Ao considerar que juros de mora têm caráter remuneratório e
afirmar que, por isso, são tributáveis com Imposto de Renda, o Superior
Tribunal de Justiça interpretou o Código Tributário Nacional de forma
inconstitucional. É o que afirma acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região que afastou a incidência de IR sobre juros de mora recebidos em
reclamação trabalhista. A conclusão, da 2ª Turma do tribunal, é que os juros de
mora têm “nítido caráter indenizatório”, e, por isso, não devem ser tributados.
O que foi definido no TRF, na verdade, é a volta da questão
definida pelo STJ. O caso chegou à Justiça Federal por meio da reclamação de
uma trabalhadora que ganhou ação reclamatória trabalhista. Ela questionava a
tributação dos juros de mora aplicados aos salários atrasados que recebeu
quando saiu vitoriosa do processo. Ao todo, a causa discute R$ 43,3 mil.
A sentença deu ganho de causa à trabalhadora e condenou a
União a ressarci-la dos valores que foram cobrados a título de Imposto de
Renda. A Fazenda recorreu ao TRF-4 e alegou que os juros de mora, no caso da
reclamação trabalhista, são remuneratórios. A tese da Fazenda Nacional é que,
nesse caso, a indenização não se tratou de compensação pelo dano causado, mas
de indenização por lucros cessantes, aquela paga ao trabalhador que deixou de
trabalhar — e de receber salário — por causa do dano que lhe foi causado.
O STJ concordou com a Fazenda. Em Recurso Especial julgado
sob o rito dos recursos repetitivos, a 1ª Seção seguiu o entendimento do
ministro Mauro Campbell e restringiu a não incidência do IR sobre juros de mora
a duas hipóteses: quando recebidos por causa de demissão e quando houver
isenção tributária concedida por lei.
Mas tratou a não incidência como exceção. A regra geral
definida pelo STJ se baseou no artigo 16 da Lei 4.506/1964 e em seu parágrafo
único. A lei define o imposto sobre a renda e sua incidência. O caput do artigo
16 diz que “serão classificados como rendimentos do trabalho assalariado todas
as espécies de remuneração por trabalho ou serviços prestados”. Já o parágrafo
único define que os juros de mora e “quaisquer outras indenizações pelo atraso
no pagamento das remunerações previstas neste artigo”.
O STJ também explicou, na decisão, que o caso dos juros de
mora incidentes em indenização paga pelo atraso no pagamento do salário se
enquadra no inciso II do artigo 43 do Código Tributário Nacional. O artigo e
seus incisos dizem que o imposto sobre a renda tem como fato gerador a
aquisição de renda (inciso I) e de “proventos de qualquer natureza” (inciso
II). Como considerou os juros de mora como acréscimo patrimonal, o STJ os
classificou como “proventos de qualquer natureza”.
Com a definição da tributação dos juros de mora pelo STJ, o
caso voltou à primeira instância para rejulgamento e recálculo das quantias
devidas. No entanto, o caso voltou ao TRF-4 por meio de uma questão de ordem.
A volta e a constitucionalidade
Foram justamente a interpretação dada pelo STJ ao CTN e o
artigo 16 da lei que define a tributação sobre a renda os alvos da arguição de
constitucionalidade.
De acordo com a relatora do caso, a desembargadra Luciane
Münsch, o artigo 43, inciso II, do CTN, por si só, não afronta o texto da
Constituição Federal. Mas a interpretação a ele dada pelo STJ leva ao
entendimento de que os juros de mora decorrentes de decisão judicial podem ser
tributados. “Diante disso, só resta a esta corte examinar a matéria sob a ótica
constitucional”, explicou a desembargadora.
“A indenização, por meio dos juros moratórios, visa à
compensação das perdas sofridas pelo credor em virtude da mora do devedor. Essa
verba, portanto, não possui qualquer conotação de riqueza nova, a autorizar sua
tributação pelo imposto de renda”, escreveu Luciane.
No caso da Lei 4.506/1964, de acordo com o voto da relatora,
cabe ao TRF declarar, incidentalmente, a não recepção do artigo 16 e de seu
parágrafo único pela Constituição Federal de 1988. A inconstitucionalidade
está, segundo a relatora, no fato de o parágrafo único do artigo 16 da lei
dizer que “serão também classificados como rendimentos de trabalho assalariado
os juros de mora e quaisquer outras indenizações pelo atraso no pagamento das
remunerações pevistas neste artigo”.
Para Luciene Münsch, o dispositivo contraria o inciso III do
artigo 153 da Constituição, segundo o qual a União só pode tributar a “renda e
outros proventos”. E os juros de mora não renda nem proventos, mas indenização.
Igual aos demais
Como o caso foi resolvido pelo TRF-4 por meio de regras
constitucionais, o único recurso possível é ao Supremo Tribunal Federal. É que
o sistema jurídico brasileiro estabelece que o controle abstrato de
constitucionalidade, aquele que declara uma lei inconstitucional e a retira do
ordenamento jurídico, só pode ser feito pelo STF. É também chamado de “controle
concentrado de constitucionalidade” porque esse poder fica concentrado no
Supremo.
Aos demais tribunais, cabe apenas o controle concreto de
constitucionalidade, em que uma decisão que discute regras constitucionais se
aplica apenas ao caso concreto ali discutido. É chamado de “controle difuso de
constitucionalidade” porque o poder ficar difundido por todos os tribunais do
país.
Como o que o TRF-4 fez foi declarar as leis, e a
interpretação do STJ, inconstitucionais, só o STF, portanto é que pode rever
essa decisão. A desembargadora Luciene Münsch explica em seu voto que, como o
papel institucional do STJ é fazer o controle da legislação
infraconstitucional, não pode fixar a interpretação constitucional. “Nesse
aspecto, age como qualquer outro tribunal, de forma não vinculante para os
demais”, afirmou a desembargadora.
Repercussão geral
E por causa desse quadro, entra uma complicação processual
no caso. Como só resta à Fazenda recorrer ao Supremo, vai forçar o tribunal a
rever uma decisão própria. É que, em setembro de 2012, o STF recebeu um Recurso Extraordinário tratando justamente da
tributação dos juros de mora decorrentes de decisão judicial.
Mas não o conheceu: afirmou que a questão constitucional
alegada no RE não havia sido prequestionada no acórdão do tribunal de origem, o
que impedia a análise da repercussão geral pelo tribunal. Ou seja, o tribunal
não discutiu se há ou não repercussão geral no caso, mas não recebeu o recurso
que tratava dele. “Se o recurso é inadmissível por outro motivo, não há como se
pretender seja reconhecida a repercussão geral das questões constitucionais
discutidas no caso.”
Quem levou o caso da tributação dos juros ao STJ foi o
tributarista Igor Mauler Santiago, do Sacha Calmon-Mizabel Derzi. Ele explica
que, enquanto o Supremo se mantiver na posição de que essa questão não tem
repercussão geral, causará insegurança jurídica.
“O TRF-4 decidiu a favor do contribuinte, alegando a
inconstitucionalidade das leis discutidas. Então todos os contribuintes que
entrarem com pedido na 4ª Região, ganharão. Só que outros tribunais já deram
ganho de causa à Fazenda. O que vai acontecer é que, a depender da região em
que o contribuinte esteja, vai receber um tipo de decisão”, explicou o
advogado. “A importância desse caso é porque vai forçar o Supremo a rever uma
decisão já tomada.”
Pedro Canário é correspondente da revista Consultor Jurídico
em Brasília.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 31 de outubro de 2013
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