O Brasil integra um seleto grupo de países considerados
megadiversos, por abrigar uma das mais ricas coleções de biodiversidade do
planeta. Infelizmente, nossa biodiversidade ainda é pouco conhecida e
explorada. Parte disso se deve ao fato de que o acesso aos recursos da
biodiversidade e as pesquisas decorrentes deste acesso eram regidos por um
arcabouço irracional que nascera provisório, mas se tornara permanente, que
objetivava o acesso, mas resultava em retrocesso; e que era reconhecidamente
ultrapassado e inadequado.
A fim de mudar este cenário, foi finalmente sancionada e
publicada, em 21 de maio de 2015, a Lei 13.123, cujo principal objetivo é
simplificar o acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional
associado, assegurando uma repartição de benefícios justa e equitativa.
Até a publicação da lei, o acesso ao patrimônio genético e
ao conhecimento tradicional associado era regulamentado pela Medida Provisória
2.186-16/01, agora expressamente revogada, pelo Decreto 3.945/01 e por diversas
resoluções editadas pelo Conselho de Gestão de Patrimônio Genético (CGEN).
Este arcabouço jurídico praticamente inviabilizava o efetivo
acesso ao patrimônio genético e conhecimento tradicional associado. Dentre as
críticas mais recorrentes, estava a complexidade do processo para obtenção de
autorização para acesso, incluindo (i) a dificuldade em identificar a
comunidade para que fosse obtida anuência prévia, requisito antes necessário
para obtenção da autorização; e (ii) a necessidade de celebração prévia de
contrato de utilização e repartição, requisito antes necessário para obtenção
de autorização.
Com o intuito de criar um novo marco regulatório para o
tema, a Presidência da República apresentou, em 24 de junho de 2014, o Projeto
de Lei 7735/14.
Desde a primeira versão de seu texto, a lei já apresentava
dispositivos que visavam à simplificação do acesso à biodiversidade, bem como a
alteração de regras que regem a repartição de benefícios. Entre os grandes
méritos da nova lei, temos a facilitação do acesso para fins de pesquisa e
desenvolvimento tecnológico por cadastro eletrônico declaratório pelo usuário,
em lugar da autorização prévia que passa a ser exigível apenas em situações bem
específicas, como os acessos em área indispensável à segurança nacional, em
águas jurisdicionais brasileiras, na plataforma continental e na zona econômica
exclusiva.
Ademais, o consentimento prévio informado, antes chamado de
anuência prévia e exigido para qualquer tipo de acesso, passa a ser exigido
apenas para o acesso ao conhecimento tradicional associado de origem
identificável. Dessa forma, a nova norma diferencia o conhecimento tradicional
de origem identificável e aquele de origem não identificável, situação em que
não é possível vincular a origem do conhecimento tradicional associado a, pelo
menos, um povo indígena ou comunidade tradicional. Nesse caso, o acesso
prescindirá de consentimento prévio informado e a repartição de benefícios se
dará por meio de acordo com a União.
Quanto à repartição de benefícios, a lei estabelece que os
benefícios gerados pelo produto acabado ou material reprodutivo serão
repartidos pelo último fabricante da cadeia de produção. Assim, as atividades
iniciais de pesquisa e desenvolvimento tecnológico não mais serão negativamente
afetadas pela regra de repartição de benefícios. Note que, para a exploração
econômica do produto acabado, diferentemente da MP, a lei exige notificação ao
CGEN antes do início da respectiva comercialização e concede o prazo de 365
dias, contados da notificação, para apresentação do acordo de repartição de
benefícios.
Além disso, no caso da modalidade monetária, será devido à
União 1% da receita líquida anual obtida com a exploração econômica do produto
acabado ou material reprodutivo. É possível, contudo, a assinatura de acordos
setoriais com redução desse percentual para até 0,1% da receita líquida anual.
Outra novidade trazida pela lei é a criação do Programa
Nacional de Repartição de Benefícios, o qual será implementado por meio do
Fundo Nacional de Repartição de Benefícios com a finalidade de conservar a
diversidade biológica, elaborar inventário do patrimônio genético, estimular o
uso sustentável da diversidade biológica e a repartição de benefícios, dentre
outras.
Em relação aos usuários que realizavam o acesso ao
patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado de forma
irregular, durante a vigência da MP, a lei prevê que a regularização destes
usuários se dará por meio de celebração de termo compromisso, sendo que após o
cumprimento das obrigações assumidas, as multas anteriormente aplicadas serão
extintas, e aquelas referentes ao acesso ao conhecimento tradicional associado
serão reduzidas em 90%.
Por fim, outro ponto importante foi a alteração da
composição do CGEN, a qual contará com: (i) a participação máxima de 60% dos
representantes de órgãos e entidades da Administração Pública Federal que detêm
competência sobre diversas matérias de que trata a lei; e (ii) a representação
da sociedade civil, em no mínimo 40%, sendo assegurada a paridade entre o setor
empresarial, setor acadêmico e populações indígenas, comunidades tradicionais e
agricultores tradicionais.
É inegável que a nova lei apresenta significativa evolução
em prol do efetivo acesso ao patrimônio genético brasileiro e conhecimento
tradicional associado. Resta-nos acompanhar e cobrar para que o Novo Marco
Legal da Biodiversidade seja adequadamente implementado e que os necessários
regulamentos invocados pela nova legislação não tardem e sejam claros e
desburocratizados. Parece que, finalmente, teremos acesso aos imensuráveis, e
amplamente desconhecidos recursos de nosso patrimônio genético, assegurada uma
repartição de benefícios justa e equitativa, para a conservação, mas também
para o uso sustentável de nossa megabiodiversidade.
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Luiz Gustavo Bezerra é sócio de Motta, Fernandes Rocha
Advogados (MFRA).
Grabriela Mello é advogada da área ambiental de Motta,
Fernandes Rocha Advogados (MFRA).
Revista Consultor Jurídico, 6 de junho de 2015, 6h08
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