A Lei Federal que estabeleceu a Política Nacional de
Resíduos Sólidos (PNRS) a 12.305 completou cinco anos no dia 2 do mês passado e
muito pouco do que essa norma determinou foi efetivamente realizado.
Ainda não temos um plano nacional de resíduos sólidos,
verdadeiro diagnóstico da
situação atual dos resíduos sólidos, que deveria ser feito
pela União com vigência por
prazo indeterminado e horizonte de 20 anos, a ser atualizado
a cada quatro anos, de
sorte que já era hora de estarmos revisando este plano.
Seguindo o exemplo federal, muitas entidades subnacionais
Estados e municípios também não possuem ainda seus respectivos planos,
diagnosticando a realidade dos seus resíduos.
Nessa mesma linha de letargia ambiental, poderíamos
mencionar as atuações para a
eliminação e recuperação ambiental dos lixões e aterros
controlados, a implementação de coleta seletiva e sistemas de logística
reversa, a destinação final ambientalmente adequada dos rejeitos, como em aterros
sanitários.
Como se sabe, os municípios brasileiros tinham o prazo até
agosto de 2014 para eliminar os lixões, de acordo com o art. 54 da PNRS, o que
não foi realizado por uma boa parte dos mais de 5,5 mil municípios.
Em Mato Grosso do Sul, por exemplo, de acordo com
levantamento feito pelo Centro de Apoio Operacional da Habitação e Urbanismo-CAOHURB
do Ministério Público Estadual, dos 79 municípios apenas 44 possuem atualmente
planos municipais de gestão integrada de resíduos sólidos (PMGIRS) ou o diagnóstico
de seus resíduos em
planos intermunicipais, sendo que apenas sete possuem
aterros sanitários com licenças válidas.
De acordo com o pleito dos prefeitos, uma das razões para o
descumprimento da lei tem sido a falta de recursos públicos. Pois bem. Afora o
total descompromisso da União e de boa parte dos Estados e municípios com o
necessário planejamento ambiental e financeiro, o que poderia ser observado com a própria ausência do plano nacional
e dos planos estaduais e municipais de gestão integrada, bem como ausência de
menção nas respectivas leis orçamentárias (PPA, LDO e LOA) de programas/alocações
orçamentárias específicas para o cumprimento dessas obrigações ambientais, o
fato é que os Estados podem ajudar seus municípios a implementarem muitas das
obrigações fixadas na PNRS, sem que isso venha a acarretar qualquer aumento de
tributação como, por exemplo, a criação da taxa de lixo pelo município,
hipótese esta explicitamente admitida pelo Supremo Tribunal Federal (Súmula
Vinculante 19).
Pela Constituição Federal (art. 158, IV e parágrafo único),
os Estados devem repassar aos municípios 25% do que arrecadam com o ICMS, sendo
que até ¼ desse percentual de acordo com o que dispuser a lei estadual, ou
seja, cada Estado tem a liberdade de fixar, por lei estadual, o critério pelo
qual irá distribuir este montante da arrecadação aos municípios.
Aí entra a questão: muitos Estados criaram o chamado ICMS
ecológico que, a grosso modo, é justamente a lei estadual a que se refere o
dispositivo constitucional e que
fixa critérios "ecológicos" para que o município
possa receber parte do repasse do
ICMS.
No Estado de Mato Grosso do Sul, por exemplo, a inclusão de
aspectos relacionados aos resíduos sólidos no ICMS ecológico data de 2011.
Em 2012, a Lei Estadual nº 4.219 passou a determinar que do
percentual de 5% do repasse do ICMS, 7/10 serão destinados ao rateio entre os
municípios que tenham em parte de seu território unidades de conservação da
natureza e terras indígenas homologadas e apenas 3/10 serão destinados ao
rateio entre os municípios que possuam plano de gestão, sistema de coleta seletiva
e disposição final de resíduos sólidos.
Pensamos que é o momento de serem revistos esses percentuais
e, em Estados que não contemplam o ICMS ecológico, que façam constar e
priorizar em suas respectivas leis com critérios de atendimento à PNRS. A
prioridade, no momento, deve ser a questão dos resíduos sólidos, seja para a imediata
implantação de sistema de coleta seletiva, seja para a recuperação dos lixões e implantação de um sistema de
disposição final ambientalmente adequado para os rejeitos.
Esta parcela disponível da receita do ICMS deve ser
direcionada para atender às necessidade sociais atuais, não podendo ser algo
estanque, perpétuo e imutável. Há de haver um dinamismo na gestão desta receita
pública.
No caso, trata-se de uma medida relativamente simples: basta
uma lei estadual alterar (ou fixar) os critérios de distribuição do ICMS que
surgirão montantes financeiros consideráveis para a implementação da PNRS por
parte dos municípios.
Claro que poderá haver perda por parte de algum município,
mas isto não pode ser um empecilho à adoção, ainda que temporária, da medida, até
mesmo porque perdas individuais já ocorrem com o critério atual.
Parece-nos que este é um interessante e inteligente caminho
para que os Estados possam maximizar a finalidade social do ICMS, incentivando
os municípios ao cumprimento da PNRS, sem onerar o orçamento público e,
melhor ainda, o bolso do contribuinte.
Eduardo Cândia é doutorando em direito financeiro pela USP,
mestre em direitos difusos e coletivos e especialista em direito tributário
pela PUCSP, promotor de Justiça (MS).
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal
Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas
informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso
dessas informações
Fonte: Jornal Valor Econômico, Caderno Legislação -
04/09/2015.
0 comentários:
Postar um comentário