No Direito pátrio, tanto em cunho federal como estadual,
sempre houve certa liberalidade legislativa quando da fixação de multas
tributárias aos contribuintes que por ventura descumprissem com alguma norma
vigente ou não atendessem as exigências do fisco.
Contudo, primeiramente, há de ser observada a conceituação e
diferenciação feita pelo ministro Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal,
em julgamento do Agravo Regimental em Agravo de Instrumento 727.872/RS, acerca
das espécies de multas tributárias existentes no direito pátrio, conforme
extrato abaixo:
(...) “No direito tributário, existem basicamente três tipos
de multas: as moratórias, as punitivas isoladas e as punitivas acompanhadas do
lançamento de ofício. As multas moratórias são devidas em decorrência da
impontualidade injustificada no adimplemento da obrigação tributária. As multas
punitivas visam coibir o descumprimento às previsões da legislação tributária.
Se o ilícito é relativo a um dever instrumental, sem que ocorra repercussão no
montante do tributo devido, diz-se isolada a multa. No caso dos tributos
sujeitos a homologação, a constatação de uma violação geralmente vem
acompanhada da supressão de pelo menos uma parcela do tributo devido. Nesse
caso, aplica-se a multa e promove-se o lançamento do valor devido de ofício.
Esta é a multa mais comum, aplicada nos casos de sonegação.” (...)
Portanto, essencialmente existem no direito tributário as
multas moratórias, para o caso de algum atraso no pagamento de um tributo por
algum contribuinte, e as multa punitivas, que, como o nome diz, visam punir o
contribuinte que venha a desrespeitar alguma norma tributária, caso no qual, em
razão da maior gravidade da conduta, há a aplicação de sanções bem mais
gravosas.
Nas multas tributárias punitivas, em determinadas ocasiões
específicas, é possível que o contribuinte seja penalizado com multas aplicadas
em valor equivalente ao dobro ou até o triplo do valor do tributo devido.
Tal prática, apesar de prevista em legislações federais e
estaduais, comumente realizada pelo fisco, em razão dos valores que, em
determinadas ocasiões, são envolvidos, podem ocasionar o surgimento de dívidas
impagáveis com o Poder Público, levando, em muitas ocasiões, a falência de
empresas.
Assim, surgiu o embate entre as empresas e o fisco acerca da
legalidade da aplicação de multas punitivas que seja superiores ao valor do
débito principal, ao real valor devido pelo contribuinte, ocasionando o
confisco, expressamente vedado na Constituição Federal do Brasil, nos termos do
seu artigo 150, inciso IV:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao
contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios:
IV – utilizar tributo com efeito de confisco;
Tal debate, acerca da legalidade ou ofensa à Constituição
Federal pela aplicação pelos fiscos de multas em percentuais superiores ao
valor original do débito tributário recentemente chegou às mãos do Excelso
Supremo Tribunal Federal, através do Recurso Extraordinário 833.106, oriundo do
Estado de Goiás.
No caso concreto, estava em apreço a legalidade da aplicação
de multa tributária punitiva no percentual de 120% sobre o valor do tributo
principal, prevista através de lei estadual em pleno vigor em Goiás.
Havia o embate entre as partes acerca da constitucionalidade
de tal sanção aplicada pelo fisco estadual, em patamar superior ao tributo
principal, já que, de acordo com o posicionamento do contribuinte, tal multa
possui caráter confiscatório.
O Tribunal de Justiça de Goiás entendeu ser legal a
aplicação de tal multa tributária, estando ausente qualquer violação à
Constituição Federal pela prática do fisco estadual, já que tal sanção não
possuiria caráter de confisco, como alegado pelo contribuinte.
Irresignado com a decisão da Corte Estadual, o contribuinte
prejudicado interpôs recurso extraordinário perante o STF, com o objetivo de
alcançar o reconhecimento da inconstitucionalidade de tal sanção tributária
prevista na legislação de Goiás.
O Supremo Tribunal Federal, em julgamento do referido caso,
reafirmando decisão que anteriormente já havia tomado, entendeu que é
inconstitucional a aplicação de qualquer sanção administrativa tributária
punitiva, tanto em caráter federal, estadual e municipal, em percentual
superior ao real valor do tributo devido pelo contribuinte.
Seguem extratos da decisão ora prolatada:
(...) “A decisão impugnada está em desarmonia com a
jurisprudência do Supremo. O entendimento do Tribunal é no sentido da
invalidade da imposição de multa que ultrapasse o valor do próprio tributo –
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 551/RJ, relator ministro Ilmar Galvão,
Diário de Justiça de 14 de fevereiro de 2003, e Recurso Extraordinário nº.
582.461/SP, relator ministro Gilmar Mendes, julgado sob o ângulo da repercussão
geral em 18 de maio de 2011, Diário de Justiça de 18 de agosto de 2011.
2. Ante o exposto, dou provimento ao recurso para,
reformando o acórdão recorrido, assentar a inconstitucionalidade da cobrança de
multa tributária em percentual superior a 100%, devendo ser refeitos os
cálculos, com a exclusão da penalidade excedente, a fim de dar sequência às
execuções fiscais.” (...)
A prática corriqueira dos fiscos em aplicação de multa em
valor superior ao montante devido, amparados em legislações federais, estaduais
e/ou municipais, de acordo com o caso concreto, caracteriza o confisco, ato
totalmente vedado pela Constituição Federal Brasileira, nos termos do artigo
150, IV.
Assim, em razão do fisco do Estado de Goiás ter realizado a
fixação da multa em 120% sobre o valor do débito tributário, prática que
violação aos preceitos constitucionais, a Corte Superior realizou a redução do
valor da sanção para o percentual de 100%, limite máximo autorizado, sob pena
de a sanção passar a ter caráter confiscatório.
O fisco estadual ainda interpôs Agravo Regimental frente à
decisão monocrática prolatada pelo ministro Marco Aurélio, ao qual foi negado
provimento, já que a decisão estaria em consonância com o entendimento do
Supremo, não havendo motivo para a sua alteração.
O entendimento exposto pelo STF em julgamento do caso
supracitado é de extrema relevância. Apesar de não ter sido apreciado e/ou
julgado em sede de recurso repetitivo, ou seja, ocasionaria a aplicação da
decisão para todos os demais casos similares em apreço do nosso vasto Brasil,
serve como patamar para os próprios fiscos, na aplicação de novas multas
tributárias aos contribuintes, bem como serve de exemplo para as cortes
inferiores, que poderão passar a adotar tal entendimento a fim de evitar a
interposição de futuros recursos extraordinários e a reforma de decisões.
Nada impede ou obriga ao fisco a passar a aplicar o limite
imposto pelo Supremo Tribunal Federal nos futuros casos, já que existem
diversas legislações de cunho federal e estadual pelo país possibilitando o
sancionamento do contribuinte em percentuais superiores ao valor do débito
tributário.
Como já dito, a decisão prolatada no julgamento do Recurso
Extraordinário 833.106 do Estado de Goiás, somente é aplicável,
obrigatoriamente, ao caso concreto. Não houve a declaração de
inconstitucionalidade de todas as leis que por ventura possibilitem a fixação
de multa tributária em valor superior a 100% do montante do débito tributário.
Entretanto, agora existe um importante precedente para os
contribuintes, possibilitando que estes, em caso de aplicação de sanções em
desacordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, possam arguir
judicialmente a inconstitucionalidade da sanção, de caráter confiscatório, com
a sua obrigatória redução ao limite de 100%.
Outro fato relevante acerca do julgamento feito pela Corte
Suprema. Na Constituição Federal Brasileira e na legislação pátria, apesar de
haver previsão expressa vedando a prática confiscatória pelo Poder Público, não
havia qualquer limitador numérico, especificando o que caracterizaria o ato de
confisco do ente estatal.
Agora, com a decisão prolatada em julgamento do Recurso
Extraordinário 833.106, do Estado de Goiás, o Supremo Tribunal Federal especificou
e caracterizou a prática do confisco, nos casos de aplicações de multas
tributárias. Ou seja, o Poder Público somente poderá aplicar sanções aos
contribuintes até o teto de 100% sobre o valor do tributo devido.
Em caso de eventual previsão legal e aplicação de multa
tributária punitiva em valor superior ao especificado, flagrantemente passará a
ser considerada inconstitucional tal prática, com base no previsto no artigo
150, IV, da Constituição Federal do Brasil, ou seja, haverá a caracterização do
confisco pelo ente estatal.
Assim como com relação às multas punitivas, o Supremo
Tribunal Federal também já se manifestou e delimitou o limite das multas
moratórias, a serem aplicadas ao contribuinte que vier a realizar o pagamento
de algum tributo de forma intempestiva.
Em um caso específico, julgado pelo STF através do Agravo
Regimental em Agravo de Instrumento 727.872/RS, o fisco realizou a aplicação de
multa moratória a um contribuinte no percentual de 30% sobre o valor do tributo
devido.
Em julgamento do pleito recursal pelo Supremo, sob a
relatoria do ministro Roberto Barroso, houve a reafirmação de entendimento,
oportunamente, anteriormente já estabelecido, ou seja, de que a multa moratória
tributária não poderá ultrapassar o percentual de 20% sobre o valor do tributo,
sob pena de caracterização do ímpeto confiscatório da sanção, expressamente
vedado pela Constituição Federal, como já abordado no presente trabalho.
Segue trecho do acórdão prolatado:
(...) “A tese de que o acessório não pode se sobrepor ao
principal parece ser mais adequada enquanto parâmetro para fixar as balizas de
uma multa punitiva, sobretudo se considerado que o montante equivale a própria
incidência. Após empreender estudo sobre precedentes mais recentes, observei
que a duas Turmas e o Plenário já reconheceram que o patamar de 20% para a
multa moratória não seria confiscatório. Este parece-me ser, portanto, o índice
ideal. O montante coaduna-se com a ideia de que a impontualidade é uma falta
menos grave, aproximando-se, inclusive, do montante que um dia já foi
positivado na Constituição.” (...)
Após lecionar de forma perfeita acerca das similaridades e
peculiaridades das multas tributárias moratórias e punitivas, o ministro
Roberto Barroso, para concluir o seu julgamento, estabeleceu os limites de
percentuais estabelecidos pacificamente pelo STF para a aplicação das referidas
sanções aos contribuintes, nos termos do trecho a seguir:
(...) “Considerando as peculiaridades do sistema constitucional
brasileiro e o delicado embate que se processa entre o poder de tributar e as
garantias constitucionais, entendo que o caráter pedagógico da multa é
fundamental para incutir no contribuinte o sentimento de que não vale a pena
articular uma burla contra a Administração fazendária. E nesse particular,
parece-me adequado que um bom parâmetro seja o valor devido a título de
obrigação principal. Com base em tais razões, entendo pertinente adotar como
limites os montantes de 20% para multa moratória e 100% para multas punitivas.”
(...)
Concluindo o presente artigo, com base no entendimento do
Supremo Tribunal Federal, é vedada a aplicação de multa tributária pelos fiscos
em percentual superior a 100%, em caso de multa punitiva, e 20%, em caso de
multa moratória, sobre o valor do tributo devido pelo contribuinte, sob pena de
haver a caracterização do confisco, expressamente vedado pelo artigo 150, IV,
da Constituição Federal do Brasil.
-Dartagnan Limberger Costa é advogado, sócio diretor de
Dartagnan & Stein Sociedade de Advogados. Mestre em Direito. MBA em Direito
da Economia e da Empresa na FGV. Pós-Graduado em Direito Empresarial do
Trabalho UNICID e Pós-Graduado em Direito Tributário Cândido Mendes.
-Fernando Luis Puppe é advogado associado na empresa
Dartagnan & Stein Advogados Associados.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 7 de julho de 2015, 6h46
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