A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por
maioria de votos, deu parcial provimento a recurso especial da Golden Cross
Assistência Internacional de Saúde Ltda., para julgar extinta medida cautelar
fiscal decretada, fundada em crédito tributário com exigibilidade suspensa, que
tornava indisponível o patrimônio da Golden Cross.
Entre 1990 e 2000, em operações sucessivas de reengenharia
empresarial, os direitos sobre os planos de saúde operados pela Golden Cross foram
transferidos entre várias empresas dentro do mesmo grupo econômico.
Com essas transferências, os planos ficaram concentrados na
Golden Cross Assistência Internacional de Saúde Ltda., enquanto que a antiga
Golden Cross Assistência Internacional de Saúde, hoje Associação para
Investimento Social (AIS), acabou esvaziada de seus objetivos comerciais e
passou a desenvolver exclusivamente trabalhos de filantropia e de consultoria
na área de saúde.
As dívidas fiscais acumuladas pela AIS antes da transferência
dos planos totalizavam aproximadamente R$ 10 milhões. Ocorre que,
posteriormente à transferência dos planos, a Fazenda Nacional afastou o caráter
filantrópico da AIS relativamente às atividades anteriores. Com isso, foi
apurado um crédito retroativo que majorou a dívida para quase R$ 2 bilhões.
Essa dívida, por opção da AIS, foi incluída no Refis,
programa de recuperação fiscal estabelecido em lei que oferece condições
especiais de parcelamento, dentre elas, o cálculo das parcelas sobre o
faturamento.
Como a AIS já estava com suas atividades reduzidas ao tempo
da majoração da dívida, os valores recolhidos mensalmente no Refis, segundo a
Fazenda, se tornaram pequenos em relação ao montante devido com a majoração.
Medida cautelar
Diante desse quadro, a Fazenda Nacional postulou a concessão
de medida cautelar para tornar indisponíveis os bens tanto da AIS quanto da
Golden Cross Assistência Internacional de Saúde Ltda., entendendo que a empresa
que havia recebido os direitos dos planos de saúde poderia ser responsabilizada
pela dívida posteriormente majorada contra a AIS. A sentença, confirmada em
acórdão de apelação pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), julgou
procedente o pedido.
Para o TRF2, a transferência da carteira de planos de saúde
da AIS para a Golden Cross Assistência Internacional de Saúde Ltda. colocou em
risco o direito da Fazenda Nacional, tendo em vista o montante da dívida e o
regime de imunidade previsto para a sociedade cedente – a AIS, que passou a se
dedicar à filantropia. A concessão da cautelar foi justificada pela necessidade
de salvaguardar o direito aos créditos já constituídos e em curso de ser
formalizados.
Diante da decisão, as empresas recorreram ao STJ.
Exigibilidade suspensa
O relator do recurso, ministro Mauro Campbell Marques,
reformou a decisão de segunda instância. Para ele, por força de lei, “não
merece subsistir a medida cautelar porque, quando esta foi ajuizada, os
créditos tributários (contra a AIS) estavam com sua exigibilidade suspensa, em
razão da adesão ao Refis”.
Citando conclusões do próprio acórdão contestado no recurso,
o ministro disse que não ficou caracterizada evasão fiscal ou fraude contra o
programa de parcelamento, pois a reengenharia empresarial com o esvaziamento
das atividades da AIS se deu nos anos de 1990 e 1996, bem antes da própria
criação do Refis, em 1999, e a dívida até então existente, antes da majoração
efetuada pela Fazenda Nacional, era inferior ao patrimônio arrolado pela AIS
como garantia para ingresso no programa de recuperação fiscal.
Nessas condições, de acordo com Mauro Campbell Marques, a
cautelar só poderia subsistir com amparo expresso no artigo 2º, inciso V, “b”,
ou inciso VII, da Lei 8.397/92 (alienação de bens para terceiros sem
comunicação ao órgão da Fazenda Pública competente quando exigível em lei), que
flexibilizam a necessidade de constituição e exigibilidade do crédito
tributário.
No entanto, acrescentou, o TRF2 fundamentou a concessão da
cautelar apenas no risco para os créditos tributários da Fazenda, sem entrar na
discussão sobre a necessidade da exigibilidade. Ele citou precedentes do STJ no
sentido de que, como regra geral, é vedada a concessão de medida cautelar
fiscal para acautelar crédito tributário com a exigibilidade anteriormente
suspensa.
“Se o crédito fiscal estiver com sua exigibilidade suspensa,
não há, em regra, fumus boni juris. Isto porque, a exemplo da própria
inexistência do crédito fiscal, a sua existência com exigibilidade suspensa
impede o ajuizamento da execução fiscal a que a cautelar visa proteger”,
justificou o ministro.
Bens de terceiro
A indisponibilidade dos bens de terceiro também foi afastada
pelo relator. O ministro destacou que a cautelar fiscal foi indevidamente
concedida na origem mesmo não havendo lançamento de créditos contra a Golden
Cross Assistência Internacional de Saúde Ltda., como contribuinte ou
responsável. A empresa está na posição de terceiro que adquiriu bens da
devedora, disse o relator.
Nessa situação, a regra processual, segundo Mauro Campbell
Marques, determina que a cautelar fiscal seja concedida inicialmente contra o
sujeito passivo do crédito, “alcançando os bens de terceiro apenas por
extensão”, exclusivamente quando haja risco de frustrar a pretensão da Fazenda.
“Isso significa que a medida cautelar fiscal contra terceiro
somente é cabível quando cabível contra o próprio devedor. Fora essa hipótese,
não há por que falar em extensão para atingir os bens de terceiro adquiridos do
devedor”, afirmou o ministro.
Ele concluiu que os créditos que se pretende resguardar
estão com a exigibilidade suspensa em razão de ingresso no Refis. Sendo assim,
não há por que realizar constrição em bens de terceiro para proteger créditos
tributários contra devedor que os inseriu em programa oficial de parcelamento,
suspendendo sua exigibilidade.
Fonte: STJ
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