O direito tributário, por expressa disposição da
Constituição Federal, tem a legalidade como um de seus princípios basilares. Em
que pese a clareza da Constituição ao consignar a necessidade de observação
desse princípio, sobretudo nessa seara do direito, são comuns as normas
veiculadas pela administração tributária e que, flagrantemente, estão em
descompasso com tal previsão.
A Lei Federal nº 11.941, de 2009, comumente
chamada de “Refis da Crise”, por exemplo, não impôs aos contribuintes o
oferecimento de garantia de qualquer espécie, tampouco exigiu, daqueles que
fariam a migração de outros programas de parcelamento, a manutenção das
garantias antes ofertadas. O artigo 11 da aludida norma prevê que a adesão ao
Refis da Crise “não depende de apresentação de garantia ou de arrolamento de
bens, exceto quando já houver penhora em execução fiscal ajuizada”. Logo,
ressalvadas as execuções fiscais com lavratura de penhora, a inclusão de
débitos no Refis da Crise, em qualquer hipótese, não dependeria da manutenção
de quaisquer constrições perpetradas anteriormente.
Não obstante a clareza da
lei, a Portaria Conjunta PGFN/RFB Nº 6/09, que regulamentou o Refis da Crise,
prevê a manutenção das garantias e arrolamentos de bens já formalizados, “inclusive
os decorrentes de débitos transferidos de outras modalidades de parcelamento”.
O Fisco deveria estar submetido ao recebimento do que lhe é devido no mesmo
prazo dos demais credores É evidente que a previsão contida na referida
portaria extrapola aquilo que prescreve a Lei nº 11.941/09 e, deste modo, por
meio de veículo normativo flagrantemente impróprio a administração tributária
acabou por inovar na ordem jurídica, o que é totalmente ilegal e
inconstitucional.
Em um primeiro momento poder-se-ia imaginar que esse não
seria um grande entrave ao aproveitamento do Refis da Crise, já que a
Constituição garante a todos o acesso à Justiça e, além disso, estabelece que
nenhuma lesão ou ameaça a direito será afastada da apreciação do Poder
Judiciário. E, sendo assim, bastaria socorrer-se do Poder Judiciário para
afastar ato administrativo que, claramente, vulnera o princípio da legalidade.
Ocorre que, como se sabe, o devido processo legal garante aos litigantes, por
exemplo, o duplo grau de jurisdição, bem como uma série de outros procedimentos
que, somados a grande quantidade de demandas que se acumulam nos tribunais
brasileiros, tornam o socorro moroso e, por vezes, já ineficaz no momento da
entrega definitiva da prestação jurisidicional.
Vale destacar que a ineficácia
da prestação jurisdicional não se dá somente nas hipóteses em que o direito
tutelado por uma determinada norma já pereceu ou em que a violação sofrida
tornou-se irreversível. Em verdade, sobretudo nos casos de leis de parcelamento
especial em que há um evidente cunho econômico, a falha na entrega da prestação
jurisdicional ocorre, também, nas hipóteses em que o benefício concedido pela
Administração Pública não é plenamente usufruído por todos ou parte dos
beneficiários.
E é evidente que enquanto as garantias anteriormente oferecidas
aos débitos que foram parcelados via adesão ao Refis da Crise não forem
liberadas por ordem do Poder Judiciário – como exemplo, restrições à alienação
de bens – ao mesmo tempo que o contribuinte permanece com a obrigação de manter
em dia o pagamento das parcelas do Refis, a administração tributária acaba por
esvaziar sobremaneira o benefício econômico promovido pela lei de parcelamento
ou, ao menos, o diminui sensivelmente. Como se sabe, comumente, o não pagamento
de tributos ocorre por conta de problemas de fluxo de caixa das companhias e
que, por isso, certamente é grande o número de contribuintes que aderiram ao
parcelamento visando, justamente, a liberação dos bens para melhoraria desse
quadro. E mais, não fosse suficiente a frustração de tal intento por conta de
ato evidentemente ilegal, caso o contribuinte não consiga superar os problemas
de fluxo de caixa e venha a se valer de um pedido de recuperação judicial,
novamente estará presente a administração tributária visando dificultar a
retomada das atividades.
Com efeito, sob o manto da antiga regra do “privilégio
dos créditos tributários”, o Fisco não se submete ao que fora proposto no plano
de recuperação judicial aos demais credores da companhia, colocando em risco a
recuperação da empresa e, por conseguinte, o crédito de diversos outros
credores. E pior, em que pese a Lei de Recuperação Judicial tenha expressamente
previsto a necessidade de criação de norma que tratasse da forma de
parcelamento de débitos tributários para empresas nessa condição, até o
presente momento coube ao Poder Judiciário enfrentar em casos específicos a
questão; além do Confaz que, na suposta intenção de pacificar a matéria, acabou
estabelecendo tratamento menos benéfico do que o previsto, por exemplo, na Lei
nº 11.941/2009.
Com isso, a conclusão a que se chega é que a postura adotada
pelos órgãos da Administração Tributária (federal, estadual e municipal),
atualmente, além de sobrecarregar o Poder Judiciário em face da imposição de
normas ilegais que são contestadas pelos contribuintes, dificulta o crescimento
e desenvolvimento da atividade econômica/empresarial no país.
Assim, há que se
revogar de imediato a restrição imposta pela portaria conjunta acima referida,
de maneira a se permitir a livre disposição dos bens pelas companhias para que
estas possam dar curso a sua regular recuperação operacional e financeira.
Além
disso, normatizar em definitivo a questão dos prazos de parcelamentos das
dívidas tributárias para empresas em processos de recuperação judicial. Nesse
sentido, da mesma forma que os credores aprovam o parcelamento dos seus
créditos de natureza operacional ou financeira, o Fisco deveria estar submetido
ao recebimento do que lhe é devido no mesmo prazo proposto aos demais credores,
posto que se o plano de recuperação judicial foi bem feito e estruturado, o foi
com o intuito do soerguimento da empresa.
Marcio L. Mastroprieto e Leandro L.
Zancan. Marcio L. Mastroprieto e Leandro L. Zancan são advogados de Zancan
Advogados de São Paulo.
Fonte: Valor Econômico
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