visão das autoridades da
Receita Federal, a norma geral antielisão, instrumento de que Fisco necessita
para coibir a prática da elisão fiscal, estaria tipificada no parágrafo único,
do artigo 116, do CTN[23].
O citado dispositivo legal confere ao Fisco um poder muito
amplo, pois possibilita a tributação de ato jurídico que não se consolidaram.
Permite ao Fisco desconsiderar atos ou negócios jurídicos criados com objetivo
de dissimular a ocorrência do fato gerador.
A dissimulação ocorre quando, através de outro ato jurídico,
se tenta esconder o verdadeiro ato jurídico praticado.
André Portella ensina[24]:
“A dissimulação, ao contrário, é a utilização de meios
ardilosos com a finalidade de esconder, mascarar, omitir, ou disfarçar os
aspectos constitutivos da realidade. A dissimulação é comportamento ilícito,
verdadeira distorção da liberdade, devendo ser considerada no estudo da
legislação relativa à sonegação fiscal e aos crimes contra a ordem tributária”.
Dessa forma, a chamada norma antielisão tem o objetivo de
impedir que o contribuinte esconda o verdadeiro objetivo do negócio, através de
outro ato jurídico menor oneroso.
Ocorre que a referida norma utilizou termo inadequado para
tentar impedir a elisão fiscal, pois a simulação e dissimulação estão sempre
ligadas a atos e fatos ilegais, já que esses institutos seriam utilizados para
burlar alguma vedação legal.
Já na elisão fiscal, não existe vedação legal que impeça a
realização de qualquer dos modelos que estão à disposição do contribuinte,
sendo que sua escolha é absolutamente legal e baseada apenas na menor
incidência tributária.
Como não existe lei dizendo que é crime reduzir a incidência
tributária, não se pode falar que a elisão fiscal representa ato simulado ou
dissimulado.
A escolha do contribuinte não visa burlar qualquer previsão
legal, pois, frisa-se, não existe lei determinando que o contribuinte escolha
esse ou aquele modelo jurídico. Tampouco existe lei determinando que o
contribuinte deva escolher o modelo jurídico que represente maior carga
tributária.
Portanto, o parágrafo único, do art. 116, do CTN, em nenhum
momento cria uma norma antielisão, apenas reforça os poderes do Fisco para
desconsiderar situações que visem burlar a lei, que não é o caso da elisão
fiscal.
Confira-se o que ensina Ives Gandra Matins[25]:
“(...) o dispositivo em questão tem função antievasão, e não
antielisão, pois a simulação é uma das causas de evasão fiscal”.
Na leitura do dispositivo legal nota-se, entretanto, que o
legislador conferiu a autoridade administrativa o direito de desconsiderar atos
os negócios jurídicos praticados pelos contribuintes, observados os
procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária, ou seja, essa norma não é
autoaplicável e depende de regulamentação.
Ocorre que não existe norma vigente regulamentando o
referido dispositivo legal, sendo ele, portanto, em uma primeira análise,
inaplicável.
Hugo de Brito Machado[26] ensina que:
“A aplicação dessa norma, todavia, há de ser feita
‘observando os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária”. A Medida
Provisória nº 66, de 29 de agosto de 2001, nos seus artigos 13 e 19, veiculou
normas cuidando desse procedimento. Mas essas normas, que merecem dura crítica
de Alberto Xavier, foram excluídas do projeto de conversão e a final não
constam da lei respectiva. Não temos, portanto, procedimento a ser observado na
aplicação da norma do parágrafo único do artigo 116 (...)”.
Dessa forma, vemos que o parágrafo único, do art. 116, do
CTN, tem sua aplicação extremamente prejudicada.
Além da falta de regulamentação, alguns doutrinadores
entendem que a norma, mesmo que fosse autoaplicável, não teria validade por ser
inconstitucional.
Diz Hugo de Brito Machado[27]:
“(...)Entretanto, ainda que admita ser auto aplicável a
norma do parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional, não
podemos fugir da conclusão de que tal norma é inconstitucional, ou inútil,
dependendo da interpretação e do alcance a ela atribuído, como já demonstramos
ao comentar o artigo 116 do Código Tributário Nacional”.
Apesar de entendermos como válidas as teses que tratam da
inaplicabilidade devido a falta de regulamentação e da inconstitucionalidade a
norma, esses temas não serão aprofundados.
Sacha Calmon Navarro Coelho entende a dita norma antielisão
não tem o condão de impedir a realização da elisão fiscal[28]. Diz o professor:
“Outrossim, a própria redação conferida ao dispositivo não
tem o condão de transformá-lo em norma geral antielisiva, restando claro, pela
simples leitura, que se trata de norma que visa a evitar a evasão fiscal, que
ocorre através da simulação ou dissimulação”.
André Portella[29] critica a chamada norma geral antielisão.
Confira-se:
“É aceitável que o legislador venha a determinar qual a
forma, dentre as possíveis, que deve ser escolhida no momento da caracterização
do fato para efeito de incidência tributária. Para tanto, porém, é necessário
que se descreva de forma específica e concreta, jamais de maneira ampla e
genérica, tal e como realizado no dispositivo acima transcrito”.
Diante de todo o exposto, vemos que a chamada norma
antielisão efetivamente não pode alcançar o seu objetivo, já que, nos termos em
que foi criada, apenas tem pode evitar a evasão fiscal, prática essa que já era
vedada por outros dispositivos legais.
5.1.2 - DO ABUSO DE DIREITO
O artigo 187, do Código Civil (CC), diz que comete ato
ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os
limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons
costumes.
Confira-se o texto do artigo:
“Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito
que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim
econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
Segundo Ricardo Lobo Torres, esse artigo proclamou a
ilicitude do abuso de direito[30].
Para alguns doutrinadores, o art. 187, do CC, torna ilícita
a utilização de modelos que visem exclusivamente a economia de imposto.
Esse impedimento teria fundamento no uso imoral do direito.
Nessa hipótese, a regra moral se converteria em uma verdadeira regra
tributária, na medida em que modificaria a incidência tributária.
Especificamente no caso do planejamento tributário, surge o
seguinte questionamento: qual regra moral poderia impedir o contribuinte de
adotar o modelo jurídico que apresenta menor incidência tributária?
Alguns poderiam pensar que é imoral o fato de determinado
contribuinte obter vantagens comerciais sobre outro contribuinte devido à menor
incidência tributária. Todavia, a concorrência é uma prática absolutamente
legal. Além do mais, o modelo menor oneroso pode ser adotado por todos os
contribuintes. Por isso, não nos parece imoral o fato do contribuinte traçar
estratégias não vedadas por lei e disponíveis a todos.
Desconsiderando essa hipótese, não conseguimos visualizar
outra regra moral que justifique a ilegalidade da elisão fiscal.
5.1.3 - DA FRAUDE À LEI
A fraude à lei não requer longas explicação. Fica
caracterizada a fraude à lei quando o contribuinte tenta burlar a norma
jurídica que lhe impede de praticar determinados atos.
Para Hugo de Brito Machado, a fraude a lei não significa que
o agente pratique diretamente o ato tido como ilegal. Ele utiliza-se de atos
legais para atingir o fim proibido por lei. Veja o que diz o ilustre
professor[31]:
“Configura-se o negócio jurídico é praticado com o propósito
de fraudar a norma imperativa (art. 166, V, do CC). Embora a expressão “fraude
à lei”, a figura não se confunde com a fraude propriamente dita, que consiste,
como acima explicado, em ocultar ou declarar falsamente os fatos praticados. Na
fraude à lei, o agente utiliza-se de uma forma lícita para alcançar propósitos
ilícitos. É o caso do pai que, não podendo vender um imóvel ao filho, vende-o a
um vizinho, que então o vende ao mencionado filho”.
Hugo de Brito Machado ensina que[32]:
“É possível entender que fraude à lei é um comportamento
ilícito no Direito em geral, porque contrária às suas prescrições embora
aparentemente não o seja”.
Confira-se as palavra de Sacha Calmon Navarro Coelho[33]:
“O instituto da ‘fraude à lei’ tem sido tratado por parte da
doutrina nacional como uma autorização para que a fiscalização desconsidere
atos ou negócios jurídicos lícitos caso a único objetivo dos mesmos seja
economia de impostos”.
O art. 72, da Lei 4.502/64, que regulamenta o imposto de
consumo sobre o produto industrializado, define “fraude”. Confira-se:
“Fraude é tôda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou
retardar, total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação
tributária principal, ou a excluir ou modificar as suas características
essenciais, de modo a reduzir o montante do impôsto devido a evitar ou diferir
o seu pagamento”.
Essa definição, todavia, deve ser analisada com ressalvas,
pois, não ocorrendo a fato gerador, não se pode falar em fraude, tendo em vista
que o Estado não pode cobrar tributo se o fato gerador não ocorreu. Portanto,
não existindo fato gerador, não existe dever de pagar o tributo.
A fraude só fica configurada quando o contribuinte não paga
o tributo e se utiliza de outros meios, legais ou ilegais, para impedir que o
Fisco tome conhecimento da ocorrência do fato gerador.
Portanto, na fraude à lei, sempre se terá objetivo de burlar
a lei que impede o contribuinte de realizar determinados atos.
Como se fundamenta na burla à legislação, a tese da fraude à
lei não impede a utilização da elisão fiscal, já que nesse instituto não se
descumpre qualquer norma jurídica.
5.1.4 - DO ABUSO DA FORMA
A teoria do abuso da forma está calcada na utilização de
forma jurídica "atípica" ou "não comum" para realização de
negócio jurídico visando menor incidência fiscal.
André Portella ensina[34]:
“o abuso de forma,
figura bastante similar à falta de propósito negocial, nos termos da normativa
em análise, trata-se da conduta do interessado que, diante de distintas
alternativas de formulação de um ato, escolhe aquela cuja realização
apresenta-se mais complexa, pelo simples fato de ser também aquela que maiores
vantagens fiscais ocasionará ao agente”.
Como visto acima, o abuso da forma estaria configurado
quando o contribuinte utiliza-se de meio pouco comum com único objetivo de
conseguiu uma maior economia de imposto.
Ives Gandra Martins[35] ensina que:
“O abuso da forma consistiria em dar formalização jurídica
aparente para uma situação econômica realmente diversa, sendo a forma jurídica
representativa de uma situação não tributária, ou tributada menos onerosamente,
ao passo que a situação econômica real seria tributada, ou tributada mais
onerosamente”.
Segue o ilustre professor dizendo:
“Portanto, o abuso da forma jurídica consistiria em utilizar
uma estrutura jurídica diversa de uma outra que, se praticada, acarretaria a
incidência tributária, havendo efeitos econômicos iguais ou no mínimo
semelhante na duas estruturas”.
Para alguns doutrinadores, essa atitude seria vedada pelo
art. 118, do Código Tributário Nacional (CTN). Confira-se o texto da referida
norma:
“Art. 118. A definição legal do fato gerador é interpretada
abstraindo-se:
I - da validade jurídica dos atos efetivamente praticados
pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu
objeto ou dos seus efeitos;
II - dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos”.
Isso porque, segundo prevê o artigo, a substância econômica
dos atos teria supremacia sobre a forma jurídica adotada pelo contribuinte, de
forma que os atos poderiam ser desconsiderados para que a tributação atinja a
verdadeira substância econômica envolvida.
Ives Gandra Martins discorda desse entendimento. Diz o
ilustre doutrinador[36]:
“(...) se for devidamente interpretado, ver-se-á que ele não
consagra o predomínio da substância econômica sobre a estrutura jurídica, pois
o seu inciso I também diz que o fato gerador é interpretado independente dos
efeitos dos atos, enquanto o inciso II diz que o fato gerador é interpretado
independente dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos”.
Portanto, para os defensores dessa limitação, a substância
econômica do ato prevaleceria sobre a forma escolhida pelo contribuinte, sendo
que o Fisco estaria autorizado a desconsiderar o modelo jurídico escolhido para
tributar a situação que teria a maior incidência tributária.
Todavia, vemos com ressalva esse posicionamento.
Como o modelo utilizado pelo contribuinte também possui uma
substância econômica, sendo por isso também tributada, vemos que a
desconsideração do modelo adotado pelo contribuinte, sob a simples alegação que
outro modelo teria uma incidência tributária maior, uma verdadeira afronta ao
princípio da legalidade tributária, pois não existe lei que obrigue o
contribuinte a adotar o modelo jurídico mais oneroso.
Dessa forma, entendemos que essa norma impede a utilização
da elisão fiscal.
5.1.5 - DA FALTA DE PROPÓSITO NEGOCIAL
A falta de propósito negocial é um dos principais argumentos
do Fisco para desconsiderar a forma jurídica escolhida pelo cliente seu
negócio.
André Portella ensina[37]:
“A falta de propósito negocial é constatada quando se
observa que a caracterização realizada pelo sujeito passivo teve como único
objetivo o gozo de vantagem fiscal. É quando inexistem elementos de natureza
econômica empresarial, contábil, gerencial, entre outros relativos à realidade
do contribuinte, que venham a justificar a caracterização do ato ou negócio
jurídico procedida pelo responsável”.
Como visto nos itens anteriores desse trabalho, o ação
objetivando a menor incidência tributária é a base para todas as teorias que
tentam limitar a liberdade do contribuinte para utilização da elisão fiscal.
Ocorre que, para sua sobrevivência, o contribuinte sempre
deve levar em consideração em seus negócios a carga tributária que irá incidir
sobre o negócio jurídico que pretende realizar. Afinal, devido a nossa
substancial carga tributária, em alguns casos, determinadas formas jurídicas
podem até inviabilizar o negócio.
Portanto, ao escolher um modelo jurídico que implique em uma
menor incidência tributária, o contribuinte está sem dúvida tendo um propósito
negocial que é ter a menor incidência tributária e tornar seus produtos mais
competitivos ou seu negócio mais rentável.
Afinal, a atividade empresarial sobrevive de lucros, que
devem ser preservados, sob pena de impedir ou limitar o surgimento de novas
empresas.
Dessa forma, não existindo norma determinado que o
contribuinte utilize esse ou aquele modelo jurídico, o simples propósito de
obter economia de imposto não pode ser rotulado como ilegal.
VI - O PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO
O Planejamento Tributário é a utilização da elisão fiscal
com objetivo de conferir às operações de empresas e pessoas físicas a menor
incidência tributária possível.
Hugo de Brito Machado ensina que[38]:
“Em termos bastante simples, pode-se dizer que há
planejamento quando o contribuinte organiza suas atividades de forma a não praticar
hipótese de incidência da norma tributária, ou a praticá-la de modo que a norma
incidente seja aquela que impõe a menor tributação possível. O contribuinte
trabalha com a ocorrência dos fatos que ensejam a incidência da norma, evitando
que esta aconteça.”.
Portanto, o planejamento tributário é uma prática
absolutamente legal, pois é calcada na elisão fiscal, que possibilita uma menor
incidência tributária.
Ricardo Lobo Torre[39] ensina:
“Posições teóricas atuais como a jurisprudência dos valores
e o pós-positivismo aceitam o planejamento fiscal como modo de economizar
imposto, desde que não haja abuso de direito; só a elisão abusiva ou o
planejamento inconsistente se tornam lícitos (...).”
Ives Gandra Matins diz que o planejamento tributário é
consequência da voracidade do Estado na arrecadação dos tributos, que torna a
carga tributária cada vem mais elevada[40].
Assim, para manter seus produtos mais competitivos no
mercado, os empresários se veem obrigados a utilizar o planejamento tributário.
O planejamento tributário válido deve sempre estar embasado
em um comportamento que não seja vedado por lei, sob pena de caracterização de
evasão fiscal.
Hugo de Brito Machado traz um exemplo que ilustra muito bem
a diferença entre um planejamento tributário lícito e um que caracteriza uma
evasão fiscal[41]. Confira-se:
“O exemplo é também muito bom para nos ajudar a explicar a
diferença entre um planejamento tributário, ou elisão fiscal lícita e a fraude
fiscal. Se alguém importa componentes de um produto faz a montagem deste no
território nacional está praticando um planejamento tributário. Sua conduta é
irrepreensível. A redução do tributo é legítima sob todos os aspectos. Por
outro lado, se alguém importa o produto pronto e faz constar da documentação
correspondente a importação de componentes está praticando fraude fiscal,
conduta que configura ilícito administrativo e pode configurar também ilícito
penal”.
Para Sacha Calmon Navarro Coelho, o planejamento tributário
além de ser uma alternativa para os contribuintes, é uma obrigação, imposta por
lei, dos administradores de das sociedades anônimas[42], de forma que, se eles
não utilizarem esse expediente, estarão descumprindo o dever profissional.
Na mesma linha continua o professor[43]:
“Assim, a prévia estruturação das atividades empresariais
com o fito de pagar menos tributos – planejamento tributário – é não somente
direito de todos como dever inarredável daquele a que foi confiada a
administração de sociedades anônimas, que devem gerir a poupança popular tão
bem como o fazem com seu próprio patrimônio. Isso implica em, sempre que
possível, permitir que a Fazenda Pública se apodere da quantia mínima do capital empregado nos
negócios da companhia”.
O professor Ives Gandra Martins possui o mesmo entendimento.
Afirma o ilustre professor que a obrigação de utilizar os meios mais benéficos
para a sociedade é uma obrigação não só dos administradores das sociedades
anônimas, mais de todos os administradores, nos termos do art. 1.011, do Código
Civil[44].
Assim sendo, o planejamento tributário não é apenas um
direito do contribuinte, é uma obrigação dos administradores de empresas,
sendo, portando, uma prática absolutamente legal.
O planejamento tributário, destarte, é uma prática
absolutamente legal, que se utiliza da elisão fiscal, de meios lícitos,
portanto, para obter uma menor incidência tributária sobre seus negócios.
VII - ALGUMAS DECISÕES DOS TRIBUNAIS REGIONAIS FEDERAIS
SOBRE O PLANEJAMENTO TRIBUTARIO
Como o tema “planejamento tributário” é muito polêmico, o
entendimento jurisprudencial é fundamental para consolidação dos limites do
instituto.
Em nossos nos tribunais regionais federais existem poucos
julgados analisando a matéria. Todavia, a pequena quantidade de julgados nos
possibilita verificar em qual rumo deverão seguir as discussões.
No Tribunal Regional da Primeira Região (Brasília e outros)
encontramos o julgado relativo à Apelação Cível n.º 95.01.08208-3, de relatoria
da Juíza Vera Carla Nelson de Oliveira Cruz, onde foi considerada legal a
economia fiscal em contrato de arredamento mercantil. Confira-se o julgado[45]:
“TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. ARRENDAMENTO MERCANTIL. VALOR
DE OPÇÃO: INEXISTÊNCIA DE LIMITAÇÃO. LEI 6.099, DE 12 DE MAIO DE 1974, ART. 11.
DISTINÇÃO ENTRE ELISÃO E EVASÃO. LEI 4.502, DE 30 DE NOVEMBRO DE 1964, ART. 72.
INDEDUTIBILIDADE DE DESPESAS COM MULTAS DE MERCADORIAS EM TRÂNSITO E POR
EXCESSO DE PESO E DE INDENIZAÇÕES PAGAS A TERCEIROS EM DESCONFORMIDADE COM O
DECRETO 85.450/80. RIR/80, ART. 191 E 240. I. A evasão fiscal distingue-se da
elisão fiscal pela manipulação dolosa do fato gerador. Nesta última, não ocorre
fraude, mas economia fiscal. II. A Lei 6.099/74, ao disciplinar o arrendamento
mercantil, não regulou o preço das prestações e do valor de opção dos
contratos, ensejando a ocorrência de elisão fiscal. III. As multas, consistindo
em sanção pela prática de uma infração, não podem ser qualificadas como despesas
operacionais. IV. À mingua de comprovação da origem do pagamento indenizatório,
descabe a sua caracterização como despesa dedutível. V. Apelações e remessa
oficial improvidas”.
Como se nota na ementa acima, os ilustres julgadores
consideraram lícita a elisão fiscal, pois foi feita sem contrariar a lei.
No Tribunal Regional da Segunda Região (Rio de
Janeiro/Espírito Santo), encontramos um julgado, relativo à Apelação em Mandado
de Segurança n.º 2002.02.01.028151-8, onde os julgadores entenderam que a elisão
fiscal é prática absolutamente lícita. Confira-se trecho do julgado[46]:
“(...)- A operação em tela constitui verdadeira hipótese de
elisão fiscal, a qual é plenamente admitida pelo ordenamento jurídico pátrio,
tendo como finalidade precípua assegurar o direito do contribuinte de buscar a
forma menos onerosa de pagar os seus tributos. Diferentemente da evasão fiscal,
são utilizados meios legais na busca da descaracterização do fato gerador do
tributo(...).”
No Tribunal Regional Federal da Terceira Região (São
Paulo/Mato Grosso do Sul) encontramos julgado que expressa o mesmo entendimento
dos já citados, ou seja, que a elisão fiscal é lícita. Confira-se[47]:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO - PROCESSUAL CIVIL - MEDIDA CAUTELAR
- LIMINAR CONCEDIDA - PRESENTES OS REQUISITOS - CIRCULAR DO BACEN - ILEGALIDADE
- CPMF - ELISÃO FISCAL - CONDUTA LÍCITA.
1- Presentes os requisitos ensejadores da concessão da
liminar. 2- Fumus boni iuris. Licitude da conduta da agravada. A intenção da
agravada, em adimplir suas contas em moeda corrente que recebera de seus
clientes e depositar o saldo remanescente, com o escopo de não fazer incidir a
CPMF, demonstra a prática da elisão fiscal por omissão, cujo escopo é impedir o
nascimento da obrigação de recolher o tributo. Ausência de ilegalidade. 3-
Circular nº 3001/2000 do Banco Central. Inexiste lei que obrigue o depósito do
dinheiro em conta corrente para o pagamento de contas, forçando a incidência da
CPMF. Circular não é nem sequer tem força de lei. 4- A moeda nacional tem curso
forçado e poder liberatório. Ilegal o ato de impedir qualquer pagamento que se
pretenda fazer mediante pagamento em dinheiro. 5- Cabível a pretensão da
agravada de pagar suas contas com o dinheiro recebido de seus clientes,
depositando em sua conta corrente apenas o saldo remanescente. Legalidade e
possibilidade. Precedente jurisprudencial. 6- Periculun in mora. Sem a liminar
a agravada estará obrigada agir na conformidade da Circular do Banco Central,
fazendo incidir a CPMF. 7- Mantida a decisão. Agravo de Instrumento a que se
nega provimento”.
Encontramos outro julgado no qual os julgadores utilizam o
termo “elisão fiscal” para indicação a atitude ilícita do contribuinte.
Todavia, como se verá no trecho transcrito abaixo, trata-se apenas de uma
divergência de nomenclatura, de forma que os julgadores também entendem que o
fato do contribuinte escolher um modelo jurídico que lhe propicia menor
incidência tributária não caracteriza crime. Confira-se[48]
“(...)A estruturação da pessoa jurídica, pela qual há uma
controladora, por si só não pode evidenciar uma atuação fraudulenta, em face de
prestação de serviços entre si, quando demonstrado por documentos a efetividade
dessa relação comercial entre ambas. 4. Confunde-se a ré ao considerar esse
fato ilegal, tido como elisão fiscal, glosando parcela das despesas
apresentadas pela autora, apenas por compartilharem, controlada e controladora,
serviços entre si. A evasão fiscal sim, seria passível dessa prática, quando
verificado que os atos perpetrados são fraudados com esse objetivo, o que não
ocorreu, conforme determinado pela perícia levada a efeito. 5. Prevalece o
periciamento técnico, com a constatação de não ter havido elisão fiscal, não
podendo subsistir a glosa efetuada, pois não constatada a sonegação de receita
ao Fisco, pela suposta transferência de recursos à coligada. 6. Ilegítima a
glosa levada a efeito pelo Fisco, com a lavratura do auto de infração, quando
comprovado por documentos que todas as receitas auferidas e pagas foram
declaradas e oferecidas à tributação(...)”.
Confiram-se outros julgados:
“(...)
10. A ausência de
ingresso dos valores em conta corrente da embargante, para, somente então, ser
efetuada a operação de hedge, não se mostra, assim, relevante, pois da
escrituração contábil foi possível identificar o débito, sendo, em princípio,
legal a realização da operação direta, tratando-se de hipótese de planejamento
tributário (elisão fiscal). 11. Sentença reformada, com a condenação da
embargada em verba honorária de 10% sobre o valor atualizado da causa: artigo
20, § 4º, do Código de Processo Civil.[49]
“DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DIREITO TRIBUTÁRIO. AGRAVO RETIDO
NÃO CONHECIDO. IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA. RETIFICAÇÃO DE DECLARAÇÃO ANTES
“(...)
4. Caso de ocorrência de elisão legítima, pois o
contribuinte valeu-se da legislação para recolher menos tributo, mediante
correção de suas declarações de imposto de renda, em razão de erro devidamente
comprovado. 5. Precedente desta Turma. 6. Agravo retido não conhecido e
apelação da União e remessa oficial a que se nega provimento.”[50]
Encontramos, no site do Tribunal Regional Federal da Quarta
Região (Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná), um julgado, relativo à
Apelação Cível n.º 96.04.55121-3[51], considerando legal a prática do
planejamento que se utiliza de elisão fiscal lícita, ou seja, quando não existe
lei vedando a prática utilizada pelo contribuinte.
No referido julgado, a prática do planejamento tributário
tornou-se ilícita apenas no momento em entrou em vigor uma nova norma jurídica
que impedia a prática adotada pelo contribuinte.
Confira-se a ementa do referido julgado:
“TRIBUTÁRIO. ANULAÇÃO DE LANÇAMENTO FISCAL. IMPOSTO DE RENDA.
PESSOA JURÍDICA. COMPENSAÇÃO. CISÃO PARCIAL DE EMPRESA. EVASÃO. O planejamento
tributário praticado pelas empresas deve limitar-se à prática da economia
fiscal lícita (elisão), não se admitindo em nosso ordenamento a evasão
(economia fiscal ilícita). Com o advento da Lei n° 7450/85, se coíbe a prática
até então tida como elisão, quando os lucros da cindida podiam ser compensados
com os prejuízos da incorporadora. Não tendo a ata assemblear responsável pela
cisão sido levada a registro no mesmo ano, o ato completou-se apenas quando já
em vigor mencionada Lei. Apelo improvido”.
Nota-se, na ementa acima, que os julgadores entenderam que
não existindo norma impedindo a prática do ato, a adoção de um modelo jurídico
que possibilite uma menos incidência tributária é uma prática absolutamente
legal.
No julgamento do processo AC 2003.71.14.001430-0[52], o
mesmo tribunal entendeu que o contribuinte tem total liberdade para escolher o
modelo tributário que lhe represente a menor carga tributária, entendendo, assim,
o planejamento tributário como prática absolutamente lícita.
Confira-se um trecho do referido julgado:
“(...) 6. Verifica-se a ocorrência de planejamento
tributário (elisão fiscal) já que, por meios lícitos e diretos, o contribuinte
planejou evitar ou minimizar a tributação. Esse planejamento se fundamenta na
liberdade que possui de gerir suas atividades e seus negócios em busca da menor
onerosidade tributária possível, dentro da zona de licitude que o ordenamento
jurídico lhe assegura. Tal liberdade se apresenta anteriormente à ocorrência do
fato gerador, pois, uma vez ocorrido este, surge a obrigação tributária,
configurando a sonegação/evasão do tributo já devido, o que não ocorre no caso
em tela(...)”.
Encontramos também,
um julgado, relativo ao Agravo de Instrumento n.º
2004.04.01.044424-0[53], desconsiderando o planejamento tributário feito pelo
contribuinte em virtude da caracterização de simulação. Confira-se a ementa
desse julgado:
“INCORPORAÇÃO. AUTUAÇÃO. ELISÃO E EVASÃO FISCAL. LIMITES.
SIMULAÇÃO. EXIGIBILIDADE DO DÉBITO.
1. Dá-se a elisão fiscal quando, por meios lícitos e diretos
o contribuinte planeja evitar ou minimizar a tributação. Esse planejamento se
fundamenta na liberdade que possui de gerir suas atividades e seus negócios em
busca da menor onerosidade tributária possível, dentro da zona de licitude que
o ordenamento jurídico lhe assegura. 2. Tal liberdade é possível apenas
anteriormente à ocorrência do fato gerador, pois, uma vez ocorrido este, surge
a obrigação tributária. 3. A elisão tributária, todavia, não se confunde com a
evasão fiscal, na qual o contribuinte utiliza meios ilícitos para reduzir a
carga tributária após a ocorrência do fato gerador. 4. Admite-se a elisão
fiscal quando não houver simulação do contribuinte. Contudo, quando o
contribuinte lança mão de meios indiretos para tanto, há simulação. 5.
Economicamente inviável a operação de incorporação procedida (da superavitária
pela deficitária), é legal a autuação.(... )”.
No site do Tribunal Regional Federal da Quinta Região
(Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe),
encontramos um julgado onde se julgou válida a contratação de um arrendamento
mercantil, ao invés de um contrato de compra e venda, afirmando que se trata de
uma questão envolvendo elisão fiscal. Confira o julgado[54]:
“TRIBUTÁRIO. CRÉDITO.
DESCONSTITUIÇÃO. ARRENDAMENTO MERCANTIL. REQUISITOS. LEI Nº 6.099/74. OPÇÃO
LEGÍTIMA DA EMPRESA. UNIFORMIZAÇÃO DOS VALORES DAS PRESTAÇÕES. DESNECESSIDADE.
CARACTERIZAÇÃO DOS ALUGUÉIS COMO DESPESAS OPERACIONAIS. PREJUÍZO. ELISÃO
FISCAL. 1. O contribuinte
pode, legitimamente, optar, quanto a seus equipamentos, pelo arrendamento
mercantil, desde que atendidos os requisitos legais, não se podendo partir da
presunção de que houve burla, ocorrendo, na verdade, contrato de compra e venda
a prazo. 2. Entre os ditos requisitos, elencados na lei nº 6.099/74, não consta
a necessidade da uniformização das prestações ajustadas, restando possível
estabelecer que as 12 (doze) últimas parcelas sejam fixadas em valor inferior
àquele atribuído às anteriores. 3. A adoção da citada modalidade contratual, em
razão da conveniência da própria contribuinte, configura hipótese de elisão
fiscal, onde se permite a busca da solução menos onerosa, sob o ponto de vista
tributário, dentre aquelas não vedadas na legislação de regência. 4. Diante da
caracterização do arrendamento, os aluguéis poderiam ser computados como
despesas operacionais, o que ocasionou prejuízos fiscais, nos exercícios de
1986 e 1987, inviabilizando a cobrança de imposto de renda pessoa jurídica,
questionada neste feito. 5. Apelação e remessa oficial improvidas”.
No mesmo tribunal, localizamos outro julgado dando a mesma
interpretação à aplicação da elisão fiscal. Confira-se[55]:
“TRIBUTÁRIO. ARRENDAMENTO MERCANTIL. DESCLASSIFICAÇÃO PARA
COMPRA E VENDA. FALTA DE TIPIFICAÇÃO LEGAL DOS INDÍCIOS INVOCADOS. ELISÃO
FISCAL LÍCITA. 1. Se o ajuste
celebrado como arrendamento mercantil contém todos os requisitos legalmente
exigidos para assim caracterizá-lo, descabe desclassificá-lo para compra e
venda devido a meros indícios de que esta foi a verdadeira intenção do
contrato.2. Para isto necessário seria que tais indícios estivessem
tipificados na legislação tributária como hipóteses descaracterizadoras de um e
caracterizadoras da outra. 3. Dá-se a elisão fiscal lícita quando o
contribuinte opta por legal operação econômica que lhe confere tratamento
tributário mais vantajoso. 4. Remessa oficial improvida”.
Não encontramos uma quantidade significativa de julgados de
julgados analisando o tema. Também não encontramos julgados do Supremo Tribunal
Federal ou do Superior Tribunal de Justiça.
Sendo assim, não se pode afirmar que o entendimento
expressado nos julgados acima irá prevalecer.
Todavia, é possível afirmar que a elisão fiscal encontra
guarida na jurisprudência e pode ser defendida com boa possibilidade de êxito.
CONCLUSÃO
Para o desenvolvimento das suas atividades, o Estado tem
direito de impor ao contribuinte o pagamento de tributos. Essa imposição,
todavia, deve obedecer a limites estabelecidos pela Constituição Federal (CF).
Em decorrência do Princípio da Legalidade, que representa um
desses limites, o contribuinte só é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo
quando a lei assim determinar.
Dessa forma, quando o Estado pretende impor ao contribuinte
determinado imposto, deve elaborar lei que especifique com exatidão em quais
circunstâncias o imposto será devido, ou seja, deve definir com clareza a
hipótese de incidência e o fato gerador do imposto.
A obrigação de pagar tributo apenas nasce quando o
contribuinte pratica ato que a lei define com fato gerador de tributo. Não
praticando esse ato, não existe obrigação de pagamento de tributo.
No sistema tributário brasileiro, cada ato do contribuinte
tem uma carga tributária específica. Existem situações em que um determinado
negócio pode ser realizado de formas diferentes, atingindo-se, no entanto, o
mesmo resultado. Uma das formas possíveis para realização do negócio pode
representar uma menor incidência tributária.
Quando não existe lei terminando que o contribuinte obedeça
a determinado modelo jurídico para realização do ato, ele pode optar pelo
modelo que lhe seja mais apropriado, podendo, inclusive, optar pelo modelo que
lhe traga uma menor incidência tributária.
Essa atitude de escolher a forma jurídica que propicie a
menor incidência tributária, utilizando-se da falta de regulamentação legal
sobre a matéria, é conhecida pela doutrina como elisão fiscal.
Já o planejamento tributário é a pratica através da qual o
contribuinte se utilizada da elisão fiscal para planejar seus negócios, com
objetivo de ter a menor carga tributária possível.
Por ser uma metodologia que diminui a receita tributária, o
Fisco age sempre com objetivo de impedir essa prática. Por não ser ilegal, o
Fisco precisa criar leis para impedir a prática da elisão fiscal.
A Lei Complementar nº 104, de 10 de janeiro de 2001, que
introduziu um parágrafo único, ao art. 116, do Código Tributário Nacional
(CTN), foi uma tentativa de impedir a utilização da elisão fiscal.
Todavia, essa lei não atingiu seu objetivo, pois apenas
reforçou o poder do Fisco de impedir a realização de atos ilícitos (evasão
fiscal). Essa norma, portanto, não tendo qualquer efetividade contra a prática
de atos lícitos que caracterizam a elisão fiscal.
Até mesmo as tentativas de interpretações legislativas, como
a constante nas teses de abuso de direito, fraude à lei, abuso da forma e falta
de propósito negocial, restaram infrutíferas, pois não foram capazes de
transformar a elisão fiscal, e, consequentemente, o planejamento tributário, em
prática ilegal.
A Jurisprudência mostra-se acolhedora à tese de legalidade
da elisão fiscal, entendendo que é absolutamente legal a adoção, por parte do
contribuinte, de modelos jurídicos que representem uma menor incidência
tributária.
Concluímos, portanto, que no sistema tributário brasileiro
não existe norma que impeça a utilização do planejamento tributário para obter
a menor incidência tributária aos atos praticados, sendo, assim, uma medida
absolutamente legal e que não pode ser impedida pelo Fisco.
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Notas
[1]Kiyoshi
Harada. Direito Financeiro e Tributário. 18 ed., São Paulo: Atlas, 2009, pg.
302.
[2]Hugo de
Brito Machado. Curso de Direito Tributário. 30 ed., São Paulo: Malheiros, 2009,
pg. 31.
[3]Kiyoshi
Harada. Op. cit., pg. 469.
[4]Hugo de
Brito Machado. Op. cit. pg. 33.
[5]Ives
Gandra da Silva Martins, coordenador. Curso de Direito Tributário. 10 ed. rer.
e atual., São Paulo: Saraiva, 2008, pg. 11.
[6]Hugo de
Brito Machado. Op. cit. pg. 39.
[7]Hugo de
Brito Machado. Op. cit. pg. 42.
[8]Hugo de
Brito Machado. Op. cit. pg. 40.
[9] Ives Gandra da Silva Martins. Op. cit. pg.
281.
[10] Ives
Gandra da Silva Martins. Op. cit. pg. 291.
[11]Raquel
Cavalcanti Ramos Machado. Interesse público e direito do contribuinte. São
Paulo: Dialética, 2007, pg. 58.
[12]Ives
Gandra da Silva Martins. Op. cit. pg. 11.
[13]Alberto
Nogueira Júnior. Pequenas observações sobre certos aspectos dos direitos
fundamentais do contribuinte. Brasília: Revista CEJ v. 13, n. 44 jan./mar,
2009, pg. 74.
[14] Raquel
Cavalcanti Ramos Rocha. Op. cit. pg. 62.
[15]Alberto
Nogueira Júnior. Op. cit. pg. 73.
[16]Douglas
Yamashita, Coordenação. Planejamento Tributário à Luz da Jurisprudência. São
Paulo: Lex, 2007, pg. 351.
[17] Douglas
Yamashita, Coordenação. Op. cit. pg. 351.
[18] Ives
Gandra da Silva Martins. Op. cit. pg. 430.
[19]Douglas
Yamashita, Coordenação. Op. cit. pg. 351.
[20]André
Portella. Garantia fundamental da liberdade em direito tributário com especial
referência à norma geral anti-elisão. São Paulo: Revista Tributária e de
Finanças Públicas. V.17, n.85 mar./ abr, 2009, pg. 64.
[21] Douglas
Yamashita, Coordenação. Op. cit. pg. 354/355.
[22] Douglas
Yamashita, Coordenação. Op. cit. pg. 109.
[23]Hugo de
Brito Machado. Op. cit. pg. 131.
[24] André
Portella. Op. cit. pg. 65.
[25] Ives
Gandra da Silva Martins, coordenador. Op. cit. pg. 481.
[26]Douglas
Yamashita, Coordenação. Op. cit. pg. 115.
[27]Douglas
Yamashita, Coordenação. Op. cit. pg. 115
[28]Douglas
Yamashita, Coordenação. Op. cit. pg. 360.
[29]André
Portella. Op. cit. pg. 64.
[30]Douglas
Yamashita, Coordenação. Op. cit. pg. 332.
[31]Marcelo
Magalhães Peixoto, José Alberto Arruda de Andrade, coordenadores; Ives Gandra
Martins. Planejamento Tributário. São Paulo: MP, 2007, pg. 364.
[32]Douglas
Yamashita, Coordenação. Op. cit. pg. 107.
[33]Douglas
Yamashita, Coordenação. Op. cit. pg. 356.
[34]André
Portella. Op. cit. pg. 72.
[35]Ives
Gandra da Silva Martins, coordenador. Op. cit. pg. 435.
[36]Ives
Gandra da Silva Martins, coordenador. Op. cit. pg. 439.
[37]André
Portella. Op. cit. pg. 72.
[38]Marcelo
Magalhães Peixoto, José Alberto Arruda de Andrade, coordenadores; Ives Gandra
Martins. . Op. cit. pg. 360.
[39]Douglas
Yamashita, Coordenação. Op. cit. pg. 331.
[40]Ives
Gandra da Silva Martins, coordenador. . Op. cit. pg. 420.
[41]Douglas
Yamashita, Coordenação. Op. cit. pg. 111.
[42]Douglas
Yamashita, Coordenação. Op. cit. pg. 357.
[43]Douglas
Yamashita, Coordenação. Op. cit. pg. 357.
[44]Ives
Gandra da Silva Martins, coordenador. Op. cit. pg. 431.
[45] Órgão
julgador: Segunda Turma Suplementar – Dj: 22/04/2002 - Data da Decisão:
26/03/2002.
[46]Relator
Ricardo Regueira - Órgão Julgador: Sétima Turma - Dju: 01/12/2006 – Decisão:
18/10/2006.
[47]Agravo de
Instrumento n.º 2003.03.00.067298-0 – Relator: Lazarano Neto - Órgão julgador:
Sexta Turma – Dju: 25/06/2007 - Data da Decisão: 16/05/2007.
[48]Apelação
Cível n.º 95.03.045034-9 – Relatora: Eliana Marcelo – Turma Suplementar da
Segunda Seção – Dju: 24/05/2007 - Data da Decisão: 17/05/2007.
[49]AC
00473368320054036182, JUIZ CONVOCADO ROBERTO JEUKEN, TRF3 - TERCEIRA TURMA,
e-DJF3 Judicial 1 DATA:22/02/2013 ..FONTE_REPUBLICACAO
[50]AMS
00137518720084036100, JUIZ CONVOCADO VALDECI DOS SANTOS, TRF3 - TERCEIRA TURMA,
e-DJF3 Judicial 1 DATA:06/05/2011 PÁGINA: 775 ..FONTE_REPUBLICACAO
[51]Relator
João Pedro Gebran Neto - Segunda Turma - DJ 24/01/2001 - Data da Decisão:
21/09/2000.
[52]Relator
Dirceu de Almeida Soares - Órgão Julgador Segunda Turma – Dj: 08/06/2005 - Data
da Decisão: 12/04/2005.
[53]Relator:
Dirceu de Almeida Soares - Órgão Julgador: Segunda Turma – Dj: 26/01/2005 -
Data da Decisão: 30/11/2004.
[54]Apelação Cível
n.º 95.052.8913-8 – Relator: Élio Wanderley de Siqueira Filho - Órgão julgador:
Terceira Turma - DJ: 12/06/2003 - Data da Decisão: 15/05/2003.
[55]Remessa
Ex Offício n.º 99.051.9800-8 – Relator: Castro Meira - Órgão julgador: Primeira
Turma – DJ: 12/09/2002 - Data da Decisão: 15/08/2002.
Autor: Cleiton Soares de Souza
Advogado, especialista em Direito Empresarial pela
Universidade Plebisteriana Mackenzie.
Cleiton Soares de Souza
Fonte: Apet
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