Uma decisão inédita do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
não admitiu a exclusão de uma microempresa do Simples Paulista com base apenas
em dados obtidos na Operação Cartão Vermelho, deflagrada em 2007 pela Fazenda
do Estado de São Paulo. Não cabe mais recurso.
Na operação, o Fisco cruzou informações obtidas por meio das
administradoras de cartões de crédito e débito com as declaradas pelos
contribuintes. Nos casos em que foram constatadas divergências, autuou as
empresas por sonegação de ICMS. A decisão é um importante precedente para os
contribuintes autuados.
Na época, 93,6 mil empresas foram notificadas, de acordo com
a Fazenda paulista. Em 2006, essas companhias teriam declarado ao Fisco
operações de aproximadamente R$ 11,2 bilhões e as administradoras de cartão
informaram que, no mesmo período, repassaram R$ 24,2 bilhões para esses
estabelecimentos. Isso gerou aproximadamente 1,3 mil notificações, nos casos
que se entendeu haver indícios de sonegação fiscal. Contribuintes, porém,
questionaram a legalidade dessa operação.
Para eles, só pode haver a quebra de sigilo fiscal com
autorização judicial e após a instauração de processo administrativo. Como
esses processos de investigação foram iniciados apenas com os dados da Operação
Cartão Vermelho, não seriam válidos. A Procuradoria-Geral do Estado (PGE) de
São Paulo, por sua vez, argumenta que a operação está respaldada na Lei
paulista nº 12.186, de 2006.
A norma exige que o contribuinte autorize as administradoras
de cartão de crédito a fornecer à Fazenda paulista os valores referentes às
suas operações como requisito para enquadramento no Simples.
O ministro Herman Benjamin, do STJ, entendeu, no entanto,
que a Secretaria da Fazenda de São Paulo (Sefaz-SP) não poderia se basear na
Lei Estadual nº 12.186, de 2006, para autuar, multar ou desenquadrar empresa do
Simples. Segundo o ministro, a Operação Cartão Vermelho inverteu a lógica do
levantamento do sigilo das operações financeiras. Isso porque o Fisco buscou os
indícios de irregularidades antes mesmo de abrir os processos administrativos.
“É patente a ilegalidade do processo administrativo e da consequente exclusão
do Simples Paulista. Isso porque não se pode transformar a exceção em regra,
com evidente inversão do ônus da prova: o contribuinte é tratado constantemente
como investigado, ou culpado, e não como inocente”, diz na decisão.
Para reforçar seu
entendimento, Benjamin ainda ressalta que o Supremo Tribunal Federal decidiu
recentemente sobre a impossibilidade de o Fisco quebrar sigilo fiscal sem autorização
judicial. O caso foi analisado em 2010, pelo Pleno, que declarou
inconstitucional o artigo 5º Lei Complementar nº 105, que autorizava a
administração tributária a solicitar informações bancárias.
Para o advogado Périsson Andrade, sócio da Périsson Andrade
Advogados, que defendeu a empresa no STJ, a decisão, juntamente com o julgado
do STF, reforça a irregularidade da Operação Cartão Vermelho. “O Fisco, como
principal interessado, não pode quebrar o sigilo do contribuinte sem decisão de
um juiz”, afirma. A Fazenda não recorreu para a 2ª Turma do STJ e o processo
foi encerrado.
Segundo Andrade, os argumentos a favor dos contribuintes são
fortes. ” É bem provável que as empresas ganhem essa discussão.” Para ele, a
quebra de sigilo é ilegal e nem todas as companhias autuadas sonegaram
impostos. Ele explica que há empresas de um mesmo grupo, por exemplo, que usam
o mesmo CNPJ nas operações com cartões de crédito. Em setembro de 2012, a
Câmara Superior do Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) de São Paulo decidiu, por
maioria, que são válidos os autos de infração lavrados durante a Operação
Cartão Vermelho. Já no Judiciário, os contribuintes têm vencido na maioria dos
casos no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP).
Para os advogados José Eduardo Toledo, do Gaudêncio,
McNaughton e Toledo Advogados, e Horacio Villen Neto, do Magalhães, Villen
& Ferreira Santos Sociedade de Advogados, a decisão do STJ, ainda que seja
de apenas um ministro, traz um forte precedente para as empresas. Como as
companhias não têm ganhado na esfera administrativa, todos esses processos
devem desaguar no Judiciário. Porém, segundo Toledo, “se houve diferença no
cruzamento dessas informações é porque há algo estranho e traz uma prova forte
de sonegação”. De qualquer forma, acrescenta, como essas provas foram obtidas
com quebra de sigilo sem autorização judicial, essas autuações podem ser
anuladas. Por nota, a assessoria de imprensa da PGE de São Paulo informou que
há diversos julgados favoráveis ao Fisco no TJ-SP.
Porém, admitiu que esse é o primeiro caso analisado pelo
STJ. Segundo a nota, “o Estado de São Paulo confia que a administração
tributária nada mais fez do que atuar dentro dos limites traçados pela
Constituição Federal (artigo 145 parágrafo 1º), ou seja, exerceu a atividade fiscalizadora
que decorre de seu poder de polícia”. Ainda acrescentou que “a vida financeira
dos contribuintes de ICMS interessa ao Estado, não havendo que se falar em
direito constitucional absoluto ao sigilo dessas operações”.
A Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo também
informou por nota que “em todos os procedimentos fiscais são observados os
princípios constitucionais e as garantias do contribuinte, não representando
ofensa ao sigilo financeiro”. A Sefaz-SP ainda afirmou confiar “que o Poder Judiciário
firmará jurisprudência pela legalidade da atuação fiscal decorrente da Operação
Cartão Vermelho, conforme os precedentes [do TIT e do TJ-SP] já registrados”.
Fonte: Valor Econômico
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