Ao oporem embargos às
ações de execução fiscal, os contribuintes têm-se deparado com decisões que os
recebem sem efeito suspensivo.
As decisões fundamentam o recebimento dos embargos no § 1º
do artigo 16 da Lei 6.830/80 (Lei de Execuções Fiscais), porque os débitos
estão garantidos, mas, ao mesmo tempo, sustentam que para a atribuição de
efeito suspensivo é necessário o cumprimento dos requisitos dispostos pelo § 1º
do artigo 739-A do Código de Processo Civil.
Consoante tais decisões, não existe previsão na lei
específica das execuções fiscais quanto aos efeitos gerados pela oposição dos
embargos, o que requer a aplicação subsidiária do artigo 739-A e de seu
parágrafo 1º da lei geral.
Há nessas decisões um equívoco, porque o artigo 739-A do
Código de Processo Civil é aplicável apenas aos embargos à execução cível, que
não são precedidos de garantia do débito e o § 1º do artigo 16 da Lei 6.830/80
exige a garantia do débito para admissão dos embargos. Ademais, nos artigos 18,
19, 21, 24, I, e 32, § 2º da Lei 6.830/80 há proibição expressa de
prosseguimento do curso da ação de execução fiscal antes de proferida sentença
rejeitando os embargos, justamente por ser exigida a garantia do débito.
A Lei 6.830/0 estabelece que a execução para cobrança da
Dívida Ativa da União, dos estados, dos municípios e respectivas autarquias
será regida por ela e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil (artigo
1º).
Afirmar que a execução fiscal é regida subsidiariamente pelo
Código de Processo Civil corresponde a dizer que as normas gerais desse diploma
legal somente serão aplicadas aos fatos não previstos pela Lei 6.830/80, que
veicula normas especiais, ou, o que é equivalente, as normas do Código de
Processo Civil aplicam-se às execuções fiscais sempre que a situação regulada
não seja objeto de disposição específica estatuída pela Lei 6.830/80.
Um exame do texto integral da Lei nº. 6.830/80 demonstra que
ela realmente não contém apenas um único dispositivo prescrevendo que os
embargos devem ser recebidos com efeito suspensivo, contém vários dispositivos:
todos estatuindo que o curso da ação de execução fiscal não pode prosseguir
enquanto não rejeitados os embargos opostos.
A proibição de prosseguimento do curso da ação de execução
fiscal antes de proferida sentença rejeitando os embargos encontra-se expressa
nos artigos 18, 19, 21, 24, I, e 32, §2º.
O artigo 18 da Lei nº. 6.830/80 preceitua que, caso não
sejam oferecidos os embargos, a Fazenda Pública manifestar-se-á sobre a
garantia da execução. Em consonância com esse dispositivo, se o executado
garantir o débito, mas não se opuser à execução por meio de embargos, a Fazenda
será intimada para falar sobre a garantia. Todavia, se o executado garante o
débito e opõe embargos, não é dada à Fazenda oportunidade de expressar-se sobre
a garantia antes de proferida sentença rejeitando os embargos e isso ocorre
porque a execução fica suspensa até a decisão que põe termo aos embargos. Se a
execução não ficasse suspensa, a Fazenda poderia expressar-se sobre a garantia
mesmo tendo sido opostos embargos.
Do preceito citado, depreende-se que a oposição dos embargos
impede a manifestação da Fazenda sobre a garantia. Esse impedimento desaparece,
sem dúvida, com a rejeição dos embargos. Se o impedimento só desaparece com a
rejeição dos embargos é porque enquanto ele tramita o curso da execução fica
suspenso.
Com o mesmo propósito, mas com maior clareza, o artigo 19 da
Lei nº. 6.830/80 estabelece que não sendo embargada a execução ou sendo
rejeitados os embargos, no caso de garantia prestada por terceiro, será este
intimado, sob pena de contra ele prosseguir a execução nos próprios autos,
para, no prazo de 15 (quinze) dias: (I) remir o bem, se a garantia for real; ou
(II) pagar o valor da dívida, juros e multa de mora e demais encargos,
indicados na Certidão de Dívida Ativa, pelos quais se obrigou, se a garantia
for fidejussória.
Por que o terceiro não pode remir o bem ou pagar a dívida
antes de rejeitados os embargos? Porque a oposição de embargos depois de
garantido o débito paralisa o curso da execução. A rejeição dos embargos fará
prosseguir a execução contra o terceiro se ele não remir o bem ou pagar a
dívida. É evidente que a execução só prosseguirá contra o terceiro porque
estava suspensa, pois se não estivesse suspensa poderia prosseguir, já teria
prosseguido. E qual o fato gerador da suspensão da execução? A oposição dos
embargos. E qual o fato gerador do prosseguimento da execução, agora em face do
terceiro, se não remir o bem ou não pagar a dívida? A rejeição dos embargos.
É cristalino o comando do artigo 19: os embargos opostos
paralisam o curso da execução. Esse curso só é retomado, e contra o terceiro
que garantiu o débito, se os embargos forem rejeitados. Uma simples leitura
desse dispositivo, não deixa dúvida de que os embargos à execução fiscal têm
efeito suspensivo, a menos que se retire da Língua Portuguesa, ou nela não se
reconheça, a lógica que orienta a formação das palavras e sua articulação em
frases, orações, períodos inteligíveis transportadores de mensagens objetivas.
A mensagem do artigo 21 da Lei 6.830/80 também é
transparente quanto à necessidade de aguardar-se a decisão de primeiro grau
para que a garantia seja destinada à Fazenda Pública ou ao executado. Esse
dispositivo estatui que na hipótese de alienação antecipada dos bens penhorados,
o produto será depositado em garantia da execução, nos termos previstos no art.
9º, I.
O que se deduz da prescrição do artigo 21 é: (a) antecipado
é aquilo que acontece antes do momento devido ou que lhe é próprio. Logo, se a
lei considera antecipada a alienação é porque ocorre antes do momento em que
deveria ocorrer; e (b) esse caráter antecipatório fica evidenciado quando a lei
determina que o produto da alienação dos bens penhorados deve ficar depositado
em garantia dos débitos executados até a decisão sobre o pedido formulado nos
embargos, ou seja, paralisado o processo de execução enquanto aguarda o
desfecho dos embargos que a ela se opõem, de modo que, antes de proferida
sentença nos autos dos embargos, o dinheiro não será destinado à Fazenda Pública.
Ele será depositado nos autos da execução e seu destino dependerá da decisão de
primeiro grau: se os embargos forem rejeitados, o dinheiro irá para os cofres
da Fazenda Pública; se os embargos forem acolhidos, após o trânsito em julgado,
conforme determina o §2º do artigo 32 da Le nº. 6.830/80, o dinheiro será
levantado pelo executado.
Se a execução pudesse prosseguir, antes de prolatada a
decisão nos embargos, o produto da alienação antecipada dos bens penhorados não
ficaria nos autos, como depósito, à ordem do juízo; seria transferido para os
cofres da Fazenda Pública. Por que o produto da alienação antecipada dos bens
penhorados não pode ser transferido para os cofres da Fazenda Pública? Porque,
de acordo com a lei, isso só pode ocorrer após a rejeição dos embargos por
sentença, o que equivale a asseverar que a lei impõe a suspensão da execução,
de modo que não prossegue enquanto pendente de julgamento os embargos. Ou seja,
opostos embargos precedidos de garantia, o curso da ação de execução é suspenso,
pois o produto da alienação antecipada de bens penhorados não pertence à
Fazenda Pública, fica depositado e sob resguardo do juízo até que decida a
sorte dos embargos.
Destaque-se que a alienação antecipada, referenciada no
artigo 21 da Lei 6.830/80, só pode ocorrer nas hipóteses previstas no artigo
670 do Código de Processo Civil, como assinalado, logo, permitir que a execução
prossiga com a alienação fora das hipóteses previstas equivale a negar vigência
ao dispositivo da lei especial (art. 21) e da lei geral (art. 670).
O artigo 21 da Lei 6.830/80 dispõe somente sobre a
destinação dos valores obtidos em razão da alienação antecipada dos bens, mas
não discrimina as hipóteses em que pode ocorrer a referida alienação, o que
demanda a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil.
O Código de Processo Civil estatui, em seu artigo 670, que o
juiz autorizará a alienação antecipada dos bens penhorados quando: I – sujeitos
a deterioração ou depreciação; II – houver manifesta vantagem. O parágrafo único
desse artigo preceitua: quando uma das partes requerer a alienação antecipada
dos bens penhorados, o juiz ouvirá sempre a outra antes de decidir.
O artigo 21 da lei especial, combinado com o artigo 670 da
lei geral, demonstra que a alienação antecipada constitui exceção à regra de
que os bens somente podem ser levados à hasta para alienação depois de decisão
pondo termos aos embargos.
O artigo 21 da Lei 6.803/80 não deixar margem para dúvida,
ao empregar os termos hipótese e alienação antecipada, de que a regra é a
alienação depois da decisão que põe termo aos embargos. Por outras palavras, a
alienação antes de proferida decisão nos autos dos embargos constitui exceção.
Tanto assim o é, que o mesmo dispositivo determina que o produto da alienação
seja depositado à ordem do juízo, em estabelecimento oficial de crédito que
assegure sua atualização monetária, o que importa dizer que a exequente não
terá direito ao valor da alienação antes do trânsito em julgado de decisão
final que lhe seja favorável, o que sintoniza com a prescrição do §2º do artigo
32 da Lei 6.830/80, segundo a qual o valor depositado só é devolvido ao
executado ou entregue à exequente apenas após o trânsito em julgado da decisão.
Do mesmo modo que os dispositivos já citados, o artigo 24,
I, da Lei 6.830/80 impõe duas condições para o prosseguimento da execução: (a)
a primeira é que a execução não tenha sido embargada, o que, a contrario sensu
implica que, tendo sido embargada, fica sobrestada; e (b) a segunda é que,
tendo sido oferecidos embargos, sejam eles rejeitados. Somente ante à
ocorrência ou implemente de uma dessas condições a lei admite o prosseguimento
da execução fiscal, que passa, então, à fase de excussão dos bens, podendo a
Fazenda Pública adjudicar os bens penhorados. Eis os seus termos: A Fazenda
Pública poderá adjudicar os bens penhorados antes do leilão, pelo preço da
avaliação, se a execução não for embargada ou se rejeitados os embargos. (Os
grifos não constam do original).
O que significa essa prescrição, senão que, antes de
proferida sentença rejeitando os embargos, à Fazenda é proibido adjudicar os
bens? Ora, por que a Fazenda não pode adjudicar os bens para a satisfação do
crédito que reclama antes da decisão que rejeita os embargos? A resposta é
simples, direta, lógica e hialina: porque o curso da execução está suspenso. E
a suspensão do curso da execução decorre da oposição dos embargos, que, por sua
vez, só são admitidos quando precedidos de garantia do débito executado.
Igual mensagem de proibição do curso da execução fiscal
antes de decisão rejeitando os embargos transmite o §2º do artigo 32 da Lei
6.830/80, ao determinar que após o trânsito em julgado da decisão, o depósito,
monetariamente atualizado, será devolvido ao depositante ou entregue à Fazenda
Pública, mediante ordem do juízo competente. Ora, o verbo será, no futuro
simples, traduz um comando, pois é próprio da Língua Portuguesa que se use o
tempo futuro simples como vicário para exprimir um comando. Trata-se de uma
ordem dirigida ao juiz. Não pode ele entregar o depósito a nenhuma das partes
antes do julgamento definitivo (= trânsito em julgado) dos embargos. Tal
circunstância, isto é, esse comando legal ficaria sem sentido se a execução
pudesse prosseguir, pois, em tal hipótese, seria dado ao juiz, antes da decisão
definitiva sobre os embargos, poder desobedecer à lei e entregar à Fazenda
Pública ou ao depositante o valor do depósito.
Força convir que a concretização do preceito inscrito no §2º
do artigo 32 somente pode dar-se se a execução tiver sido suspensa com a
oposição dos embargos. Qualquer outra conclusão consistirá em ilogismo, um
absurdo racional. Insista-se, a mensagem normativa em apreço torna
imprescindível não só a sentença nos embargos, acolhendo-os ou rejeitando-os,
mas o trânsito em julgado dessa decisão para que a execução possa retomar sua
marcha a fim de a garantia ser destinada a quem de direito. Por outros termos,
a sentença favorável à Fazenda é condição necessária para que a execução prossiga
e lhe seja entregue o depósito, mas não é condição suficiente, porque o fato
entrega do depósito só se concretiza com o trânsito em julgado, e isso só é
possível porque o fato da oposição dos embargos tem o condão de suspender o
curso da execução.
Muito bem, a conclusão inexorável é de que há previsão na
Lei 6.830/80 acerca do efeito da oposição dos embargos, como comprovam os
artigos citados e analisados, pois, em todos os casos, o prosseguimento da
execução depende do julgamento dos embargos, e, por isso, não deve ser aplicado
o artigo 739-A do Código de Processo Civil. Ao aplicar o artigo 739-A,
topologicamente localizado nas Disposições Gerais do Livro das Execuções do
codex, as decisões judiciais rompem com a segura regra de hermenêutica segundo a
qual a lei geral não revoga a lei especial, fazendo exatamente o oposto, ou
seja, admitindo que a lei geral inserta nas disposições gerais das execuções
reguladas pelo Código de Processo Civil revogue as regras especiais contidas na
Lei 6.830/80.
Maria Ednalva de Lima é advogada especialista em Direito
Tributário e Educacional. Doutora em Direito Tributário pela PUC-SP.
Fonte: Conjur
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