Artigo produzido no
âmbito das pesquisas desenvolvidas no Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da
Direito GV. As opiniões emitidas são de responsabilidade exclusiva de seus
autores.
A portaria conjunta PGFN/RFB 1, publicada em 17 de fevereiro
de 2014, formaliza a troca de informações entre a Procuradoria-Geral da Fazenda
Nacional (PGFN) e a Receita Federal do Brasil (RFB) na hipótese de ser
proferida decisão favorável aos contribuintes, seja em controle concentrado de
constitucionalidade (STF), seja em Recursos Extraordinários com repercussão
geral reconhecida (STF); bem como, em recursos especiais repetitivos (STJ),
obedecendo à sistemática dos artigo 543-B e 543-C do Código de Processo Civil.
Busca-se evitar que a RFB lavre autos de infração em
desacordo com a jurisprudência pacífica e reiterada dos tribunais superiores,
as quais sejam favoráveis ao contribuinte. Essa comunicação deverá ser feita
por nota explicativa, informando a RFB sobre a inclusão da matéria na lista de
situações em que a PGFN fica dispensada de contestar e recorrer, ex vi do
artigo 19 da Lei 10.522/2002, com redação dada pela Lei 12.844/2013.
Se houver pedido de modulação de efeitos da decisão, a PGFN
dará conhecimento à RFB do momento em que a nova interpretação jurídica
torna-se aplicável, dispensando novas autuações sobre a mesma matéria.
Orientará sobre o tratamento dos lançamentos já efetuados, bem como sobre os
pedidos de restituição, reembolso, ressarcimento e compensação.
Assim, por intermédio da portaria e ao oferecer critérios de
legalidade aos contribuintes, juízes, julgadores tributários, advogados e aos
próprios procuradores da fazenda e auditores ficais, PGFN e RFB alinham-se à
modernidade e à perspectiva do paradigma do serviço, de maneira a: (i) tornar a
Justiça mais ágil e eficiente; (ii) afastar ações judiciais desnecessárias;
(iii) minimizar o risco de posicionamentos contraditórios entre órgãos do Poder
Judiciário e do Executivo; (iv) garantir a uniformidade, a igualdade e a
segurança na aplicação do Direito, (v) oferecer critérios para a realização da
atividade plenamente vinculada de constituição e cobrança do crédito tributário
(vi) assegurar a previsibilidade das decisões judiciais e (vii) garantir
tratamento isonômico na aplicação administrativa para casos semelhantes.
A comunicação produtiva entre a PGFN e a RFB objetiva
prevenir discrepâncias entre os precedentes das Cortes brasileiras e essa
prática tributária que vem alimentando a indústria do contencioso tributário.
Merece registro que o contencioso fiscal, no Brasil, corresponde a 15% do PIB,
ao passo que, nos Estados Unidos, segundo dados do Internal Revenue Service
(IRS), é de aproximadamente 0,2% do PIB. [1]
Essa orientação da PGFN/RFB 1/2014 traz inúmeros benefícios,
pois aumenta o grau de respeito das decisões judiciais, torna a ação da
Administração Tributária mais coerente, gera confiança entre Fisco/Contribuinte
e propicia melhor qualidade do ambiente de negócios.
Tal prática produz confiança na legislação tributária,
permitindo o acesso à legalidade concreta, frequentemente obscurecida pela
aplicação injustificada do “sigilo fiscal”.
É um grande passo rumo à segurança jurídica, a qual impõe a
possibilidade de conhecer antecipadamente os critérios de tributação praticados
concretamente pela Administração Tributária. Ensina Geraldo Ataliba[2] que a
previsibilidade de ação estatal assegura ao cidadão, mais do que os direitos
constantes do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, a paz e o clima de
confiança que lhes dão condições psicológicas para trabalhar, desenvolver-se,
afirmar-se e expandir sua personalidade.
O controle de constitucionalidade e os recursos que adotam a
sistemática dos artigos 543-B e 543-C do Código de Processo Civil (i) garantem
a uniformização na aplicação do Direito, (ii) indicam o modo como a norma
jurídica deve ser interpretada em todo o território nacional, (iii) asseguram a
todos os contribuintes o mesmo tratamento quando submetidos a situações
semelhantes e (iv) orientam em caráter estável e permanente todos aqueles que
estejam envolvidos com a sua aplicação. Enfim, eliminam barreiras artificiais
que atravancam o desenvolvimento institucional do Brasil.
Assim, ao deixar de lavrar auto de infração porque existe
decisão favorável ao contribuinte, a RFB contribuirá para: (i) diminuir a
indústria do contencioso fiscal, (ii) aumentar o respeito e o apreço do cidadão
à atividade da PGFN e da RFB, (iii) desonerar a sociedade dos altos riscos e
custos que envolvem o contencioso pernicioso[3] e artificial, (iv) evitar
gastos públicos desnecessários com o ônus da sucumbência, e por fim, (v)
consolidar o movimento atual da administração tributária federal de tornar-se
mais responsiva aos interesses dos contribuintes e investidores, de que são
exemplos a retomada dos pareceres normativos e a publicação e vinculação das
consultas tributárias.
Nesse sentido, a portaria PGFN/RFB 1/2014 poderá ser um
poderoso instrumento que, ao evitar as controvérsias entre os Poderes Executivo
e Judiciário, contribuirá para afirmar a validade, a interpretação, a eficácia
e a segurança das normas jurídicas no Brasil. Oxalá a medida fosse adotada
pelos Estados e Municípios de todo o território nacional.
Contudo, porque essa troca de informações ficaria restrita
apenas entre PGFN e RFB? Todos têm direito de saber qual é o valor envolvido em
cada uma dessas ações. Afinal, a sociedade tem o mesmo direito de acesso a
essas informações que a RFB.
Ocorre que, não obstante (i) a CF/88 determine a
transparência dos atos da administração pública como regra e o sigilo como exceção,
permitido o “uso do sigilo de informações da Administração Pública” apenas para
casos de calamidade pública e de interesse da soberania nacional ex vi do
artigo 5º, inciso XXXIII; (ii) a Lei de Transparência — LC 131/2009 — confirme
a necessidade de disponibilizar na internet os atos administrativos relativos à
arrecadação; e (iii) a Lei de Acesso à Informação (LAI) — Lei 12.527/2011 —
determine os procedimentos de abertura e disponibilização de “informações
públicas”; a PGFN vem, sistematicamente, negando-se a aderir à transparência e
a sujeitar-se ao controle social de seus atos.
No plano normativo, a despeito de resistirem à CF/88, à Lei
de Transparência e à LAI, as orientações normativas internas e “secretas” que
regulamentaram a LAI parecem insistir em manter os atos administrativos da PGFN
ocultos e secretos sob a alegação do “sigilo fiscal”.
No plano fático, basta acessar o site da PGFN para verificar
que seus Pareceres relativos à matéria tributária não são disponibilizados em
sua integralidade, por exemplo: ao consultar o sítio eletrônico da Procuradoria
Geral da Fazenda Nacional no tópico “Atos da PGFN” e no subtópico “Pareceres”,
referente ao ano de 2009, verifica-se que há apenas 12 Pareceres listados em
números que não são sequenciais, já que o primeiro é o Parecer 55/2009 e o
último, o Parecer 2.712/2009. [4]
Merecem aplausos a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional e
a Receita Federal do Brasil pelo importante passo dado. No entanto, a caminhada
prossegue, pois: legalidade secreta não é legalidade.
[1] Contencioso tributário brasileiro é muito superior ao
dos EUA. Conjur.
http://www.conjur.com.br/2013-nov-21/lorreine-messias-contencioso-tributario-brasileiro-superior-eua
[2] ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2. ed. São
Paulo: Malheiros, 1998, p. 169.
[3] Terminologia utilizada pela Prof.ª Fátima Cartaxo no V
Colóquio Internacional do NEF/Direito GV.
[4]
http://dados.pgfn.fazenda.gov.br/dataset/pareceres?page=120 com último acesso
em 25/02/2014.
-------
Eurico de Santi é professor da Escola de Direito de São
Paulo da Fundação Getúlio Vargas e coordenador do Núcleo de Estudos Fiscais da
Fundação Getúlio Vargas
Andréia Scapin é pesquisadora do Núcleo de Estudos Fiscais
(NEF) da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Doutoranda em
Direito Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
(USP).
Revista Consultor Jurídico, 27 de fevereiro de 2014
0 comentários:
Postar um comentário