O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf)
conseguiu mais duas vitórias na Justiça Federal do Distrito Federal, em duas
ações populares ajuizadas contra suas decisões favoráveis a contribuintes. O
texto das sentenças é igual, e ambas são de autoria do juiz federal Gabriel
José Queiroz Neto, titular da 1ª Vara Federal do DF.
A primeira delas, prolatada na quinta-feira da semana
passada (7/2), foi dada no caso da Proeste Comércio Importação. A segunda, dada
na quarta-feira (13/2) e publicada nesta quinta-feira (14/2), é no caso da
Companhia Elétrica do Estado da Bahia (Coelba). Ele negou as duas ações sem
entrar no mérito, afirmando que elas não apontam ilegalidades nos acórdãos do
Carf ou qualquer ato que causasse lesão ao erário. “O Judiciário não deve
admitir aventuras jurídicas”, afirmou o juiz.
No caso da sentença da semana passada, foi dada pela 1ª Vara
Federal do DF. A da quarta desta semana, na 2ª Vara, onde o mesmo juiz federal
exerce a função de substituto. São respectivamente a segunda e a terceira dadas
no caso das ações populares. A primeira foi no mesmo sentido. O ex-procurador
da Fazenda Nacional Renato Chagas Rangel ajuizou 59 ações questionando o mérito
de acórdãos do Carf que decidiram não serem devidos tributos de dezenas de
empresas. Rangel afirma que, como as empresas foram “livradas” de pagar
impostos, a União foi omissa em seu papel de arrecadar.
O ajuizamento dessas ações causou tumulto no Carf, a última instância
administrativa para discussões entre contribuintes e fisco federal. Na semana
passada, os conselheiros decidiram retirar todos os processos de pauta, com
receio de que novas decisões a favor de contribuintes pudessem dar munições a
novas ações.
A decisão de parar as atividades veio depois de, em alguns
casos, a Fazenda ter se manifestado contra as decisões do Carf. Em pareceres, a
Procuradoria da Fazenda Nacional afirmou que, por mais que defenda a
legitimidade do Carf, deve defender também o crédito tributário. Atacou,
portanto, o mérito das decisões.
Houve uma contradição institucional, conforme apontado por
especialistas ouvidos pela revista Consultor Jurídico. Explicaram que, como o
Carf é um órgão do Ministério da Fazenda, seus posicionamentos representam o
posicionamento do Ministério da Fazenda. Em última análise, os dois são a mesma
coisa. Os pareceres da Fazenda foram duramente criticados. Não caberia,
portanto, parecer jurídico da PFN contra decisões do Carf. Foi como se a
Fazenda tivesse falado contra a própria Fazenda. “Parece que a Fazenda quer
ganhar todas”, disse o professor Paulo de Barros Carvalho.
Para evitar novos conflitos desse tipo, a Procuradoria-Geral
da Fazenda Nacional preferiu pedir ao advogado-geral da União, Luís Inácio
Adams, que avocasse o processo e decidisse qual órgão da AGU faria a defesa do
Carf. A tarefa foi passada à Procuradoria-Geral da União, a PGU.
Falta de interesse
As últimas sentenças afirmam que Renato Rangel não descreveu
os fatos com coerência jurídica que justificasse a propositura das ações.
“Qualquer ação, a fim de ser processada, deve espelhar, em sua inicial,
justificação suficiente a demonstrar que, no plano abstrato, tudo deve ter
coerência jurídica e o pedido pode ser acolhido ao cabo do processo. É
justamente o que falta no caso dos autos!”, sentenciou o juiz federal Gabriel
José Neto.
Gabriel José de Queiroz afirma que a Ação Popular não
descreve ilegalidades dos conselheiros do Carf ou ações que prejudicassem o
interesse público. Apenas diz que a posição jurídica adotada pelo órgão
administrativo “se afastou do melhor direito”.
O juiz federal também entra no mérito das decisões do Carf,
mas para defender. “Acontece que, ao se analisar os votos, percebe-se que a
posição jurídica adotada e majoritária tem fundamentos relevantes e é razoável,
mesmo que se admita posição contrária.”
Ambas as sentenças citam a primeira sentença dada no caso.
Naquela decisão, o juiz federal Paulo Ricardo de Souza Cruz, substituto na 21ª
Vara Federal do DF, explicou que “foi opção do legislador criar um contencioso
administrativo-fiscal de forma que a própria administração efetuasse um
controle interno da legalidade dos lançamentos tributários”.
Gabriel Queiroz, da 1ª Vara do DF, subscreve o que foi dito
pelo colega. E analisa que, caso fossem aceitas ações populares para se
questionar o mérito de decisões administrativas que vão contra a administração,
o contencioso administrativo perderia o sentido. O mesmo poderia ser feito com
o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), ou com o Tribunal de
Contas da União (TCU). “Começo a imaginar os casos que se seguirão.”
“As instituições, que atuam por seus órgãos, devem ter a
tranquilidade de desenvolver o seu papel, respeitando seus procedimentos e suas
atribuições, no sentido de proferir a decisão jurídica que entenda mais
adequada, desde que o faça fundamentadamente. Os seus agentes, por sua vez, não
podem ser obrigados a responder, à míngua de indício de qualquer desvio, a
ações judiciais e se sentirem ameaçados por adotarem tal ou qual posição
jurídica. Ou seja, o Judiciário não deve admitir a utilização de ações
populares como forma de intimidar agentes públicos”, concluiu.
Pedro Canário
Fonte: ConJur
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