Artigo produzido no
âmbito das pesquisas desenvolvidas no Núcleo de Estudos Fiscais (NEF)/Direito
GV. As opiniões emitidas são de responsabilidade exclusiva de seus autores.
A criação do instituto do lançamento por homologação,
marcada pela ausência da tecnologia de informação nas origens da formação do
Código Tributário Nacional na década de 50, deixou como herança o que chamamos
de “maldição” do lançamento por homologação: lógica perversa em que a
administração tributária, também refém da complexidade das leis tributárias e
da óbvia dificuldade em antecipar seus critérios de interpretação, obriga o
contribuinte a entender, interpretar e aplicar a legislação.
O contribuinte tem 30 dias após o fato gerador para realizar
essa tarefa e o Fisco goza do prazo de cinco anos não só para realizar o
lançamento de ofício subsidiário, mas para, também, alterar interpretação
anterior e/ou identificar nova interpretação que seja mais vantajosa para a
arrecadação, em flagrante desvio de finalidade. E também em fraude aos
objetivos da regra decadencial, que é delimitar o tempo para formalizar o
crédito e não aproveitar-se dele para encontrar uma interpretação mais
vantajosa e assim incrementar o crédito do titular do direito de lançar.
De fato, todos nós sabemos que o “lançamento por
homologação” é uma contradição em termos, quase um nada jurídico: não é
lançamento, pois este é ato privativo da autoridade administrativa ex vi do
artigo 142 do CTN. Não pode ser lançamento em razão da “homologação tácita”
porque o silêncio não se coaduna a motivação/conteúdo inerentes à estrutura de
todo ato administrativo. Por fim, não se torna lançamento pela “homologação
expressa”, de um lado porque inexistente na prática administrativa nacional, de
outro porque, se empreendida, seria o próprio lançamento de ofício realizado
dentro do prazo decadencial do artigo 150 do CTN — com motivação/conteúdo
expressos pela autoridade fiscal competente.
Assim, só resta definir o “lançamento por homologação” como
uma ficção jurídica em que a Administração delega para o contribuinte o dever
de interpretar e aplicar a legislação tributária, mas a constituição do crédito
por este ainda fica sujeita à homologação (fiscalização) por parte das
autoridades.
Essa prática vem gerando distorções na atividade impositiva
do Fisco, que “abre mão” de interpretar e aplicar a legislação que cria,
passando essa obrigação ao contribuinte. Assim, além de ser obrigado a pagar o
tributo, o contribuinte tem que entender de leis e tributação — ou contratar
especialistas para ajudá-lo —, e ter uma gama incontável de profissionais para
preencher formulários, declarações, livros e guias... Mas fica sempre sujeito à
incerta concordância e criatividade da administração tributária nos cinco anos
seguintes — prazo que ela tem para, confortavelmente, revisar as atividades dos
contribuintes, optando sempre pela melhor interpretação (considerando os
interesses arrecadatórios).
Em verdade, o problema está na conjugação perversa de três
fatores: i) complexidade, imprecisão e ambiguidade da legislação; ii)
dificuldade da Administração Tributária em oferecer critérios de interpretação
prévios; e iii) difusão das fontes de entendimento e aplicação da legislação,
causada pela herança do lançamento por homologação.
Ocorre que sobre a mesma lei e o mesmo fato concreto,
incontáveis “legalidades” podem ser construídas, bem como inúmeras versões de
fato podem ser sustentadas sobre idêntico conjunto probatório.
Minimizar tais mutações, construindo certeza e segurança
sobre o terreno movediço da “legalidade”, é missão do Direito, da administração
pública e função da regra decadencial.
Eurico de Santi é professor da Escola de Direito de São
Paulo da Fundação Getúlio Vargas e coordenador do Núcleo de Estudos Fiscais da
Fundação Getúlio Vargas
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 1º de agosto de 2013
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