O país tem assistido a múltiplas demandas de aumento da
qualidade na prestação de serviços públicos, notadamente da educação e da
saúde, ampliação da acessibilidade ao gozo de direitos sociais básicos, assim
como dos benefícios de assistência social. Tudo isso equivale a aumento de
despesas públicas. Para atender a essas necessidades, três saídas são
possíveis: aumento de tributo, reestruturação dos créditos orçamentários,
segundo revisão das prioridades ou recuperação de dívidas.
Como não há espaço para aumento de tributos, impõe-se uma
revisão profunda da forma de distribuição do volume de receitas ao longo do
orçamento público. É chegado o tempo de se enfrentar a elaboração de uma lei
complementar com reforma da lei geral de direito financeiro, cristalizada na
Lei 4.320, de 1964.
Entretanto, há uma outra forma de rápido incremento das
receitas públicas, que é a melhoria e celeridade na solução dos conflitos
tributários, o que atormenta contribuintes, cria dificuldades de toda ordem ao
desempenho das atividades econômicas, com suas excessivas exigências de
garantias que se multiplicam e se sobrepõem, além de sanções gravíssimas, mas
que também, por parte das fazendas públicas, eterniza o passivo tributário, com
prevalência dos expedientes processuais sobre a verdadeira finalidade, que é a
percepção do crédito público, para atender às demandas sociais e estruturais do
Estado.
Sabe-se que o passivo tributário, no Brasil, é altíssimo.
Somente no âmbito dos tributos federais, chega a uma cifra superior a R$ 1,2
trilhão. Não obstante os esforços louváveis dos advogados públicos, a verdade é
que a recuperação deste passivo de dívidas tributárias ainda é muito aquém do
esperado. Estima-se que não supere os R$ 20 bilhões anuais. Culpa de uma lei
superada e antiquada, que é a Lei 6.830, de 1980. Sozinha, ela não tem
capacidade de oferta da celeridade esperada.
Por esse motivo, afora os únicos meios de solução de
litígios hoje vigentes, o processo administrativo e a execução fiscal, afora os
meios processuais ordinários (mandado de segurança e outros), algumas
alternativas são importantes para serem refletidas, como a conciliação
judicial, a transação e a arbitragem em matéria tributária. Diversos países
alcançaram bons êxitos na redução dos seus passivos tributários, acomodando os
princípios de indisponibilidade do patrimônio público e segurança jurídica dos
contribuintes, com aqueles da eficiência e simplificação fiscal.
O princípio jurídico e técnico da praticabilidade da
tributação impõe um verdadeiro dever ao Legislador de busca dos caminhos de
maior economia, eficiência e celeridade para viabilizar a imposição tributária,
o que poderá ser alcançado com intensificação da participação dos administrados
na gestão tributária e possibilidade de solução extrajudicial de conflitos
entre a Administração e os contribuintes.
Sabe-se, muitos são os obstáculos teóricos e culturais a
superar, tendo em vista conceitos e valores que merecem novos sopesamentos,
diante do atual quadro de evolução técnica dos ordenamentos e renovação
científica da doutrina. Há sempre o temor da corrupção, assim como o medo das
autoridades administrativas em decidirem conflitos e que mais tarde, pelo
simples fato da participação e assinatura dos atos, sejam alvo de penosos processos
penais ou de improbidade administrativa. Entretanto, essas ressalvas devem ser
motivo para impor rigores e controles, e não para se afastar o dever do
adequado exame do emprego das formas jurídicas de solução dos conflitos.
Dentre todos, é o princípio da indisponibilidade do
patrimônio público (tributo) o que maiores problemas de análise e de afetação
comporta.
O que vem a ser, precisamente, “indisponibilidade do crédito
tributário”? O princípio da indisponibilidade do patrimônio público e, no caso
em apreço, do crédito tributário, desde a ocorrência do fato jurídico
tributário, firmou-se como dogma quase absoluto do direito de estados
ocidentais, indiscutível e absoluto na sua formulação, a tal ponto que sequer a
própria legalidade, seu fundamento, poderia dispor em contrário. E como o
conceito de tributo, até hoje não definido satisfatoriamente, acompanha também
essa indeterminação conceitual da sua indisponibilidade, avolumam-se as
dificuldades para que a doutrina encontre rumo seguro na discussão do problema.
Porquanto “tributo” e “indisponibilidade” não sejam
conceitos lógicos, mas, sim, conceitos de direito positivo, variáveis segundo a
cultura de cada nação, próprios de cada ordenamento. Será o direito positivo a
dar os contornos do que queira denominar de “direito indisponível”, inclusive
suas exceções (direito inalienável inter vivos, direito intrasmitível mortis
causa, direito irrenunciável, direito não penhorável etc). Tome-se como
premissa a inexistência, no direito de todos os povos, de um tal princípio
universal de “indisponibilidade do tributo”.
Berliri tentou responder a esta indagação ao fazer a
diferença entre “rapporto giuridico tributario” e “obrigação tributária”,
definindo como indisponível apenas o primeiro. No Brasil, onde a Constituição
Federal discrimina competências prévias, prescrevendo os tributos que cada
pessoa pode criar, isso permitiria vislumbrar uma indisponibilidade absoluta da
competência tributária; mas não do “crédito tributário” – previsto em lei – que
pode ser disponível para a Administração, segundo os limites estabelecidos pela
própria lei, atendendo a critérios de interesse coletivo, ao isolar (a lei) os
melhores critérios para constituição, modificação ou extinção do crédito
tributário, bem como de resolução de conflitos, guardados os princípios
fundamentais, mui especialmente aqueles da igualdade, da generalidade e da
definição de capacidade contributiva. Eis o que merece grande acuidade, para
alcançar respostas adequadas aos temas de conciliação, transação, arbitragem e
outros pactos na relação tributária, tomando como premissa a inexistência, no
direito, de um tal princípio universal de “indisponibilidade do tributo”.
Assim, no campo da aplicação, nada impede que a lei possa
qualificar, dentro de limites e no atendimento do interesse coletivo, os
melhores critérios para constituição, modificação ou extinção do crédito
tributário, inclusive os meios de resolução de conflitos, vinculativamente e
com espaço para discricionariedade, no que couber, visando a atender a
economicidade, celeridade e eficiência da administração tributária.
De fato, se encarados como meios ordinários disponíveis para
qualquer modalidade de conflito, seria algo deveras preocupante, tendo em vista
as implicações com o princípio da legalidade estrita em matéria tributária.
Cabe estabelecer, portanto, antes que uma cortina de preconceitos, os limites
para a adoção desses regimes, como bem já o fizeram outros países de bases
democráticas sólidas como França (Conciliation; Transaction; Régler autrement
les conflits, de 1994), Alemanha, Itália (accertamento con adesione e
conciliazione giudiciale), Inglaterra (Alternative Dispute Resolution – ADR) e
Estados Unidos (Alternative Dispute Act, de 1990; Closing Agreement, Sec 7121,
IRC), empregando-os de forma prévia à utilização da via judicial ou no seu
curso, como nos casos de conciliação.
Esses meios alternativos de soluções de controvérsias,
nestes incluídos a arbitragem, como o fez Portugal, serão sempre úteis para
resolver conflitos baseados na interpretação daquilo que não for claro e
determinável à luz de certo caso concreto.
Temos para nós que o legislador detém, sim, liberdade
constitucional para proceder à identificação de métodos alternativos para
extinção do crédito tributário, mediante solução de controvérsias em matéria
tributária, ao tempo em que, ao fazê-lo, deverá predispor, de modo claro, os
limites que permitirão aos contribuintes e à Administração alcançarem bom êxito
na resolução de conflitos que tenham como objeto matéria de fato de difícil
delimitação ou cujas provas apresentadas não permitam a formação de um juízo
consistente para identificar a proporção da ocorrência factual ou mesmo a
correta quantificação da base de cálculo do tributo. Havendo dificuldades
nesses processos lógicos de subsunção, poderia ser útil a utilização de algum
desses mecanismos.
Basta pensar nos casos que impliquem inversão do ônus da
prova, por presunções e similares, que geralmente garantem largo espaço de
disponibilidade à Administração, relativamente aos direitos patrimoniais
envolvidos, ao permitir que as autoridades cheguem a uma média ou a uma
quantificação meramente presumida. É o que se vê nos casos de incidências com
bases de cálculo presumidas ou dependentes de arbitramento, como “preço de
mercado”, “valor venal”, valor da terra nua”, pautas de valores, definição de
preços de transferência, definição de mercadorias, na qualificação de produtos,
mediante tabela ordenada segundo a seletividade e essencialidade, custos e
valor de bens intangíveis, hipóteses de cabimento de analogia e equidade etc.
A transação tributária tem como pressupostos o litígio e a
vontade de transigir, mediante concessões recíprocas da Administração e dos
contribuintes, mediante o acordo obtido.
O Código Tributário Nacional contempla a transação, no seu
artigo 156, III, como meio de extinção do crédito tributário, aduzindo no art.
171, suas finalidades essenciais e requisitos:
“A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos
sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que,
mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e conseqüente
extinção de crédito tributário.
Parágrafo único. A lei indicará a autoridade competente para
autorizar a transação em cada caso.”
Como se vê, essa disposição normativa não pôs qualquer
limite material para o exercício da transação. Por isso, o modo lógico de
alcançar o acordo será sempre aquele que se evidencia por aproximação
consensual e bilateral, mediante concurso de vontade das partes, com mútuo
sacrifício de expectativas. Diante dessa circunstância, não pode a
Administração pretender rever atos tributários que foram objeto de controle pelas
autoridades competentes e extintos no âmbito da transação, como parte do
litígio. A bilateralidade de vontade e o custo da cessão de interesses e
prejuízos pessoais o proíbe.
A autonomia que dispunha a Administração para rever
unilateralmente os atos de lançamento cessa com a transação, que extingue o
crédito tributário submetido ao Acordo, seja qual a modalidade do seu objeto.
No seu lugar, comparece a bilateralidade do acordo, decorrente do concurso de
vontade dos transatores, como solução aos litígios existentes, mediante
concessões mútuas. E exatamente por isso é que não assiste direito à
Administração de alegar o direito de revisibilidade unilateral dos atos
administrativos, pelos sacrifícios gerados pelo procedimento e adesão aos
interesses do contribuinte.
No ato decisional do procedimento não há “contrato” entre o
contribuinte e a Administração. O que se verifica é tão-só a ponência, no
sistema jurídico, de uma norma individual e concreta, típico ato
administrativo, por meio do qual o contribuinte chega à solução do litígio em
concurso de vontade com a Administração.
Fartos são os exemplos. Ajustes de pautas de valores,
definição de preços de mercado, quando não se tenha elementos convincentes para
aferir sua quantificação, valor de intangíveis, hipóteses de cabimento de
analogia e equidade, no espaço autorizado pelo ordenamento (art. 108, do CTN),
dentre outros, demonstram que há espaço para decisões arbitrais, transações ou
conciliações judiciais, a depender do estágio de interferência do procedimento.
Em nenhum desses casos estar-se-ia abandonando o espaço da
legalidade. Ao contrário, com a lei, criando condições para que se alcance uma
posição de justiça sobre os elementos concretos da situação conflitiva,
regula-se o modo adequado para solução do conflito e conseqüente extinção do
crédito tributário sem demoras ou excessos de procedimentos.
Deveras, é difícil aceitar que a transação ou a arbitragem
se possam prestar para discutir situações jurídicas formais ou adequadamente
provadas, como bem salienta José Osvaldo Casás, em preciosa monografia,
porquanto estejam em jogo questões de técnica jurídica e não questões de fato.
É preciso perder o medo da liberdade (vigiada) que se possa
atribuir aos agentes da Administração, sempre presente nos conteúdos de normas
tributárias, especialmente aquelas destinadas a reconhecer direitos para os
contribuintes, como isenções, remissões, anistias, parcelamentos ou moratórias.
Como bem conclui Raffaello Lupi: il “concordato” non costituisce un “atto
dispositivo” del credito tributario, ma un compromesso sugli aspetti
controversi della determinazione dell’imposta[1]. Os aspectos discutíveis, para
os quais seja possível encontrar uma solução de compromisso, são os que revelam
o conteúdo dos atos sujeitos a alguma hipótese de solução alternativa de
controvérsia.
Preferível, sim, soluções individuais, caso a caso, do que
as modalidades generalistas de generosos parcelamentos, sem atenção à situação
típica de cada contribuinte, ou concessões de isenções que se aplicam indistintamente
a todos. São formas de gastos tributários que poderiam ser perfeitamente
evitados, com maior economia de resultado para o erário.
Formas alternativas para resolução de conflitos em matéria
tributária podem ser desenvolvidas e aplicadas tanto de um modo preventivo,
para aquelas situações antecedentes a contenciosos formalmente qualificados,
como para as que se encontrem já na forma de lides, de modo incidental,
servindo de objeto para processos administrativos ou judiciais em curso. No
primeiro caso, temos diversas modalidades de procedimentos, alguns dos quais já
adotados com plena eficácia, como é o caso do parcelamento (artigo 155A, CTN),
denúncia espontânea (artigo 138, CTN), consignação em pagamento (artigo 164,
CTN), anistia (artigo 180, CTN); bem como outras experiências, como é o caso da
arbitragem, presente no nosso ordenamento, mas limitadamente para os chamados
“direitos disponíveis” (art. 1º, da Lei nº 9307/96). No outro, como alternativa
para a solução de conflitos em andamento, parece-nos que a conciliação
judicial, a mediação e a transação (administrativa, artigo 171, CTN) e outros
pactos na relação tributária, seriam os instrumentos recomendáveis, dentro dos
limites que a legislação possa impor.
O que importa é que, ao final, tenha-se um ato
administrativo, unilateral, constitutivo de um direito de crédito para a
Fazenda Pública, nos termos do acordo pactuado, segundo as previsões legais,
mas que fica ainda dependente de extinção por parte dos contribuintes, nos
termos da lei tributária regula o procedimento de exigibilidade. Nada que ver
com hipóteses de negócios contratuais ou coisa do gênero, até porque não há
qualquer definitividade no crédito cumprido ao final, porque a disponibilidade
limita-se à administração, cabendo a revisão do ato dentro do prazo de
prescrição.
Qualquer conflito em matéria tributária decorre da
existência ou possibilidade de aplicação de normas tributárias, como atos
denegatórios de solicitação à restituição ou compensação de tributo,
reconhecimento de benefícios, medidas exoneratórias ou de pedidos de
parcelamento, respostas insuficientes expedidas ao final do procedimento de
consulta e, com maior evidência, para evitar a formação dos atos
administrativos de lançamento e autos de infração, quando praticados com
ilegalidade ou abuso de poder.
A simplificação fiscal, porém, vista como critério
hermenêutico que se presta também a garantir os conteúdos axiológicos
superiores do sistema tributário, especialmente para os fins da exigibilidade
dos tributos, como elemento de influência sobre os procedimentos e técnicas de
resolução de conflitos em matéria tributária, deve coincidir com o princípio da
indisponibilidade do patrimônio público (crédito tributário), na tentativa de
garantir compatibilização entre ambos, mas este não pode ser um obstáculo
intransponível para a realização daquele valor. Seu fundamento é a garantia de
segurança jurídica e a eficiência do patrimônio público, ao que formas
alternativas de resolução de conflitos, empregadas à luz dos critérios democráticos
de uma tributação justa, certa, rápida e econômica, podem contribuir
adequadamente à ampliação dos seus efeitos.
Não se encontra em nenhum artigo da Constituição qualquer
impedimento para a adoção de soluções pactícias em matéria tributária, cabendo
à lei decidir fazê-lo, nos termos e limites que julgar satisfatórios.
O procedimento de arbitragem aplicado em matéria tributária,
para ser adotado na exigência de créditos tributários ou mesmo na solução de
conflitos em geral, teria que atender a todos os ditames de legalidade, como:
a) previsão por Lei, a definir a arbitragem como medida de extinção de
obrigações tributárias e indicar seus pressupostos gerais, limites e condições;
b) edição de lei ordinária pelas pessoas de direito público interno para
regular, no âmbito formal, o procedimento de escolha dos árbitros, bem como a
composição do tribunal arbitral, a tramitação de atos, e bem assim os efeitos
da decisão e do laudo arbitral, além de outros (artigo 37, da CF); e c) que
ofereça, em termos materiais, os contornos dos conflitos que poderiam ser
levados ao conhecimento e decisão do tribunal arbitral (artigo 150, CF). A
legalidade deve perpassar todo o procedimento, reduzindo o campo de
discricionariedade e garantindo plena segurança jurídica na sua condução. Como
visto, esta é uma questão que só depende de esforço político.
Sobre seus limites materiais, no âmbito de relações
tributárias, a arbitragem poderia ser adotada para hipóteses de litígios
fundados em questões de fato, mesmo que envolvendo aplicação do direito
material; simples dúvidas sobre a aplicação da legislação tributária restaria
como âmbito próprio para ser resolvidas por consultas fiscais; do mesmo modo
que assuntos vinculados a matérias típicas de sujeição a julgamento sobre o
direito material, como controle de inconstitucionalidade ou de legalidade,
aplicação de sanções pecuniárias, dentre outras, continuariam sujeitas a
controle exclusivo dos órgãos do processo administrativo ou judicial.
A principal característica da arbitragem é a atribuição do
dever de sujeição das partes à decisão dos árbitros ou tribunal arbitral, a
quem se submetem voluntariamente. Por isso, ao se ter como parte do litígio um
órgão da Administração, a vontade desta há de ser externada por órgão
competente, legalmente estabelecido, preferencialmente de composição coletiva,
de sorte a garantir plena legitimidade da decisão, pela composição dos valores
persistentes na garantia dos princípios de legalidade, indisponibilidade do
crédito tributário (patrimônio público), moralidade, eficiência administrativa
e isonomia tributária.
Quanto aos efeitos, o “compromisso arbitral” geraria eficácia
vinculante para a Administração, que ficaria obrigada ao quanto fosse acordado
e decidido no laudo arbitral, para os fins de lançamento e cobrança do crédito
tributário. Para o contribuinte, teríamos como único efeito aquele de afastar o
direito ao processo administrativo, ao assumir o compromisso de renunciar a
qualquer espécie de recurso administrativo visando a discutir o conteúdo
material da resolução alcançada. A Constituição, ao garantir o monopólio da
jurisdição judicial, nos termos do artigo 5º, XXXV, não admitiria que tal
impedimento pudesse ir além dos limites administrativos. Nenhuma espécie de
autoexecutoriedade tampouco poderia ser reclamada pela Administração,
objetivando superar a execução judicial de créditos tributários, na medida que
a arbitragem não substitui nem os atos de lançamento, nem os de cobrança
ordinária do crédito tributário. Isso não impede, outrossim, que a lei defina o
“laudo arbitral” como espécie de título executivo extrajudicial, para os fins
de execução fiscal dos créditos ali definidos e liquidados.
Outro exemplo de arbitragem prevista em matéria tributária,
pode ser encontrado nos tratados internacionais para evitar a dupla tributação
internacional firmados pelo Brasil, mediante o chamado procedimento amigável
consultivo de eliminação de casos de bitributação, inserto na segunda parte do
parágrafo 3º do artigo 25, predisposto para resolução dos casos de dupla
tributação internacional não previstos no texto convencional, com a devida
eliminação das lacunas deste, através de uma relação direta de consulta entre
os Estados. Trata-se de uma típica espécie de arbitragem em matéria tributária.
Os sistemas fiscais, de um modo geral, têm-se mostrado suficientemente
flexíveis para apresentar uma solução por meio de procedimento amigável e
aplicar as determinações coligidas na sua conclusão. Todavia, os Estados não
estão obrigados a chegar a uma “conclusão”, eles apenas devem esforçar-se para
chegar ao acordo. E mesmo este acordo, quando alcançado, fica vinculado às
faculdades discricionárias das Administrações, para os fins do seu cumprimento.
O procedimento para a transação há de ser necessariamente
conciliatório de conflito formalmente reconhecido, em curso de processo
administrativo. Mais não será do que espécie de ato preparatório ou de revisão
de lançamento tributário previamente praticado. O modo lógico de alcançar a
decisão, por aproximação consensual e bilateral, mediante concurso de vontade
das partes, com mútuo sacrifício de expectativas, não desnatura o resultado,
qualificando-o como espécie de ato negocial.
Visto que a transação e a arbitragem estão permitidas no
direito brasileiro, ambos plenamente passíveis de serem adotadas como medidas
de solução de conflitos em matéria tributária, no âmbito de procedimentos
tipicamente administrativos, resta saber se haveria espaço para uma possível
inserção de procedimento conciliatório preventivo no corpo do processo
judicial, com idêntica finalidade, qual seja, resolver definitivamente o
litígio de modo célere, prático, eficaz e econômico.
Uma alternativa que merece encômios, praticada atualmente no
direito italiano como solução de controvérsia em matéria tributária, é a
chamada conciliação judicial (Lei 656, de 30 de novembro de 1994; D.L. 218, de
19 de junho de 1997), à semelhança do que ocorre nos domínios de outras
matérias, como a trabalhista ou de direito de família, que pode ser provocada
no início de qualquer processo judicial, no âmbito de juízo singular, visando à
composição da lide mediante acordo prévio, gerando efeitos vinculantes e
definitivos para as partes, contribuinte e Administração, quando assim o
confirme o recurso necessário. Materialmente, essa conciliação prévia não
encontra qualquer restrição, podendo reportar-se a provas, matéria de fato ou
de direito, bastando que se trate de tributos sobre os quais a “Comissione
Tributaria” tenha domínio e o Juiz seja competente para julgar; e formalmente,
constitui-se como instituto eminentemente processual, ao pressupor um processo
judicial em curso. Seguindo uma espécie de “incidente processual”, é oportunidade
que a lei confere às partes para que ponham fim ao conflito, previamente ao
procedimento judicial. Tanto a Administração como o contribuinte podem propor a
conciliação, inclusive solicitando audiência própria para este fim. Alcançando
bom êxito, a Administração expede um “decreto de extinção do processo”, com
eficácia provisória de 20 dias, dentro do qual o contribuinte poderá efetuar o
pagamento e, consequentemente, promover a extinção da dívida tributária. Outro
efeito adicional é reduzir a um terço o montante da sanção pecuniária
eventualmente imposta ao contribuinte. Como fica demonstrado, não há maiores
dificuldades para que se transponha para os demais processos existentes, em
matéria tributária, essa rica experiência, aplicando-se critérios de transação
ou conciliação para compor litígios em audiência própria para esse fim,
alcançando, com isso, agilidade na percepção definitiva dos créditos
tributários e evitando o desgaste de longos e morosos processos inúteis.
O fundamento dessas medidas de soluções alternativas de
controvérsias tributárias é a confiança recíproca, amparada na boa-fé objetiva,
no respeito ao pacta sunt servanda e no fundamento constitucional do ato
jurídico perfeito (artigo 5º, XXXVI — a lei não prejudicará o direito adquirido,
o ato jurídico perfeito e a coisa julgada).
Por conta daqueles fundamentos, a revisibilidade do conteúdo
de transações é peremptoriamente proibida, por serem, estas, causas de extinção
do crédito tributário (art. 156, III, do CTN). Ora, dizer que a transação
“extingue” o crédito tributário nada tem que ver com o “pagamento” desta
eventualmente decorrente. Decerto que tal menção no rol das causas extintivas
das obrigações tributárias só tem cabimento se entendermos a transação no
contexto de extinção da pretensão tributária sobre o quanto foi concedido pela
Administração tributária, com respeito às concessões (recíprocas) dos
contribuintes. A legalidade constitucional (artigo 150, inciso I, da CF),
aliada à impossibilidade de usar tributo com efeito de confisco (artigo 150,
incio IV, da CF), vedam que o procedimento de transação possa ser reaberto para
qualquer tipo de revisão.
Não por menos, o Supremo Tribunal Federal fez editar, como
sua primeira Súmula Vinculante, única aprovada por unanimidade, exatamente
sobre um acordo em matéria tributária, em relação à transação realizada no caso
do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. In verbis:
“Súmula Vinculante 1 (FGTS) – Ofende a garantia
constitucional do ato jurídico perfeito a decisão que, sem ponderar as
circunstâncias do caso concreto, desconsidera a validez e a eficácia de acordo
constante de termo de adesão instituído pela Lei Complementar nº 110/2001.”
Neste, o ato jurídico perfeito (acordo do FGTS, conforme
previsto na Lei Complementar nº 110/2006) foi alvo de diversas decisões
judiciais editadas com o escopo de prejudicar sua manutenção, pelas mais
desencontradas razões. A pacificação da jurisprudência, pelo STF, entretanto,
não veio pela escolha entre uma ou outra, mas, sim, pelo banimento de qualquer
ataque ao pacta sunt servanda e aos efeitos do Acordo, especialmente aquele de
ser um típico “ato jurídico perfeito”, após a adesão do contribuinte e
cumprimento de todos os atos necessários perante a Administração e o
Judiciário.
Como demonstrado, a introdução de meios alternativos de
controvérsias tributárias pode ser um auspicioso meio de ampliação das receitas
tributárias no financiamento das necessidades públicas, pela recuperação dos
créditos estagnados em processos que se eternizam. São formas que não encontram
resistência constitucional. E qualquer dúvida pode ser solucionada previamente
por Ação Declaratória de Constitucionalidade. E para afastar qualquer temor com
vícios no procedimento, seja qual for o procedimento, mister que o espaço de
discricionariedade limite-se o mais que possível pelo texto legal, indicando
precisamente o campo de atuação das autoridades competentes, as hipóteses de
cabimento e outros elementos de mérito que mereçam demarcação prévia. E isto é
também domínio de legalidade, por predeterminação normativa de conduta. Nenhuma
quebra de legalidade ou de isonomia, portanto. Uma sugestão para análise dos
projetos de lei em curso no Congresso Nacional, assim como para análise pelos
estados e municípios que ainda não adotaram semelhantes medidas.
___
[1] LUPI, Raffaello. Prime considerazione sul nuovo regime
del concordato fiscale. Rassegna Tributaria. Roma: ETI, 1997, nº 4, a. XL,
lug.-ago., p. 794;
___
Heleno Taveira Torres
- advogado, professor e livre-docente de Direito Tributário da Faculdade de
Direito da USP, e membro do Comitê Executivo da International Fiscal
Association.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 17 de julho de 2013
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