quarta-feira, 28 de junho de 2017

ATUALIDADES: LIMITES DA REFISCALIZAÇÃO

presente artigo aborda acórdão do CARF que recentemente tratou dos artigos 146 e 149 do CTN em processo resultante de lançamento complementar e gerado a partir de reabertura de fiscalização para período e fatos sobre os quais já havia auto de infração. Coube ao CARF responder a pergunta: Quais os limites impostos ao Fisco para reabrir períodos já fiscalizados ou autuados?


Com base nas disposições dos artigos 146 e 149 do CTN, a Primeira Turma Ordinária da Primeira Seção do CARF decidiu por dar provimento a recurso voluntário e, assim, repelir a tentativa do Fisco de “complementar”, a partir de uma “refiscalização”, auto de infração, cujo fundamento de fundo envolvia a tributação de controladas e coligadas no exterior (Acórdão nº 1201-001.687). Não obstante a pertinência da matéria de fundo, vamos nos ater neste espaço aos contornos dados pelo CARF para aplicar os referidos dispositivo ao caso ora analisado.

Como sabido, o artigo 149 do CTN apresenta uma série de situações em que o lançamento tributário pode ser revisado de ofício, notadamente naquelas em que verificada a ocorrência dos chamados erros de fato. De igual maneira, o artigo 146 do CTN assegura aos contribuintes o direito de que eventual mudança no critério jurídico do lançamento introduzida de ofício, somente pode ter seus efeitos propalados para fatos geradores ocorridos após tal alteração do critério jurídico tenha sido devidamente externalizada pelo Fisco, sob pena de situações já consolidadas no tempo virem a ser desconstituídas por força de nova interpretação, causando evidente insegurança nas relações fisco-contribuinte. Este último ponto, inclusive, tem sido sistematicamente afirmado pelo Superior Tribunal de Justiça, no AgRg no REsp 101.433/RN, por exemplo.

De acordo com o relatado no acórdão ora em comento, em março de 2013 a contribuinte recebeu auto de infração para cobrança de IRPJ e CSSL alegadamente devidos sobre lucros auferidos por empresas investidas no exterior, valores estes apurados em relação ao ano-base de 2008. Em novembro de 2013, ou seja, após a lavratura do auto de infração, o Fisco lavrou um Mandado de Procedimento Fiscal e Diligência (MPF-D), a fim obter informações específicas sobre o resultado auferido no exterior em relação à uma empresa controlada indireta da contribuinte e localizada na Áustria. A despeito da existência do MPF-D, menos de um mês após, em 11 de dezembro de 2013, a Autoridade Fiscal lavrou novo auto de infração para cobrança de valores de IRPJ e CSSL supostamente devidos em relação ao ano-base de 2008, também tendo como objeto de fundo as regras de tributação de lucros no exterior. Assim, a contribuinte viu-se diante de dois autos de infração para cobrança de IRPJ/CSSL sobre lucros de subsidiárias diretas e indiretas localizadas no exterior, sendo ambos procedimentos relativos a um mesmo ano-base.

Ainda, vale destacar que no mesmo dia em que lavrado o auto de infração, também o MPF-D foi convertido em “Mandado de Procedimento Fiscal de Fiscalização (MPF-F)”, tendo tal conversão ocorrido ao amparo do disposto no artigo 906 do RIR/99, o qual autoriza o reexame de período já fiscalizado mediante ordem escrita do Superintendente, Delegado ou Inspetor da Receita Federal titular da circunscrição fiscal da contribuinte.

Contra tal auto de infração complementar, foi apresentada impugnação administrativa em que que a contribuinte sustentou, em sede preliminar, que (i) não estavam presentes quaisquer das hipóteses autorizativas previstas no art. 149 para revisão de ofício de lançamento já efetuado; e (ii) que a argumentação trazida à tona pelo fisco no segundo auto de infração implicaria em alteração do critério jurídico do lançamento, o que não poderia ser admitido em face do que dispõe o art. 146 do CTN.

Em primeira instância, a Delegacia Regional de Julgamento (DRJ) entendeu por repelir tais preliminares. Para afastar a aplicação do art. 149, foi destacado pela DRJ que o “lançamento complementar” seria admissível, pois apto a corrigir “incorreções e inexatidões em exames supervenientes desde que promovido com coerência lógica com os fundamentos jurídicos e conclusões assentados na autuação originária”. Já para o fim de afastar o disposto no art. 146 do CTN, foi destacado que a alegação de alteração do critério jurídico seria descabida, pois teria sido observada a “coerência lógica empregada na caracterização da infração tributária que determinou a lavratura da autuação originária”.

Apresentado recurso voluntário e reiterados os argumentos apresentados na impugnação, este foi provido de forma unânime pelo CARF, tendo a turma acompanhado as razões do voto proferido pelo relator.

De início, o conselheiro-relator afirmou que não se podia entender a regra prevista no art. 906 do RIR como uma autorização irrestrita dada ao fisco para reabrir fiscalizações em relação a exercícios já objeto de exame pela autoridade. Em verdade, as consequências da aplicação da regra do artigo 906 do RIR/99, deveriam ser consideradas em consonância com os dispositivos do CTN aplicáveis em matéria de lançamento e fiscalização, em especial aos artigos 145 e 149 do CTN, que excepcionalmente autorizam a revisão de ofício de lançamento já efetuado.

Restou afirmado que não basta a mera autorização formal das autoridades listadas no artigo 906 do RIR/99 para reabrir período já fiscalizado e, menos ainda, a ensejar lançamento complementar, mas sim tal autorização e potenciais consequências devem ser consideradas também em linha com hipóteses taxativas colocadas no art.  149 CTN para se verificar a validade de eventual lançamento complementar. Em outras palavras, não basta o mero ato formal necessário para se proceder com uma “refiscalização” e, assim lavrar um novo auto de lançamento, faz-se necessário avaliar se do resultado de tal “refiscalização” encontra-se presente uma das hipóteses previstas no art. 149 do CTN.

Neste ponto, destacou o relator que a taxatividade do art. 149 é importante, especialmente para fins de segurança, pois “caso contrário, estar-se-ia diante de um cenário de completa insegurança jurídica, onde o contribuinte após ter seu lançamento homologado (…) estaria sujeito a cobranças posteriores”.

Na continuação de seu voto, ponderou que o reexame de documentos pertinentes à verificação dos valores de lucros auferidos em 2008 por controladas indireta Contribuinte localizadas no exterior, não se encaixaria em nenhuma das hipóteses do art. 149 do CTN. De mais a mais, não obstante o dever imposto à Fiscalização, restou consignado que o auto de infração suplementar foi omisso com relação à apresentação de elementos que configurassem a presença de qualquer das hipóteses previstas no art. 149 do CTN, de modo que tal autuação restaria “contaminada” por nulidade. Tal passagem, destaca-se, reforça a cada vez maior atenção do CARF quanto ao ônus da prova imposto ao Fisco, conforme já salientado em artigo publicado neste espaço[1].

Também foi trazida à baila a violação ao artigo 146 do CTN pelo auto de infração complementar, pois embora as relações jurídicas verificadas nos autos de infração original e complementar (tributação de lucros no exterior) fossem idênticas, no segundo auto de infração foi adotado um “critério jurídico diferente” daquele empregado na autuação original, o que é expressamente vedado em relação a um mesmo contribuinte conforme regra do dispositivo antes citado.

A alteração quanto ao critério jurídico do lançamento seria nítida, pois enquanto no primeiro auto de infração lavrado em relação ao ano-base de 2008, os lucros tributáveis no exterior auferidos pelas controladas indiretas foram “apurados individualmente”, tendo havido a desconsideração da subsidiária direta localizada na Áustria na apuração dos resultados, no lançamento complementar o lucro tributável foi aquele consolidado na própria subsidiária austríaca que havia sido considerada mera “interposta pessoa” na primeira autuação.

Ou seja, enquanto na primeira autuação a empresa austríaca foi considerada como empresa simulada para fins de apuração de lucros tributáveis no exterior, na autuação complementar, em face de efeitos decorrentes de reorganizações societárias, foi apurado como tributável o lucro no exterior consolidado na própria subsidiária austríaca, uma evidente contradição, sendo lavrada a autuação para cobrança dos valores a maior a partir de tal consolidação.

Assim, não restou outra alternativa que não o cancelamento do auto de infração complementar também com fundamento nas disposições do art. 146 do CTN, assegurando, assim, o direito da contribuinte de não ter de se defender contra múltiplos lançamentos em relação a um mesmo fato e exercício, trazendo a devida estabilidade e certeza que se procura alcançar nas relações fisco-contribuinte.



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[1] “A Responsabilidade solidária e a individualização da conduta”, publicado em 20/6/2017.

Thales Stucky - Sócio da prática tributária do Trench, Rossi e Watanabe Advogados, LL.M. em Tributação Internacional pela New York University

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