segunda-feira, 26 de outubro de 2015

TRIBUNAL CANCELA AUTUAÇÃO POR TRANSFERÊNCIA DE AGI

O Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região considerou legal uma operação de transferência de ágio para abatimento de tributos e cancelou autuação fiscal milionária contra a fabricante de móveis Todeschini. A decisão, proferida pela 2ª Turma, é a primeira de segunda instância sobre o assunto, segundo advogados. A União agora tenta levar o caso para os tribunais superiores.


A Todeschini foi autuada em junho de 2011 pela amortização do ágio da base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da CSLL entre 2008 e 2010. Para a Fazenda, a operação teria sido simulada com o intuito de abater os tributos. Porém, comprovou-se por meio de perícia no processo que a operação foi realmente realizada.

Segundo o processo, a operação foi iniciada com a compra de ações da Móveis Carraro pela Italínea Indústria de Móveis, controlada pela Todeschini. Após a realização do negócio, houve uma cisão parcial da Italínea e a Todeschini absorveu as ações adquiridas, amortizando, posteriormente, o ágio.

Na época da autuação, a Todeschini preferiu recolher os tributos exigidos – IRPJ e CSLL -, com redução de 50% de multa, em um total de R$ 18,6 milhões. Porém, após rever a legislação, considerou ilegais as exigências e procurou o Judiciário para pedir a restituição ou compensação do valor.

Com a perícia realizada no processo judicial, ficou comprovado ter havido pagamentos por meio de cheque e transferências bancárias pelas ações, que constam nos registros contábeis da Italínea. O montante registrado seria de R$ 65 milhões.

Em primeira instância, a Justiça já tinha sido favorável à Todeschini, mas a Fazenda Nacional recorreu. Na decisão da 2ª Turma do TRF, os desembargadores entenderam que a perícia analisou pormenorizadamente a operação e concluiu pela sua regularidade.

"Todos os atos negociais foram realizados com transparência, sem fraude ao Fisco, pois nas operações não se pretendeu enganar, ocultar ou iludir a atuação fiscal, ou seja, restou afastada a tese de que houve simulação ou conduta fraudulenta", diz na decisão o relator, desembargador federal Otávio Roberto Pamplona. Com isso, a Fazenda Nacional terá que restituir ou compensar os valores pagos de IRPJ e CSLL, com correção monetária feita pela Selic.

O julgamento é importante, segundo o advogado Maurício Faro, do Barbosa Müssnich Aragão, porque poucos casos de ágio foram levados à Justiça. A maioria está na pauta do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que paralisou suas atividades. E, diante de derrotas, algumas empresas preferiram aderir a programas de parcelamento.

"A decisão pode dar um novo rumo para as discussões e tornar-se um paradigma na Justiça", diz Faro, que destacou o fato de o TRF da 4ª Região ter levado em consideração o resultado da perícia.

Para advogados, é importante ainda destacar que o caso é de transferência de ágio – no qual as empresas envolvidas não são do mesmo grupo econômico – e não de ágio interno.

De acordo com o advogado Roberto Quiroga, do Mattos Filho Advogados, pontos importantes foram abordados no julgamento. Ele chama atenção para o fato de os desembargadores entenderem que não há vedação em lei para a amortização e a comprovação, por meio de perícia, de que a operação foi realmente realizada.

As decisões do Carf que tratam de transferência de ágio, acrescenta Quiroga, têm sido em sua maioria a favor dos contribuintes. "Porém, têm que ser analisados os detalhes de cada operação", diz.

Igor Santiago, do Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados, também considera a posição do TRF correta, uma vez que ficou caracterizado que não houve qualquer simulação. "Não houve a criação de um pagamento artificial pelas ações. Esse ágio realmente existia", afirma.

A discussão, de acordo com Santiago, estava na pauta Câmara Superior do Carf. Porém, com a Operação Zelotes, o conselho decidiu suspender suas atividades. "A decisão judicial me surpreendeu porque ainda são poucos os casos levados à Justiça."

O uso de perícia no julgamento também foi destacado pelo advogado Diego Aubin Miguita, do Vaz, Barreto, Shingaki e Oioli Advogados. "Houve a comprovação de que esse uso do ágio era legítimo", diz. Segundo Miguita, esses julgamentos dependem das características de cada operação. "Dificilmente a discussão chega ao STJ [Superior Tribunal de Justiça] porque, pela Súmula 7, não pode rever provas."

Por nota, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) afirma que "essas operações de cisão, incorporação e fusão, nas quais não resta demonstrado qualquer propósito negocial evidente, são, na verdade, negócios jurídicos simulados com o intuito de se criar um ágio dedutível pelo contribuinte".

A nota ainda acrescenta que, "em sua maioria, os tribunais têm reconhecido a ocorrência de simulação por parte de grupos econômicos no afã de criar vantagens tributárias indevidas". Para a PGFN, o caso julgado é isolado "e decorre da interpretação das provas constantes dos autos que, segundo os desembargadores do TRF da 4ª Região, não eram aptas a demonstrar o planejamento tributário abusivo perpetrado pelo contribuinte".

Procurado pelo Valor, o advogado da Todeschini no processo, Alessandro Spiller, informou que a fabricante prefere não se manifestar.

Por Adriana Aguiar | De São Paulo 


Fonte: Valor Econômico

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